Os indicativos de mercado nessa primeira quinzena de novembro sugerem uma conjuntura pouco favorável para o mercado de leite nos próximos dois meses. De um lado, trata-se de uma época em que o consumo interno patina, fruto de férias escolares. Por outro lado, é um período em que, historicamente, há aumento da produção de leite, ainda que esse aumento não seja mais tão consistente como no passado, em função da elevação da produção na entressafra.
A média dos últimos quatro anos indica 10% de aumento sobre o terceiro trimestre que, por sua vez, tem crescido 6,2% sobre o segundo trimestre. Se isso ocorrer, o Brasil terá produzido em 2005 nada menos do que 16,4 bilhões de litros inspecionados em 2005, quase 2 bilhões a mais do que no ano passado. Mesmo que parte deste aumento seja leite formalizado, dados os preços mais elevados do primeiro semestre, e que não cheguemos a esse montante estatístico, ficando em algo próximo a 16 bilhões de litros, é ainda assim bastante leite. Em 2000, primeiro ano de MilkPoint, a produção formal foi 12,1 bilhões.
Para complicar o cenário momentaneamente, as exportações não mantiveram em novembro o fôlego de outubro. Segundo dados divulgados pelo MDIC, o valor exportado de US$ 7,8 milhões foi 38,5% menor do que em novembro de 2004 e 48% menor do que outubro deste ano. Há indicações de que a greve dos fiscais agropecuários teve efeito nisso, resultando em maior disponibilidade de leite no mercado interno. Surpreendentemente são as importações de US$ 7,6 milhões em novembro, que merecem depois uma análise mais detalhada, o que prometemos fazer. É certo que o câmbio desfavorável contribuiu, mas os preços atuais de leite deveriam desencorajar a entrada de lácteos.
A contrapartida desse cenário é o fato das exportações, por sua vez, terem tendência de aumento nos meses que se seguem, como vem acontecendo nos últimos anos. Em dezembro de 2004 e janeiro deste ano, foram exportados US$ 25 milhões, valores que podem ser até aumentados em função de exportações represadas pela greve dos fiscais, além da disponibilidade de leite.
Segundo informações que obtivemos, um grande laticínio já sinalizou estabilidade de preços para janeiro, o que em si já é um bom sinal. Agora, daí a reverter o mercado, com elevação de preços, são outros quinhentos. Segundo enquete realizada pelo MilkPoint com 191 participantes, 35% acreditam que o mercado só melhorará de março em diante, ao passo que 37% não têm previsão (ou não querem arriscar palpite, ou acham que a crise de preços vai longe ainda).
Quanto mais longe no tempo, mais difícil prever, mesmo porque uma variável que se mostrou muito relevante neste ano, o câmbio, apresenta grande incerteza. Há quem fale em câmbio de R$ 2,40-R$ 2,50 ao final do primeiro trimestre, assim como houve quem falou em R$ 2,70 ao final de 2005... A produção também é uma incógnita importante. É certo que preços baixos desestimulam a produção. As questões são quando e quanto. Elas dependem de vários fatores, entre eles o comprometimento com a atividade, a necessidade de aumentar escala para fazer frente a margens menores e da existência de usos alternativos da terra e da mão-de-obra que possam apresentar melhor custo de oportunidade.
Com a pecuária de corte envolta em crise e agricultura idem, o leite pode ser ainda uma alternativa viável, ou aparentemente viável, para muitos produtores, retardando a queda na oferta. Os dados do IBGE a respeito da produção de leite em 2004, divulgados agora, ilustram bem o efeito de outras alternativas, sendo Goiás o caso mais emblemático. A despeito de ter hoje um preço compatível com MG e SP e boa competição na compra de leite, GO teve estagnação na produção, enquanto o país cresceu 5,5%. A agricultura foi bem mais rentável no ano passado.
O crescimento da produção nas fronteiras agrícolas é um exemplo vivo dessa realidade. Em maio, estive na região norte do Mato Grosso e o preço médio recebido era de R$ 0,32 por litro. Na mesma época, o produtor das regiões mais ao Sul recebia algo em torno de R$ 0,55-0,60 por litro, isto é, quase o dobro. Os produtores do MT não estavam satisfeitos com o preço recebido, mas cabe aqui apontar dois detalhes: o primeiro, tinham R$ 0,40 por litro como o preço remunerador, e o segundo é que mesmo com preços muito mais baixos do que nas regiões tradicionais, a produção de leite vem subindo. Segundo o IBGE, MT, por exemplo, cresceu 12,1% em 2004.
Esse crescimento das regiões de fronteira tem sido bastante explorado e, recentemente, foi muito bem ilustrado pelo professor Laranja em debate no Congresso Internacional do Leite e em entrevista ao MilkPoint (clique aqui para ler).
O crescimento nas fronteiras está relacionado a questões mercadológicas, como a consolidação do leite UHT e a importância dos queijos como destino do leite captado (juntos, perfazem mais de 50% do leite total), a incentivos fiscais, a questões sócio-econômicas e culturais e aos custos de oportunidade da terra e do trabalho. Nessas regiões, muitas delas caracterizadas por pequenas propriedades oriundas de projetos de colonização privada e assentamentos da reforma agrária, o leite surge como uma alternativa viável, se não a única, de geração de renda e ocupação, tanto que até órgãos improváveis como o Ministério do Meio Ambiente estão fomentando a intensificação da produção de leite como maneira de fixar o produtor a terra, com efeitos benéficos à preservação ambiental.
Um ponto importante é que não necessariamente o produtor destas regiões esteja remunerando sua atividade como um empresário faz - aliás, é certeza que não. Custos que não envolvem desembolsos diretos, como depreciação de máquinas e instalações (se houver), remuneração do produtor e custo de oportunidade da terra, não são considerados nas contas, mas o que isso muda? O fato é que, pela falta de opção, esses produtores vão se mantendo, aumenta a oferta de leite e a atividade cresce nessas regiões. No longo prazo, pode não se sustentar dessa forma, mas até lá, esse crescimento pode dar o tom do aumento da produção no Brasil, como ocorre por exemplo na região Sul, aliás a que mais cresceu no Brasil em 2004, em valores absolutos.
Esta realidade é oposta a que se verifica em São Paulo, estado que nos últimos 14 anos, teve queda de produção em nada menos do que oito. Em São Paulo, as bacias tradicionais perderam importância na produção de leite, uma vez que se viram, ao cabo de 10 anos, sem a reserva implícita de mercado ocasionada pelo leite fluido e pela fraca infra-estrutura nas ditas regiões de fronteira. Isso, especula-se, aliado à valorização de áreas próximas as cidades, à existência de outras alternativas mais rentáveis para a terra e trabalho e uma falta de mobilização de produtores, ao contrário do que existe em outros estados, resultou na queda de participação absoluta e relativa do estado na produção de leite.
Com o leite de SP migrando para o oeste do estado, a ameaça agora é a cana-de-açúcar, que deve mais uma vez pressionar a atividade. Acredito que qualquer análise de competitividade do estado de São Paulo deve passar pelo exame minucioso de algumas variáveis, como o regime tributário de SP e outros estados, que pode ser uma fonte de distorções comerciais; pelo custo de produção de leite, separando em custo-caixa (desembolso efetivo) e custos-não-caixa, visando identificar não só variações no custo de produção, mas em seus componentes, que podem dar pistas sobre a capacidade de sobrevivência no curto, médio e longo prazos; pela existência de atividades mais rentáveis e por variáveis culturais e sócio-econômicas. Só assim será possível mapear a situação em SP e propor uma estratégia de ação que tenha boas chances de sucesso.