No entanto, inexistiam estudos atuais que sugerissem que esse seria um caminho efetivo para que o consumo aumentasse, tornando os investimentos em propaganda em teoria mais arriscados, uma vez que não há um embasamento mercadológico para estas ações que, via de regra, demandam recursos significativos. Desta maneira, a realização de estudos prévios que avalizassem a necessidade de uma campanha se fazia fundamental inclusive para justificar o engajamento dos possíveis financiadores, notadamente as indústrias do setor e, eventualmente, produtores.
Ainda, caso se decidisse pela propaganda de massa para fomentar o consumo de lácteos, igualmente inexistiam estudos que orientassem o setor a respeito do posicionamento mais adequado. Afinal, qual deveria ser a mensagem que para que se tivesse maior efetividade na propaganda?
A resposta para essa pergunta está na raiz do trabalho proposto pela Láctea Brasil e realizado pelas empresas AgriPoint Consultoria, BrandWorks, Nominal e A Ponte. Através de 2 pesquisas qualitativas e da coleta e análise de uma série de informações relativas ao tema, procurou-se responder às seguintes perguntas interrelacionadas:
1.Qual é a percepção atual do leite e lácteos na dieta do brasileiro?
2.Qual deve ser o possível posicionamento do leite caso haja indícios suficientes sugerindo que a realização de uma campanha de esclarecimento/fomento ao consumo tenha boas chances de sucesso?
A necessidade de se responder às questões acima colocadas, antes de se decidir pelo investimento maciço em propaganda, é ampliada pela constatação de que o mercado brasileiro passa por grandes transformações, com a incorporação crescente de uma massa de novos consumidores (os chamados "consumidores emergentes") que, nas décadas anteriores, encontravam-se em sua maioria alijados do mercado de consumo. Os dados do gráfico 1 mostram que, nos últimos anos, grande contingente de pessoas ingressou na Classe C, a classe média brasileira, que passou a concentrar a maior parte da população do país.
Essa movimentação nas classes sociais ocorrida principalmente nos últimos 4 anos foi acompanhada por um aumento na renda familiar disponível (tabela 1) e A Classe C, de 2005 a 2008, teve sua renda disponível para consumo aumentada em 74%.
Tabela 1. Evolução da renda familiar mensal disponível nas classes sociais - em R$ (Fonte: Pesquisa Cetelem Ipsos).
Em um momento de significativas transformações nos padrões de consumo, seja pelo aumento do número de opções de produtos, seja pela globalização e consequentemente uniformização de tendências, seja pela incorporação de novas variáveis que definem a equação de consumo, como a preocupação com as questões ambientais e a estética, entre muitas outras, é fundamental compreender os hábitos de consumo desse novo consumidor, que ganha importância como mercado. Como, afinal, se comporta esse novo consumidor em relação ao leite e derivados?
A resposta a essa questão procurou ser respondida através de duas pesquisas qualitativas com foco principal, mas não exclusivo, nas classes B e C. As pesquisas envolveram visitas etnográficas (às residências), com registro fotográfico e filmagem de geladeiras, despensas e momentos como o café da manhã durante a semana e no final de semana. Foram feitas também entrevistas com profissionais de saúde, assim como entrevistas em tríades, todas com mulheres de diferentes faixas etárias, estruturas familiares e renda. Todo o material foi filmado para análise posterior. O trabalho foi amparado também por simulação de compra e um desk research prévio. Toda a pesquisa foi feita na cidade de São Paulo, em setembro e outubro de 2009.
Resultados
O consumo de bebidas é caracterizado pelo mesmo dinamismo verificado em outros segmentos do setor de alimentos. O consumidor anseia pelo novo, espera que a indústria traga novidades constantemente. A maior acessibilidade, graças ao aumento do poder de consumo da população, ao lado da multiplicidade frenética de opções oferecidas pela indústria, tornaram o consumidor - no passado recente - um experimentador ávido de novidades.
Essa associação entre "estar in" e consumir o que há de mais novo é, na verdade, uma característica da nossa sociedade de hoje, em que quase tudo é descartável e transitório.
Nesse processo de consumo constante de novidades, a indústria de bebidas lançou, nos últimos 10 anos, uma série de produtos como sucos prontos para beber, chás, bebidas de soja e águas flavorizadas, entre outros, que competem pelo mesmo "stomach share" do leite. Cada lançamento é acompanhado de informações visando seu posicionamento em um dos seguintes pilares (ou mais de um): saúde, prazer, estética e naturalidade. De forma geral, o consumidor não abre mão da conveniência e da praticidade, ainda que estas definições variem de pessoa para pessoa.
O quadro abaixo resume os atributos associados aos principais territórios:
O emblema do prazer é sem dúvida a Coca-Cola, enquanto o emblema da saúde é o suco de frutas feito na hora. Pode-se dizer que existe uma tensão constante entre a Saúde e o Prazer, especialmente à medida que se busca uma dieta mais saudável. Como conciliar esta tensão?
Algumas bebidas, como sucos prontos, chás e bebidas de soja, procuram se posicionar tanto no território da saúde como no território do prazer, de forma a reduzir essa tensão, aumentando o mercado potencial. Esse aspecto será importante mais adiante, ao comentarmos o atual posicionamento do leite.
No caso das bebidas de soja, diretamente associadas à marca ADES, há a percepção de que fazem bem à saúde pelos seguintes aspectos: auxiliam na menopausa (aspecto importante considerando que a decisão de compra é feita pela mulher), protegem contra a osteoporose (idem), previnem doenças das células e fortalecem defesas do organismo em qualquer sexo ou idade. Isso mostra que, apesar de ser um mercado ainda pequeno quando comparado ao do leite, o posicionamento está sendo bem feito e, de uma forma ou de outra, a informação está chegando ao consumidor.
A diferença entre Saúde e Prazer invalida comparações frequentemente feitas dentro do próprio setor, de que o leite custa menos do que um refrigerante, por exemplo, e de que a propaganda resolveria isso. O consumidor busca suprir necessidades diferentes ao consumir produtos posicionados em cada uma destas categorias. Ao se fazer este tipo de comparação, considera-se apenas as vantagens do leite como alimento em relação aos refrigerantes. Mas e a comparação inversa? Quanto "mais prazer" o refrigerante proporciona? E isso é muito relevante em uma sociedade hedonista como a nossa. Não somos maximizadores de nutrientes ao definir nossas opções de consumo.
A imagem do leite junto ao consumidor
De forma resumida, o leite é visto como um alimento essencial nas dietas, sendo consumido basicamente pela sua importância como alimento, transitando no território da saúde.
Bebe-se leite por necessidade e não por prazer. De fato, ao questionados sobre o que mudariam no leite, a mensagem mais prevalente entre os consumidores foi de que tornariam o produto "mais gostoso", além de mudar o cheiro, numa clara referência à busca por mais prazer ao se consumir o leite. Em resumo, gostariam que o leite fosse mais do que apenas um alimento funcional.
Isso não significa que os consumidores não gostem do leite; a questão é que o principal direcionador do consumo é a necessidade de nutrientes e não o prazer. De certa forma, o consumo de leite assemelha-se ao pagamento de um tributo após o qual o consumidor pode dar vazão ao seu prazer, consumindo outras bebidas mais atraentes.
Vale dizer que o consumo de água também se encaixa nesse perfil. Nesse sentido, as águas flavorizadas são uma tentativa da indústria de posicionar o produto no território do prazer, assim como ocorre com os sucos e bebidas de soja.
Essa percepção de alimento essencial é acompanhada pela associação espontânea com diversos benefícios à saúde, como prevenção de osteoporose, estímulo ao crescimento, nutrição de proteínas, minerais e vitaminas, o primeiro alimento, etc.
A boa imagem do leite e sua associação com a questão materna é, ao mesmo tempo, uma força e uma fraqueza do produto. Força, porque o consumidor coloca o leite entre as bebidas mais saudáveis; fraqueza, porque campanhas dizendo que o leite faz bem dificilmente resultariam em elevação significativa de consumo: o consumidor já sabe disso, e se não consome mais, é por outros motivos.
Substitutos
Apesar da imagem favorável do leite, o consumidor começa a receber algum tipo de ruído. Já ouviu dizer aqui e ali que leite pode ser prejudicial à saúde em determinadas situações, embora não tenha clareza a respeito disso. Também, começa a considerar a possibilidade de outros alimentos substituírem o leite, como os próprios derivados (o que não é ruim para o setor), mas também bebidas de soja.
Isso sugere a necessidade de municiar o consumidor e os formadores de opinião com informações constantes a respeito do valor e da unicidade do leite.
Em relação aos lácteos substituindo o leite, de acordo com a percepção dos consumidores, quando mais próximos do leite, maior é o efeito substitutivo. Assim, queijo branco, requeijão, bebidas lácteas e iogurtes seriam os principais substitutos. Em um segundo momento, queijos amarelos, manteiga e mesmo margarina foram apontados.
Aqui, aparece a percepção de que lácteos como queijos e iogurtes são tidos como "prêmio": são maravilhosos, deliciosos (entra a variável prazer), mas é possível passar sem eles caso a situação financeira não permita o consumo. Nesse caso, restringe-se à compra do leite, esse sim essencial.
Conclusões e sugestões para atuação
O estudo foi extremamente oportuno ao permitir que se conhecesse a percepção do consumidor - em especial do emergente - em relação ao leite e lácteos, cumprindo com o objetivo de embasar ações de comunicação e propaganda. É importante notar que o foco principal foi o leite e que nem todas as conclusões obtidas para esse produto podem ser transportadas para o queijo e iogurtes, por exemplo.
De início, é interessante sintetizar o posicionamento do leite junto ao consumidor, do qual será possível extrair as recomendações para atuação. Como visto, o consumo de leite não pertence ao território do Prazer, sendo claramente posicionado no território da Saúde, como mostra a figura abaixo:
Mesmo no território da Saúde, o leite não está sozinho, como pode ser visto no quadro abaixo. Esses dois quadros sinalizam uma situação potencialmente delicada para o produto. De certa forma, o leite não evoluiu, como produto, da forma que deveria evoluir para satisfazer um consumidor mais exigente, que está disposto a consumir todo tipo de bebida para a qual encontrar função, mas que atenda às suas necessidades e expectativas.
A percepção de saudabilidade das bebidas não alcoólicas
Por outro lado, pode-se dizer que a imagem do leite é positiva dentro do território da Saúde. Não há grandes ruídos em relação ao alimento, ao menos ainda (no universo estudado). Ademais, o consumidor em geral sabe, de fato ou intuitivamente, que o leite faz bem.
Em função disso, torna-se duvidoso que uma campanha estimulando o consumo surja o efeito esperado: de um lado, o consumidor sabe que o produto é saudável (assim como sabe que fumar mais mal, beber em excesso idem, etc., mas nem sempre traduz esse conhecimento em atos); de outro, não vê, no produto, atrativos para elevar seu consumo. Não é "In", ou "Sexy", beber leite. É quase como tomar um remédio; foca-se na saúde, mas não se extrai nenhum prazer.
É uma posição delicada para o leite uma vez que os substitutos corretamente focam a saúde - muitas vezes incorporando atributos do leite, como cálcio, vitaminas e até mesmo o nome - porém associados ao prazer. É a resolução da tensão entre o que faz bem e o que dá prazer, já mencionada antes.
Dentro dessa constatação, conclui-se que o primeiro aspecto fundamental a se trabalhar no setor é a Inovação. Considerando as tendências de consumo e os diferentes nichos, que produtos contendo leite podem ser produzidos de forma a satisfazer um maior número de consumidores, principalmente adolescentes e adultos jovens?
Não por acaso, a atuação em inovação tem sido o foco atual da Dairy Management Inc., entidade norte-americana bancada pelos produtores de leite e responsável pela famosa e bem sucedida campanha "Got Milk?". Após décadas no ar, a DMI retirou a campanha e está direcionando toda sua verba para as seguintes áreas: desenvolvimento de produtos e licenciamento destes para empresas; e inteligência de mercado, incluindo análises do comportamento de compra junto ao ponto de venda.
Na visão da DMI, não é mais necessário ou suficiente dizer que o leite faz bem; isso, em geral, o consumidor já sabe. A questão é que ele não encontra os produtos que deseja. Pode-se argumentar que a realidade o Brasil é diferente; no entanto, mesmo sem o histórico de propaganda que os Estados Unidos têm, constatamos que a imagem do leite já é favorável junto a maioria dos consumidores.
Transportando esse contexto para a realidade nacional, levando em conta os atuais entraves e dificuldades que o setor tem verificado no que se refere ao registro de novos produtos e rotulagem, muitas vezes inibindo a inovação dentro do setor, fica evidente a necessidade de articulação para que esse prejuízo seja minimizado. De acordo com o estudo, dessa articulação depende uma variável muito relevante para a ampliação do mercado.
O trabalho identificou também a necessidade de Informação, seja do consumidor, seja de formadores de opinião, como médicos e nutricionistas, seja de legisladores e, finalmente, da própria mídia, que também forma - e muito - opinião.
Cada vez mais o consumidor deseja saber o que consome. Afinal, de certa maneira você é aquilo que consome: seus hábitos, seus valores, suas tribos, são expressas no seu padrão de consumo.
Nesse sentido, se o setor conseguir canalizar os esforços de informação, com credibilidade e frequência, certamente encontrará eco na imprensa e no grande público. Ainda que a imagem seja positiva e as informações a respeito do leite sejam em geral favoráveis, há ruídos no horizonte; há produtos concorrentes; há mitos e crenças equivocados; há correntes, principalmente nas classes mais abastadas e que servem de modelo para as demais, advogando contra o leite e os lácteos.
Assim, é fundamental, além de buscar o desenvolvimento de produtos que posicionem o leite na categoria do Prazer (e da Estética), defender o alimento eu seu próprio território.
Faz-se necessário, enfim, um trabalho consistente de Relações Públicas, que pode envolver os seguintes pontos:
- assessoria de imprensa com trânsito nos grandes veículos
- preparação de porta-vozes que falarão em nome do setor
- realização de reuniões com a imprensa para falar sobre mercado de leite e lácteos
- apresentação de dados de mercado e pesquisas em coletivas de imprensa promovidas pela Láctea regularmente
- ações promocionais no ponto de venda (ex: criação do mês do leite, como por exemplo em dezembro ou janeiro, meses de vendas mais baixas e produção em alta)
- desenvolvimento de estudos científicos que possam ser apresentados em congressos científicos
- reunião de estudos científicos realizados no mundo, a respeito de leite e lácteos, e divulgação junto aos profissionais de saúde e mídia
- identificação de pesquisadores que atuam com lácteos e desenvolvimento de porta-vozes no meio científico
Eventualmente, pode-se fazer campanhas com testemunhais de comunicadores populares em rádio e televisão, incluindo merchandising, desde que apoiadas por uma atuação constante de RP, conforme acima explicado.
Considerando ainda o interesse do consumidor em se informar, a importância estratégica do jovem como mercado-alvo e o crescimento da internet como mídia, torna-se fundamental utilizar o canal eletrônico para esclarecer sobre e posicionar os lácteos.
Resta, então, comentar sobre o terceiro pilar do trabalho com o marketing de lácteos: a Comunicação.
É interessante que o que motivou a realização deste estudo foi justamente a Comunicação, visando munir o setor com informações para uma possível campanha de mídia. No entanto, pelo que foi avaliado no estudo, dos três pilares - Inovação, Informação e Comunicação, este último seria o menos prioritário no momento, uma vez que o consumidor conhece os benefícios do consumo do produto leite. Nenhuma propaganda, por melhor que seja, fará com que o consumidor compre aquilo que ele não deseja comprar. E, pelo estudo, o aumento do consumo esbarra nesse ponto.
Isso não quer dizer que campanhas pontuais não tragam resultado. Podem ser realizadas em momentos específicos, visando, por exemplo, o consumo de excedentes de produção. Mas, para manter efetividade, acredita-se que é necessário:
- manter constantemente a mensagem na mídia, o que demanda recursos significativos
- não prescindir do desenvolvimento de novos produtos
- apoiar as campanhas de mídia com um forte serviço de informação, mais característico de Relações Públicas do que de Propaganda
Em resumo, a atuação da Láctea Brasil pode se basear nos seguintes itens:
Acreditamos que essa proposta pode resultar em amplos benefícios de longo prazo, sem que seja necessário dispender, ao menos em um primeiro momento, dos recursos normalmente necessários para campanhas de massa.
Esse trabalho só foi viabilizado pela participação das empresas que contribuíram para sua realização: Aurora, Bela Vista, Centroleite, DPA, Embaré, Itambé e Nestlé, bem como das empresas associadas a Láctea Brasil.