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Produção primária: com quem fica o dinheiro

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 28/11/2003

6 MIN DE LEITURA

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Segundo notícia publicada no jornal Estado de São Paulo, de 25/11/03, noventa por cento do valor pago por um consumidor americano ou europeu por um produto agrícola brasileiro em um supermercado local ficam para o país importador. O estudo, feito pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), da ONU, conclui que tal cenário é fruto da expansão, sem precedentes, de grandes redes de supermercados, que passaram a controlar grande parte da distribuição de alimentos em muitos países.

No caso das exportações de banana, por exemplo, os produtores dos países em desenvolvimento ficam com apenas 5% do valor obtido pela venda no supermercado, enquanto 34% do preço cobre os custos de distribuição, 17% é o lucro da rede varejista e o restante paga taxas, transporte e outros custos.

Diz ainda o estudo que o fato da maior parte das redes varejistas ser de países desenvolvidos contribui para esta situação. Das 100 maiores redes de supermercados, apenas duas são de países em desenvolvimento, sendo que uma delas é a Wal-Mart México, cujo controle é norte-americano. Destas 100 maiores, 41 redes são americanas, 12 japonesas e 11 inglesas.

Por outro lado, a existência destas redes com penetração mundial tem seu lado positivo, uma vez que permite a entrada de produtos em diversos mercados, contribuindo para o fenômeno da globalização dos mercados. A rede Carrefour, por exemplo, exporta produtos agrícolas brasileiros para suas outras unidades, o que é viabilizado ou ao menos facilitado justamente pela capilaridade destas redes, assim como fazem multinacionais que estão presentes em diversos países, como a Nestlé e Parmalat, para mencionarmos exemplos ligados ao leite. O Carrefour está presente em 31 países, com 10,7 mil lojas, ao passo que a Wal-Mart conta com 5,1 mil lojas em 12 países.

O relatório, porém, alerta que para usufruir desse potencial de distribuição, é preciso apresentar os níveis de qualidade exigidos pelas empresas multinacionais, o que nem sempre é fácil. Segundo a UNCTAD, uma importante parceria de pequenos produtores de côco e trigo no Brasil perdeu espaço no mercado nacional por não atender às exigências técnicas dos supermercados.

Por fim, o relatório da UNCTAD aponta que a América Latina é a região onde o setor de supermercados mais cresce entre os países emergentes, por causa da concentração e internacionalização no setor, com crescimento de 237% desde 1997, atingindo de 50 a 60% das vendas, com picos de 72%, como ocorre no Brasil. O surpreendente é que em 1990, os supermercados respondiam por apenas 20% do total das vendas de alimentos na América Latina, indicando que o crescimento foi dramático e mudou o padrão de distribuição de suprimentos na região.

Analisando a situação no mercado interno, é evidente que há a necessidade da diversificação dos canais de distribuição, visando estabelecer uma relação mais equânime entre os elos da cadeia. Por outro lado, há a necessidade de pensar em alternativas para minimização do crescimento e/ou do impacto do grande varejo na cadeia, o que não é simples, dado o poder cada vez maior das redes e o fenômeno mundial que vem ocorrendo neste sentido, como foi mencionado no artigo do Estadão. Para efeito de comparação, nos Estados Unidos, cerca de 88% das vendas de leite ocorrem nos supermercados:


Os Estados Unidos, por sinal, tem verificado uma situação sui generis em relação ao mercado de leite. Apesar de um mercado protegido por barreiras tarifárias, subsídios à exportação e preços mínimos, o produtor de leite nunca recebeu tão pouco como neste ano, com preços que desde 1977 não atingiam valores tão baixos. Claro que vários aspectos contribuiram, como a economia recessiva e a sobre-oferta da produção, mas um dado interessante do Índice de Preços ao Consumidor mostra que o produtor está com uma fatia cada vez menor do preço do leite fluido:


Com efeito, entre 1992 e 2001, o preço dos lácteos subiu 33% no varejo. Deste aumento, o produtor obteve 9,7%, a indústria, 23,5% e o supermercado, 42,6%.

Produtor e indústria não têm controle dos canais de distribuição e, cada vez mais, estão na mão de um único canal. A falta de alternativas na distribuição contribui para a redução de margens e, com o tempo, corrói eventuais vantagens comparativas, como no caso das bananas do estudo da UNCTAD.

No livro Plowing the Sea - Nurturing the Hidden Sources of Growth in the Developing World, Michael Fairbanks e Stace Lindsay (Harvard Business School Press, 1997) analisam porque países com vantagens comparativas, como abundância de recursos naturais (clima, solo, topografia), mão-de-obra barata ou localização, acabam não gerando riqueza para o país.

Eles dão o exemplo da indústria de flores da Colômbia, que, em um espaço de 12 anos, ocupou o mercado de flores de corte nos Estados Unidos, passando de 1% para 89,6% das importações totais dos Estados Unidos, além de ser a principal responsável pela popularização do consumo de flores no país, atingindo a rede supermercadista que, até então, pouco comercializava flores de corte.

O negócio era tão bom que foi chamado de Novo Eldorado da Colômbia, com margens de lucro de 57% e retorno anual de mais de 600% sobre o capital investido. Porém, havia alguns problemas. Primeiro, a indústria prosperou com base nos baixos custos de produção, com dependência excessiva nos recursos naturais e na mão-de-obra mais barata, tidos pelos produtores colombianos como suficientes para garantir posição de liderança no mercado de exportação. Com isso, deixaram de criar as condições para a inovação. Segundo, a comercialização ficava na mão de atravessadores em Miami, que tinham o conhecimento do mercado e criaram mecanismos que garantiam sua renda mesmo sob baixos preços.

Os produtores de flores respondiam ao mercado, mas não aprenderam a criar uma demanda mais sofisticada junto aos consumidores. Também, não conheciam bem as implicações estratégicas de longo prazo ao escolher atender determinados segmentos do mercado.

Com o tempo, a oferta de flores aumentou significativamente e os preços recebidos pelos produtores colombianos foram se erodindo, pois a demanda não crescia à mesma taxa e o poder de barganha destes diminuia comparativamente aos intermediários e supermercados. Paralelamente, a indústria de flores do México também se desenvolveu, agora competindo com as flores colombianas, com custo igualmente competitivo.

A indústria de flores da Colômbia, a despeito de suas vantagens comparativas, não conseguiu gerar a riqueza que seria de se esperar. A Holanda, com custos muito mais altos, nunca perdeu o espaço no segmento de flores mais sofisticadas, atendendo aos mercados mais exigentes e que conferem mais rentabilidade. Os holandeses investiram em segmentação de mercado, melhor distribuição e inovação tecnológica.

Em suma, as vantagens que geram riqueza no curso prazo podem não ser suficientes para gerar riqueza sustentável. Ou, indo a um extremo, podem ser responsáveis pelo imobilismo que impede o desenvolvimento de reais vantagens competitivas, na velha paródia da formiga e da cigarra.

É importante pensarmos nesses aspectos em relação à nossa incipiente indústria de exportação de lácteos, cujo principal trunfo são os baixos custos de produção. Sem dúvida que, em um mercado de commodities, baixo custo e eficiência de produção são fundamentais e que é necessário começarmos explorando nossas abençoadas vantagens comparativas.

Porém, vale a pena lembrar mais no longo prazo, avaliando quais as reais vantagens competitivas que podemos desenvolver, de forma a não confiar apenas nos baixos custos para a geração de riquezas, pois a economia mundial está cheia de exemplos que mostram a pouca sustentabilidade desta estratégia.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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