Quando tudo parecia já definido neste final de ano, Cruzeiro campeão, dólar controlado, recessão indo embora, primeiro ano de governo Lula terminando com final positivo, eis que várias surpresas surgiram para sacudir a cadeia do leite.
Algumas delas, é verdade, desagradáveis, principalmente o mercado de leite em queda, com mercado spot atingindo níveis muito baixos para a atual conjuntura. O epicentro do problema parece ter ocorrido na última semana de novembro/primeira de dezembro, quando as vendas dos laticínios foram bastante fracas, segundo o que apuramos, coincidindo com aumentos na captação de leite, o que levou Rodrigo Alvim, presidente da Comissão de Pecuária de Leite da CNA a propor a polêmica medida de redução da oferta de leite, em tentativa de ajustar oferta e demanda.
O lado positivo é que alguns dirigentes de cooperativas acreditam que o problema seja transitório, com recuperação já em janeiro, acompanhando uma provável retomada de consumo. Do lado da oferta, uma das hipóteses é que as vacas criadas a pasto tiveram parto mais cedo neste ano, de forma que o pico de lactação coincidiu justamente com o período mais crítico de consumo. Nesta conjuntura, a rede varejista aproveita para pressionar o mercado, forçando os preços ainda mais para baixo. Ao que tudo indica, a tempestade vai passar, mas é preciso acompanhar de perto. Nesse momento, seria fundamental lançarmos mão da estocagem de leite via EGF - que, até agora, diga-se de passagem, não foi aprovado, ao contrário do que se esperava. Em outras palavras, este mecanismo, que vem sendo discutido desde a crise de 2001 como forma de aliviar a pressão nos preços quando a oferta aumenta e que desde o início do ano estava pronto para ser implementado, ainda não foi utilizado pelo mercado.
Outra surpresa de final de ano, que considero também desagradável, é a situação mundial da Parmalat, envolvida em mais de US$ 7 bilhões em dívidas e com futuro cada vez mais incerto. Dada a importância da empresa no segmento lácteo e, em especial no Brasil, onde detém a segunda posição no ranking dos laticínios, a situação preocupa, e muito.
Também fomos surpreendidos com a divulgação dos dados referentes à produção de leite de 2002, pelo IBGE (clique aqui para ler a matéria). Contra as previsões, o leite cresceu 5,5% no ano passado, embora o crescimento tenha se dado no mercado informal. Muitos podem criticar estes dados, mas são as informações oficiais que dispomos e em cima das quais as análises são feitas. Esses dados confirmam que o leite no Brasil é uma atividade complexa, que sempre precisa ser considerada por diversos ângulos: enquanto a produção no sudeste cresce vegetativamente (em São Paulo cai), nos estados do Norte mostra um vigor muito fácil de passar despercebido, pois a região é pouco acompanhada pela mídia. É preciso resistir à tentação de analisar o setor com base no que ocorre onde as informações mais se concentram: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, sul de Goiás, Rio Grande do Sul. Os dados do IBGE estão aí para nos lembrar disso, assim como algumas matérias que temos feito, como a dos assentamentos no MT (clique aqui).
A lista dos 20 maiores municípios produtores de leite (veja abaixo) também dá uma idéia das diferenças que caracterizam o setor. Enquanto Castro, no Paraná, talvez onde se concentra a produção mais tecnificada do país, encabeça a lista, o segundo colocado é São Félix do Xingu, no Pará, cujas características são opostas. Pode-se argumentar que o município paraense é um dos maiores do país e que a produção por km2 seria um parâmetro que corrigia este fato, o que em parte faz sentido. Mesmo assim, a posição de São Félix no ranking não pode ser desconsiderada, mesmo porque tamanho não é o único documento: Amazonas é 16 vezes maior que Santa Catarina e produz 3,3% do leite do estado do sul. Notem que Jaru, em Rondônia, estado que teve o crescimento mais acentuado no ano, já aparece com grande destaque, fazendo jus à condição de nova fronteira e mostrando, como disse o Prof. Paulo Martins em seu artigo, que "leite e pobre tem no Brasil todo".
Outra surpresa, agora muito positiva, é que, pela primeira vez na história as exportações ultrapassaram as importações de lácteos (veja gráfico abaixo, elaborado pela CNA). Em novembro o Brasil foi exportador líquido de leite, uma condição muito significativa para um país que, há pouco tempo atrás, disputava com o México a condição de maior importador de leite do mundo, em uma época que até fábrica de pneu importava leite para fazer giro. O superávit de novembro é, talvez, o primeiro sinal concreto do futuro do Brasil como exportador de leite. Mesmo que esse resultado seja por enquanto transitório, reflete os frutos das ações que vêm sendo implementadas pelo setor, como as tarifas anti-dumping, a modernização da indústria láctea e o foco maior nas exportações, sendo exemplo a criação da trading Serlac. Além disso, não se pode esquecer do papel importante da correção do câmbio e da recuperação dos preços no mercado internacional, que troxeram competitividade ao leite brasileiro.
Na semana que vem, faremos um balanço de 2003 e as perspectivas para 2004 no setor leiteiro, a partir das opiniões de diversas lideranças.