Nessa semana, o programa Mais Você, da Rede Globo, apresentado por Ana Maria Braga, reprisou uma matéria que havia ido ao ar em setembro do ano passado, em que duas nutricionistas debatiam os benefícios e "malefícios" do leite e dos lácteos em geral (leia aqui a matéria que fizemos). A primeira nutricionista disse que o leite causa uma série de problemas de saúde, de prisão de ventre a risco aumentado de câncer no sistema digestivo e que deveria ser banido das dietas para pessoas maiores do que quatro anos de idade. Embora a matéria tenha sido bem balanceada, com o outro lado da moeda sendo trazido pela Profa. Jocelém Salgado, da ESALQ/USP, que refutou os dados apresentados pela nutricionista, no mínimo o ouvinte ficou com a pulga atrás da orelha, passando a questionar um alimento tradicional e tido como saudável.
Esse programa chega a atingir de 8 a 10 pontos no Ibope. Para comparação, o Jornal Nacional atinge 35 a 40. A penetração é, portanto, muito significativa, ainda mais se for considerado que o público-alvo do programa é formado por mulheres donas-de-casa, responsável por mais de 80% das decisões de consumo. O potencial de estrago de uma mensagem negativa é enorme, assim como é bastante interessante o eventual benefício advindo de uma mensagem favorável.
Embora não tenha dados para confirmar minha informação, suponho que tais mensagens envolvendo lácteos e outros alimentos têm aumentado na mídia. Paulo do Carmo Martins escreveu sobre isso há pouco (clique aqui para ler o artigo "Leite: Alimento ou Veneno?"). As razões para isso são várias, mas a mais importante é a crescente preocupação com a qualidade de vida e com a saúde, em que os hábitos alimentares exercem papel importante e, portanto, são cada vez mais questionados. À medida que a expectativa de vida se eleva, graças aos avanços da medicina e da infra-estrutura básica, as pessoas se preocupam com seu estado de saúde em uma futura velhice que, com freqüência, passa dos 90 anos. Viver vinte ou trinta anos com vitalidade muito reduzida é algo que ninguém deseja. Sabe-se que estilo de vida e hábitos alimentares adotados desde o começo da vida adulta, ou até antes, impactam na duração e na qualidade da vida futura. Ações acumuladas durante o início de nossa existência cobram ou não um preço futuro, de forma que analisar o longo prazo em nossas escolhas e hábitos passa a ser relevante.
Essa é uma preocupação relativamente recente na história humana. Há alguns séculos atrás, quando a expectativa de vida era de cerca de 40 anos, pensar no futuro era pouco sensato; ele simplesmente não existiria para a maior parte das pessoas. O importante era viver o presente, como ocorre ainda hoje com índios, por exemplo, para quem o conceito de "amanhã" é de difícil entendimento. Hoje, o dilema mais anos em nossas vidas x mais vida em nossos anos começa a se deslocar a favor do primeiro 1.
Em função disso, a mídia abre espaço cada vez maior para matérias que mostrem que escolhas alimentares devem ser feitas para que tenhamos melhor saúde. Não só a mídia - os próprios governos têm essa preocupação, visto que as escolhas e hábitos alimentares podem significar problemas relevantes de saúde pública, como o crescimento de obesidade e outros distúrbios. E isso não é só algo relevante em países de renda muito elevada, como os países nórdicos. A prova que o Brasil se preocupa com essas questões reside na recém-publicação do Guia Alimentar Oficial, que trata justamente das recomendações oficiais a respeito de nutrição e hábitos alimentares e que, aliás, recomenda o equivalente a 200 kg de leite-equivalente por pessoa por ano.
A maior preocupação com saúde gera inúmeras oportunidades para lançamento de novos produtos que podem beneficiar diversos setores. Em lácteos, leites com ômega-3 e CLA são exemplos, assim como queijos com menor teor de gordura, iogurtes com probióticos e outros produtos do chamado "nicho de mercado", mas que normalmente têm alto valor agregado. Nesse movimento, alguns setores têm sido extremamente eficazes, como é o caso da indústria da soja, capitaneada por grandes empresas. Com um enfoque embasado em saúde e qualidade de vida, focam a comunidade médica para transmitir a mensagem de que seus produtos estão alinhados a essa nova realidade, em que a maioria de nós vai viver mais e precisa estar em boas condições de saúde para usufruir esse tempo extra junto a seus parentes e amigos.
Temos, portanto, de um lado uma população ávida por produtos que promovam a saúde em vez de destruí-la e, de outro, produtos concorrentes que vêm percebendo essa realidade talvez melhor que os lácteos.
O terceiro componente desse cenário é a comunicabilidade cada vez maior e, com ele, o acesso à informação cada vez mais rápido e disseminado. Lembrei-me agora daquele email que circulou no final do ano passado, falando sobre o reprocessamento de leite longa vida. Diversas pessoas sem ligação com o setor lácteo me perguntaram se era verdade. Fiquei sabendo de um professor de marketing de uma renomada universidade que mencionou o fato aos seus alunos, explicando que os números na parte inferior da caixinha significavam, segundo informações que recebeu via internet, da quantidade de vezes que o leite havia sido reprocessado ao se aproximar do prazo de validade. Outra pessoa me confessou que só compra leite agora olhando a parte debaixo da caixinha. Santa ignorância, mas é a realidade com a qual se precisa lidar.
As "más" notícias, enfim, contemplam a rapidez de disseminação da informação, a existência de produtos concorrentes e substitutos, típicos de mercados muito competitivos e a preocupação crescente da população com o que está ingerindo.
Há, felizmente, as boas notícias. Nessa mesma semana em que tivemos a reprise do Mais Você, circulou no mundo uma matéria falando da importância de se tomar leite no café da manhã (leia aqui), citando pesquisas favoráveis relacionando leite a emagrecimento. Além da matéria ter sido publicada em diversos sites e jornais especializados, ganhou veículos de massa, atingindo número bem maior de leitores.
Desse episódio, duas lições relevantes e uma suposição. A primeira lição é que, assim como a mídia pode trazer prejuízos ao veicular informações negativas e às vezes de origem duvidosa sobre lácteos, pode também ajudar, informando a respeito dos benefícios. A segunda é que os lácteos têm inúmeros benefícios à saúde, desde controle de diabetes e hipertensão, até emagrecimento e redução do risco de certos tipos de câncer. Não é por acaso que empresas com um passivo complicado de imagem nesse novo cenário estão investindo em lácteos; a Coca-Cola adquiriu a Bravo Foods, nos EUA, e tem lançado produtos que contém leite; a Pepsi, através da parceria com a Starbucks, lançou há alguns anos o Frappuccino; o McDonald's e a Wendy's incluíram leite nos seus cardápios.
A suposição relaciona-se a grande divulgação que a notícia favorável ao leite teve. Diversos sites e jornais a reproduziram, sugerindo que, talvez, em uma época em que tudo faz mal, não deixa de ser uma ótima notícia o leite, um dos alimentos mais nutritivos e acima de qualquer suspeita, fazer bem à saúde. Seria como um porto seguro nessa tormenta que se tornou a alimentação, às vezes com exagerando na preocupação com saúde e boa forma.
Nesse ambiente competitivo, marcado por uma população cada vez mais preocupada com saúde e por uma mídia em tempo real e de enorme abrangência, é fundamental o setor se posicionar, a começar por uma assessoria de imprensa atuante e que possa levar à mídia os inúmeros resultados de pesquisa favoráveis sobre lácteos que são publicados em veículos especializados a cada ano, bem como preparar o contraponto em situações nas quais pontos polêmicos sejam apresentados, como foi o caso do Mais Você.
Craig Plymesser, vice-presidente da DMI, entidade que faz o marketing institucional de lácteos nos EUA, onde aliás esse novo contexto já é realidade há muito mais tempo, me disse certa vez que nenhum grande veículo faz uma matéria polêmica sobre lácteos sem que a DMI e seu corpo de nutricionistas e médicos sejam consultados. Faz sentido pensarmos em seguir a mesma linha, caso seja nosso objetivo preservar nosso mercado. A mais recente iniciativa da Láctea Brasil, refletida na contratação de uma assessoria de imprensa focada na divulgação dos benefícios dos lácteos, está alinhada a essa realidade.
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1 Uma leitura muito interessante sobre esse tema se encontra no livro "O Valor do Amanhã", recém-lançado pelo economista Eduardo Gianetti da Fonseca.