Sempre tendo o objetivo de analisar os fatos de forma isenta e imparcial, visando aumentar o grau de compreensão do setor em relação às questões que afetam e afetarão diretamente o bolso de quem trabalha com agricultura, gostaríamos de reproduzir aqui trechos do artigo escrito por Luis Inácio Lula da Silva, no site do Instituto Cidadania, intitulado Agricultura e Soberania (https://brnt5sp228.digiweb.com.br/coluna.asp?id=207).
Neste artigo, Lula rebate as críticas recebidas em função de suas declarações de compreensão aos subsídios europeus, mudando de forma significativa o posicionamento divulgado anteriormente, o que me fez rever a posição colocada na semana passada.
Desta maneira, ao tomar contato com este material e analisar o seu conteúdo, achei justo o oportuno reproduzir trechos que alteram substancialmente a análise feita na semana passada (Subsídios e soberania alimentar), baseada nas próprias declarações feitas à imprensa e que, agora, foram revisadas e devidamente esclarecidas pelo seu protagonista.
Gostaríamos de selecionar os seguintes trechos do artigo, que pode ser lido em sua íntegra no link acima:
"... É preciso saber que há dois tipos de subsídios na agricultura dos países da Europa. Um que protege a produção interna. E, outro, que se aplica às exportações. Nós somos contra esses subsídios às exportações.
É preciso saber também que não existe uma política de subsídios específica da França, outra da Alemanha, da Itália e assim por diante. Existe uma Política Agrícola Comum (PAC) a todos os países que integram a Comunidade Européia, baseada no princípio da preferência comunitária. Ou seja, cada país dá prioridade à produção local, incentivando-a, e só pode importar os produtos que faltarem. Esse é o subsídio interno, necessário para proteger os agricultores e suas famílias.
Essa política vem sendo aplicada desde 1957. Em função do seu sucesso, a Comunidade Européia se tornou auto-suficiente nos seus produtos alimentares básicos a partir dos anos 70. Desde então, o excedente produzido, para evitar estoques excessivos, passou a ser exportado também com subsídios. A Comunidade paga a diferença entre os preços da produção interna e os preços internacionais vigentes.
Essas exportações subsidiadas são prejudiciais aos países em desenvolvimento, em especial aos da África, que, em função dos preços baixos, deixam de produzir internamente. Além disso, prejudicam os países exportadores de produtos agrícolas, como o Brasil.
Desde 1994, os países que têm essa política agrícola comum têm reconhecido a justeza dessa crítica e iniciaram a retirada gradativa dos subsídios às exportações. É preciso que o façam completamente, deixando apenas os necessários subsídios internos. Eles garantem a segurança alimentar, que deve ser um princípio de todos os povos.
A agricultura não tem apenas a função de produzir alimentos. Tem outras funções muito importantes para toda a sociedade. Ela deve garantir a ocupação soberana do território. Permitir a geração de emprego e renda. Preservar o meio-ambiente. Fixar a população na sua terra natal. E visar a produção de alimentos de qualidade e a segurança alimentar do país. Tudo isso compõe o que se convencionou chamar de multifuncionalidade da agricultura”.
...”Que fique bem claro: o que prejudica o Brasil é que não temos uma política agrícola soberana que defenda os nossos agricultores familiares, evitando as importações predatórias que destroem a nossa agricultura, reduzindo postos de trabalho e provocando o abandono da terra e o inchaço das cidades". (trechos do artigo Agricultura e Soberania, 15/10/01, Luis Inácio Lula da Silva).
O tema é ainda muito espinhoso, uma vez que os subsídios à produção para consumo interno também prejudicam, evidentemente, quem poderia exportar a custos competitivos. Inegavelmente, porém, é muito mais justificável o combate aos subsídios destinados aos produtos exportados do que o combate aos subsídios que são utilizados para garantir o suprimento interno e a ocupação ordenada do meio rural.
Considerando a inerente dificuldade de se obter avanços nestas questões, parece lógico que o caminho seja justamente este, de combate aos subsídios de exportação. No BeefPoint, Celso Boin já havia escrito artigo nesta linha também, o que pode ser lido ao final deste artigo, indicando inclusive ser este o posicionamento de lideranças do setor, como Roberto Rodrigues, presidente da ABAG.
Desta forma, fica aqui também meu reposicionamento em relação às críticas emitidas no artigo anterior, reposicionamento que se fez necessário e justo após os esclarecimentos em artigo escrito por Lula.
Finalmente, não pretendo neste espaço defender ou criticar este ou aquele candidato, mas sim defender ou criticar propostas que defendam ou prejudiquem a nossa agricultura.
Abaixo, artigo de Celso Boin, do BeefPoint.
Finalmente, uma proposta ética e defensável sobre subsídios - 03/08/01
Os problemas de subsídios de produtos da agricultura e de tarifas impostas sobre produtos manufaturados, normalmente praticados pelos países desenvolvidos para viabilizar setores de suas economias, têm sido ultimamente, assunto quase que diário na imprensa. De fato, parece que pelo menos parte das autoridades brasileiras, acordou para a gravidade desse comportamento dos países desenvolvidos após o lamentável episódio da retaliação canadense de proibição de importação de carne bovina brasileira.
A criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) deve ser considerada um marco muito importante para o comércio mundial. O seu valor tem sido questionado pelo fato de suas decisões nas questões de disputa terem sido baseadas em normas derivadas da chamada rodada do Uruguai. Nessa rodada, prevaleceram os interesses dos países desenvolvidos no estabelecimento de normas para julgar as disputas entre países no âmbito do comércio internacional. Entretanto, os países em desenvolvimento devem investir todos os seus trunfos nessa organização para torná-la a autoridade normatizadora e moralizadora do comércio mundial em tempos de globalização. A melhor maneira dos países em desenvolvimento fazerem frente aos arbítrios dos poderosos (países e blocos) é através da atuação em conjunto e da defesa de princípios e propostas, que viabilizem uma melhor distribuição da riqueza mundial entre as nações e seus habitantes.
Uma vez que qualquer país deve ser soberano em termos de estabelecimento de regras para estimular o desenvolvimento de suas atividades produtivas e de emprego de seus habitantes, as regras a serem estabelecidas para regulamentar o comércio mundial deveriam, se não proibir, pelo menos restringir ao máximo que a exportação de produtos subsidiados, que estabeleçam preços internacionais menores que os custos reais de produção. Portanto, não se trata de tentar interferir nas políticas internas de países e de blocos econômicos que, além de ser antiético, tem sido improdutivo, mas de apresentar propostas éticas que mobilizem a maioria na sua defesa perante os mais poderosos.
A proposta do Presidente da ABAG, Roberto Rodrigues, que os subsídios aos produtos agrícolas praticados pela Comunidade Econômica Européia e pelos EUA sejam restritos aos seus mercados internos, parece-nos bastante lógica e muito ética, e, como consta de suas declarações, defensável junto a OMC com base nas regras da Caixa Verde.