Em 1994, a produção Argentina era de 7,8 bilhões de litros anuais, cerca de 50% da brasileira. Em 2002, caiu para 40%. O que se viu, a partir do ano 2000, foi uma queda sem precedentes. Após atingir 10,3 bilhões de litros de leite, a produção só se faz cair, e em níveis substanciais. Nesse ano, a queda em relação ao ano passado está em 15,8%, gerando estimativas de produção total de menos de 8 bilhões de litros (veja tabela abaixo e gráfico ao final do texto). De 1997 a 2002, a produção caiu 10%.
Retração da economia, perda de poder aquisitivo da população, falta de competitividade em função da paridade do peso com o dólar, problemas climáticos e, mais recentemente, a dura competição do leite com a rentável produção agrícola, com destaque para a soja, explicam, cada um com sua contribuição, a situação a que se chegou a produção argentina. Hoje, há empresas argentinas buscando leite no Uruguai, tal a escassez do produto.
Os projetos de exportação também foram afetados. A desvalorização do real, feita anos antes da do peso, aliada às medidas anti-dumping, colocando um preço mínimo nas exportações de leite em pó, tornaram o Brasil gradativamente desinteressante como mercado-alvo das exportações do país. A perda repentina deste mercado (a estagnação do consumo per capita no Brasil, limitando o crescimento do mercado, também contribuiu para isso) complicou ainda mais a situação da produção de leite do país vizinho.
Para se ter uma idéia do impacto disso, o Brasil, destino de cerca de 74% das exportações argentinas em 1994, em 2002 representou apenas 41%. Em valores, as vendas para outros países subiram de US$ 34,4 milhões, em 1994, para US$ 75 milhões em 2002. Para 2003, a situação até maio é ainda mais emblemática: o Brasil importou apenas US$ 18 milhões do país vizinho, frente ao total de US$ 100 milhões exportados.
A situação é clara: a Argentina não tem leite, o Brasil está menos deficitário, tanto é que as nossas importações vêm caindo em 2003.
Mas o que esperar para frente?
Embora a competição com a soja seja uma realidade na Argentina, segundo informações obtidas de produtores locais, a escassez pronunciada finalmente resultou em uma situação de preço/custo de produção favorável. Com custo de US$ 0,11-0,13/litro e preço na faixa de US$ 0,15-0,18/litro, o leite voltou a ser um bom negócio no país. A recuperação, porém, deve ser lenta, pois houve abate intenso de matrizes e muitas fazendas saíram da atividade. A média por vaca caiu. Mas a recuperação deverá vir, caso a situação assim se mantenha por um bom tempo. E há quem diga que a situação de mercado da soja não durará tanto assim.
No início do ano que vem, serão discutidos novamente os acordos anti-dumping, que tiveram grande impacto no rumo das exportações argentinas. Evidentemente, a Argentina hoje depende menos do Brasil, expandiu sua atuação internacional e, em contrapartida, nossa produção cresceu desde então. Por outro lado, hoje peso e real estão em patamares semelhantes e com certeza laticínios e produtores argentinos não devem ter esquecido o período em que o país era mercado certo para seus produtos. E deve também haver expectativa com o nosso "Hambre Zero", elevando o consumo de lácteos em taxas acima do crescimento da produção.
A Argentina, desde meados de 2001, está fora dos noticiários lácteos do Brasil, dada a perda de importância e de influência em nosso mercado. Porém, em maior ou menor tempo, podemos esperar que as negociações com nossos vizinhos voltem a ser um tema (e quente) de discussão no setor.