Viagem cura ignorância, como costuma dizer o pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, Artur Chinelato. Dia de campo também. Estive, no último dia 9, em Patrocínio, no Triângulo Mineiro, em um dia de campo na Fazenda Serra Negra, do produtor Alcy dos Reis Nunes e sua família.
A Fazenda Serra Negra produz cerca de 4.600 litros de leite por dia, a partir de 130 vacas holandesas em lactação em regime de confinamento total. O Sr. Alcy, portanto, vai na contramão daquilo que se prega como tendência para a produção de leite no Sudeste brasileiro. Ao que tudo indica, ele está muito longe de liquidar seu rebanho, como tantos outros fizeram e estão fazendo.
Os números obtidos são significativos. Em 1994, ele produziu cerca de 340.000 litros/ano, com média de 4.140 litros/hectare/ano. Em 2002, foram 1.216.000 litros, com média de 14.654 litros/ha/ano. Em 1996, as novilhas encerravam a lactação com 5.438 litros/dia; em 2002, este número subiu para 9.221. A produção média por lactação em 1994 era de 4.328 litros, contra 9.240 litros em 2002. A idade ao primeiro parto era de ineficientes 32 meses em 1996; em 2003, a média está em 22,97 meses, excelente até para padrões norte-americanos. O intervalo entre partos atual está em 407 dias (13 meses e 17 dias), a lactação em média dura 327 dias, a mortalidade de bezerras é de 2,4%, o intervalo entre o parto e primeira inseminação, 87 dias. A média de produção de silagem de milho é de 43,7 toneladas por hectare, nos 63 hectares utilizados com a cultura.
São de fato números muito bons e ajudam a explicar o porquê deste dia de campo ter atraído quase 300 pessoas, a maior parte produtores da região. Antes que se questione, é importante lembrar que não houve aporte de capital externo na forma de emprestímos ou "fundo perdido" de outros negócios da família. Em tempo: leite é o único negócio do Sr. Alcy, cujo crescimento foi gerado pela própria atividade.
Como explicar então o fato da Fazenda Serra Negra parecer um oásis em meio a tantas notícias negativas envolvendo vacas confinadas?
O primeiro (e mais importante) aspecto está justamente no capital humano. A Fazenda é tocada literalmente pelo Sr. Alcy, filhos (Cláudio, Carlos e Luiz) e noras. Eles é que fazem as 3 ordenhas diárias, de acordo com a seguinte rotina:
Tabela 1. Revezamento na ordenha
Percebe-se que o olho do dono, ou melhor, dos donos, está presente no dia-a-dia da fazenda, como ocorre com muitos produtores do Sul do país (onde a produção de leite cresce de modo mais regular) e de outros países de pecuária desenvolvida.
Além disso, pelo que pude observar, o Sr. Alcy tem características bastante importantes para o sucesso de qualquer atividade. Ele recebeu pessoalmente todos os participantes, agradecendo a presença de todos; como todo bom mineiro, é bastante político e sabe "prosear"; cerca-se de profissionais capacitados, como o médico veterinário Casimiro, que assessora a fazenda; busca parceria com empresas privadas que, naturalmente, vislumbram no seu Alcy um cliente importante, porque é formador de opinião e cresceu a partir de muito pouco (a atividade começou em 1968, com 6 vacas que produziam 11 litros), onde muitos outros produtores estão hoje; é bastante orgulhoso do que faz; tem uma habilidade ímpar com números e controles, a ponto de ter todas as informações do rebanho documentadas e, por fim, transmite otimismo e tem atitude positiva.
Pelo que pude perceber, ele prioriza itens que estão diretamente relacionados à saúde financeira da atividade e limita gastos em itens cujo retorno, a seu ver, é duvidoso. A silagem de milho, por exemplo, é de qualidade excelente; ele fornece feno de alta qualidade aos animais em lactação, mas não às novilhas e bezerras; já as instalações são muito simples (ver fotos), com cochos descobertos e piquetes de grama e terra. O maior investimento reside justamente na ordenha recém-adquirida e que conta com extratores automáticos, contribuindo para a redução do tempo de ordenha, melhoria da qualidade do leite e, tão importante quanto, da qualidade de vida de quem ordenha.
O resultado, além da atividade em expansão e do sucesso na venda de animais (eles realizam um leilão anual, com venda de 30 a 40 animais), é um padrão de vida excelente, com casas ótimas e carro na garagem para todos. Tudo isso pago pelo leite.
Não há dúvida que o produtor de leite tem passado por maus bocados nos últimos anos, embora 2003 tenha dado um refresco, apesar dos custos mais elevados. Porém, quem visita a propriedade do Sr. Alcy não deixa de sair de lá com novos conceitos e com uma constatação que não tem como deixar de ser feita: o que define o sucesso de longo prazo não é o sistema de produção, o tipo de alimento ou de instalação, mas sim a qualidade do capital humano envolvido na atividade.
Obs: O dia de campo foi promovido pelas empresas Guabi, DeLaval e Lagoa da Serra, que fornecem seus produtos e serviços à Fazenda Serra Negra.