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Setor lácteo: redefinindo suas fronteiras

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 31/01/2007

9 MIN DE LEITURA

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O setor lácteo é um setor tipicamente de commodities, como petróleo ou minério de ferro, caracterizado pela pouca diferenciação, cuja lucratividade decorre de escala, operação altamente eficiente e custos reduzidos? Para muitas empresas, talvez seja. Mas uma análise rápida das tendências mostra que a realidade é outra. O setor tem sido cada vez mais marcado pela inovação e pela diferenciação dos produtos.

Na verdade, o setor lácteo global tem passado por uma revolução silenciosa que está longe de terminar. Um modelo que cresceu marcado pela forte intervenção governamental - que ainda existe em muitos países - vem dando espaço a um novo mercado em que a inovação, a expansão, a competição e a consolidação entre empresas são os principais direcionadores. O lançamento de produtos lácteos no mundo, no período de 2000 a 2004, mais do que dobrou em relação ao período de cinco anos anterior (veja figura 1). Mais ainda: os lácteos têm crescido sua participação em relação ao lançamentos de produtos alimentícios, uma prova do dinamismo do segmento.

Esse dinamismo do setor tem origem em múltiplos aspectos. Primeiro, o aumento do fluxo internacional de capitais e do comércio, aliado à perspectiva de redução do suporte governamental, que criava - e ainda cria - um ambiente artificial e seguro de mercado para produtores e indústrias, faz com que haja a necessidade de movimentação por parte das empresas. Vale lembrar que muitas das maiores empresas do setor de laticínios são européias, onde o protecionismo atinge níveis elevados e onde a produção está alicerçada sob areia movediça, em se tratando de competitividade (embora existam exceções em desenvolvimento e que devam ser observadas de perto). Segundo, o crescimento de grandes grupos globais de varejo colocam pressão mesmo em empresas lácteas de porte mundial. Assim, estratégias de expansão, como a busca por posicionamento em locais estratégicos, e novos lançamentos, são uma resposta natural a um novo cenário nos negócios que envolvem os lácteos.

Terceiro, a maior exigência do consumidor, que demanda cada vez mais atributos como conveniência, segurança alimentar e benefícios à saúde, abre, ao mesmo tempo, oportunidades para as empresas que entenderam a mensagem, e ameaças significativas aos que ficarem presos a uma realidade passada. Esses atributos, muitas vezes, ganham a companhia de outros fatores como direcionadores de consumo, como a questão da sustentabilidade ambiental e da responsabilidade social, que agrega aspectos desde o tratamento justo dos funcionários (o que, convenhamos, nada mais é do que uma prática de gestão saudável para as empresas) o envolvimento com o desenvolvimento da comunidade.

Figura 1. Ritmo de lançamento de produtos lácteos é maior do que de outros alimentos


Fonte: USDA, Economic Research Service - Datamonitor Productscan

O quarto fator que explica (e viabiliza) o dinamismo refletido nos lançamentos de novos produtos, é o surgimento de novas tecnologias que ampliam as possibilidades de atuação no setor lácteo. Novas técnicas de processamento, de transporte e de acondicionamento tem o poder de mudar o mercado. Um exemplo de fácil compreensão: como seria a produção, a industrialização e o consumo de leite no Brasil se não houvesse a tecnologia UHT? Certamente diferente. Lactose e proteínas derivadas do leite ou do soro obtidas por ultrafiltração, são exemplos de novas tecnologias que criam mercados igualmente novos. Estes produtos, por exemplo, são utilizados em segmentos como o cosmético e o de bem-estar, sendo exemplos os suplementos nutricionais utilizados em academias de ginástica.

O setor lácteo ganha, enfim, novos contornos, velocidade e complexidade. O que é, por exemplo, e o que não é produto lácteo? Trazendo essa questão para uma realidade atual, temos tido cada vez mais dificuldade em interpretar dados de exportação e importação de lácteos pelo Brasil, uma vez que a pauta pode (ou não) conter os mais variados produtos, desde leite em pó caseinatos, lactalbuminas e outros produtos com os quais o produtor de leite nem sonha e cuja aplicação vai muito além do tradicionalmente conhecido. Produtos que têm base láctea, mas têm aplicação em segmentos muito distintos do de alimentação, podem ser considerados produtos lácteos? Ou seriam produtos farmacêuticos, ou nutracêuticos, como muitos falam?

Esse caldeirão de demandas e possibilidades, que se aquece cada vez mais, cria um espaço para que as empresas desenvolvam não só produtos mas também habilidades gerenciais e estrgicas, como a formação de alianças e a escolha de atuação em novos mercados.

A quantidade de lançamentos e o dinamismo setorial contribuem para alargar os limites da atuação das empresas. Assim como a Perdigão e a Coca-Cola entraram na área de lácteos, empresas de lácteos lançam produtos em segmentos afins, como sucos e bebidas de soja. A considerar a consolidação dessa tendência, até que ponto pode-se caracterizar uma empresa como sendo um laticínio, ou um frigorífico, da forma como conhecemos, na medida em que, atraídas por mercados em crescimento, as empresas entram em novas áreas que não necessariamente àquelas sobre cujas bases criaram suas marcas e se ergueram?

Pode-se, em uma primeira análise, dizer que tal realidade reflete quase que exclusivamente o que vem ocorrendo em países desenvolvidos e mercados maduros, onde o aumento de 2% ao ano no consumo tem sido mantido à base de agregação de valor, através de novos e constantes lançamentos para uso industrial e para o consumidor final. Nos países em desenvolvimento, o crescimento viria principalmente das tradicionais commodities lácteas, como leite em pó integral, manteiga e queijos sem grande diferenciação. De fato, a crítica pode ter algum fundamento. O consumo per capita de iogurte cresce mais em países desenvolvidos do que em novos mercados; já o consumo de leite fluido apresenta movimento oposto. A figura 2, que traz previsões da OCDE e FAO sobre o futuro do consumo de commodities lácteas, mostra que, enquanto nos países desenvolvidos apenas o queijo deverá crescer até 2014, nos países em desenvolvimento (não-OECD), há boas perspectivas para manteiga e leite em pó integral também.

Figura 2. Previsão para o consumo de lácteos nos países da OCDE e demais países. (OCDE/FAO, 2005)


Apesar das commodities lácteas terem ainda um horizonte amplo de crescimento nos países em desenvolvimento, por outro lado os produtos mais segmentados e passíveis de maior valor agregado também tem seu lugar ao sol nesses mercados. Afinal, uma coisa é haver espaço para commodities; outro, para somente elas.

Aqui, entra uma abordagem mais especulatória do que baseada em dados concretos, levantando a hipótese que mercados de crescimento elevado, como o chinês, cujo consumo de lácteos tem se expandido a taxas de 15% ao ano, crescem com um nível de sofisticação superior ao que se poderia supor quando alguém imagina a visão tradicional, estereotipada, do crescimento do consumo em países com menor renda per capita.

Alguns dados e percepções sustentam esse argumento. Primeiro, muitos destes países apresentam classes sociais com diferenças de renda suficientes para abrigar vários mercados, dos mais exigentes e sofisticados, aos mais carentes. Nesse ponto, o Brasil, infelizmente, é um dos melhores exemplos. Segundo o IBGE, utilizando os dados do maior mercado - São Paulo - cerca de 65% da renda está concentrada em 26% dos domicílios com renda acima de R$ 2.000 mensais. Portanto, há um mercado considerável e, em algum grau, sofisticado (ou com potencial de se sofisticar) em relação ao consumo de produtos funcionais, com sabores específicos, etc, que representam uma fonte importante de diferenciação.

A constatação da existência desse mercado pode não ser suficiente para sustentar o argumento acima, pois, pode-se criticar, não se considera o grosso da população, cuja "funcionalidade" a ser procurada nos alimentos estaria nos nutrientes básicos, como proteína, minerais, carboidratos e gordura.

No entanto, as informações disponíveis mostram que, mesmo nas classes C, D e E, o padrão de consumo apresenta nuances parecidos com o que se verifica nas classes mais altas. Essas classes preferem, por exemplo, as mesmas marcas e produtos consumidos pelas classes mais favorecidas, ainda que em embalagens mais baratas e porções menores. Esses consumidores estão aumentando significativamente o número de categorias consumidas, ou seja, a noção de que alguns itens são essenciais e um sem-número de outros itens caem na categoria do supérfluo talvez precise ser reconsiderada para uma parte desse público.

O que explica essa mudança de comportamento? Entre os vários aspectos, acredito que um dos principais seja o maior acesso a informação, principalmente a televisão, que faz com que todos, e não mais uma minoria, estejam alinhados com as últimas novidades, com as novas tendências de consumo. Não se deve desprezar também o efeito que a globalização de empresas (indústrias, cadeias de fast food e supermercados) exercem nos hábitos e preferências das pessoas. A presença de um Carrefour na China, por exemplo, com suas cadeias globais de fornecimento, contribui para que novos hábitos de consumo sejam incorporados. De uma forma ou de outra, o desejo de consumo chega a todos e mais e mais empresas (as Casas Bahia foram o ícone da baixa renda no Brasil) estão aprendendo as particularidades desse enorme mercado. Entra, aí, um novo fator importante que ajuda a tornar as classes C, D e E um mercado estratégico: com a intensa competição nas classes mais favorecidas, muitas empresas se voltaram a esse novo público, lançando mão de seus conhecimentos de produção e marketing para atender a esse filão adormercido.

Sem querer esgotar e simplificar o tema, esses fatos nos levam a crer que uma parte significativa do crescimento do mercado de lácteos reside no desenvolvimento de produtos que estão longe de ter as características de commodities, ao menos hoje. E muitas empresas sabem disso. Se você tem dúvidas sobre isso, basta ir à gôndola de lácteos de um supermercado e constatar a quantidade de novos lançamentos.

Vários dos conceitos aqui colocados foram refletidos a partir da leitura do texto U.S. Dairy at Global Crossroads (tradução livre: "O setor leiteiro norte-americano em um mundo globalizado"), escrito em 2006 por pesquisadores do Departamento de Agricultura dos EUA e que avalia a capacidade de competição das empresas norte-americanas nesse novo contexto. Os autores inclusive simularam os possíveis efeitos da eliminação de todo e qualquer forma de proteção - barreiras tarifárias, subsídios a exportação e ajudas internas - na competitividade dos EUA, para concluir que o setor lácteo deles não está tão mal assim, em um ambiente competitivo para valer.

O cenário descrito acima abre espaço para uma reflexão a respeito das empresas brasileiras que atuam na área de laticínios. Afinal, o setor lácteo do futuro, em que muitas empresas apostam hoje suas fichas, é muito distinto da tradicional imagem que dele fazemos. Nosso papel no mercado será mesmo a produção de commodities, como mostrou Alejandro Reca, do Rabobank, no úlltimo Congresso Panamericano do Leite? Como as empresas nacionais podem se posicionar nessa conjuntura em que inovação (pesquisa & desenvolvimento, marketing), expansão e dinamismo serão a bola da vez? Temos uma estrutura de pesquisa para suportar esses lançamentos, que reúnem nutrição com saúde? No ambiente institucional e legal, o governo tem favorecido o desenvolvimento de produtos que estejam alinhados a essas tendências, seja com incentivos para investimentos, seja com um arcabouço legal adequado? Ou isso tudo é somente uma parte da realidade, havendo um contexto signficativo, embora pouco atraente para a mídia, de produtos tradicionais, largamente consumidos, embora com baixas taxas de crescimento e com os quais a maior parte das empresas continuará crescendo? Quais as implicações desse cenário para o produtor? A descommoditização chega, afinal, até ele? De que forma?

Na próxima quinzena, procurarei discutir as oportunidades e ameaças para o produtor de leite no contexto comentado nesse artigo. Até lá!

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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HELENO GUIMARÃES DE CARVALHO

PALMAS - TOCANTINS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 01/02/2007

Marcelo, gostaria de parabenizá-lo pelo brilhante texto e pelos dados apresentados e fazer alguns comentários que acredito pertinentes ao assunto:

O consumo de produtos de maior valor agregado é uma realidade em nosso país, havendo um aumento constante, muito maior que o crescimento da economia, e determinados produtos antes considerados exclusivos a uma pequena parcela da população estão se popularizando.

Conforme citado em seu artigo, vivemos em um país com uma profunda desigualdade social que concentra a renda, e portanto, o consumo de determinados produtos, assim, um crescimento da renda per capita sem melhoria na distribuição de renda não traz mudanças significativa nos consumo de produtos alimentícios, visto a necessidade da distribuição da renda.

Existe uma tendência natural à saturação, se pegarmos uma família de classe média alta e dobrarmos sua renda com certeza não teremos aumento no consumo de derivados lácteos, já que esta família já tem acesso a estes tipo de produto na quantidade desejável, enquanto que se pegarmos uma família com renda familiar abaixo de dois salários mínimos e dobrarmos sua renda familiar, com certeza o consumo de produtos lácteos de maior valor agregado aumentaria substancialmente.

Um aumento do crescimento do PIB associado a uma melhoria da distribuição de renda pode trazer reflexos substanciais na vida do produtor de leite, visto que os commodities lácteos são muito susceptíveis a variações de mercado ao contrário de produtos com maior valor agregado. A produção de produtos mais sofisticados é mais saudável tanto para as indústrias quanto aos produtores, tendo em vista a possibilidade de gerar estabilidade na remuneração.

È muito importante não esquecermos da necessidade da melhoria da qualidade do nosso leite, visto a impossibilidade tecnológica de desenvolvermos produtos sofisticados com matéria-prima de baixa qualidade por motivos que cabem serem discutidos futuramente. Hoje a falta de qualidade do leite produzido gera um círculo vicioso de pobreza, as empresas não desenvolvem produtos de maior qualidade em função da baixa qualidade da matéria-prima, e conseqüentemente não conseguem remunerar melhor seus fornecedores.

Círculo vicioso este que só pode ser quebrado com informação ao contrário do que se difunde, visto que melhoria de qualidade de leite só em casos muito raros está associado a investimentos, e sim em educação sanitária e de boas práticas muito simples, mas este fica para uma próxima discussão.

<b>Resposta do autor:</b>

Olá Heleno,

Obrigado pelos comentários e elogios. Estive fora vários dias, por conta de nosso evento, o que me impediu de responder.

Concordo com tuas observaçoes!

Abraco

Marcelo
TUÊNIO MARCOS DE ANDRADE

JATAÍ - GOIÁS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 01/02/2007

Parabéns. Muito bom. Saliento que é papel do site antecipar as tendências do setor lacteo nos seus diferentes níves (produção, indústria e consumo).
Continuem com esta linha de pensamento.

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