Em início de maio, começou a operar, no sudeste dos Estados Unidos, a Southern Marketing Agency (SMA). O que vem a ser isso ?
É uma coalização de cooperativas, visando otimizar a comercialização de leite. As cooperativas que fazem parte da SMA têm como característica a captação e posterior venda de leite para outros laticínios, embora possam desenvolver também o processamento de leite e lácteos com marca própria. Fazem parte da SMA as seguintes cooperativas: Arkansas Dairy Co-op, Dairy Farmers of America, Lone Star Milk, Maryland & Virginia, and Southeast Milk, Inc. Não é a primeira instituição deste tipo nos EUA. Já existem outras, como a CMPC - Central Milk Producers Cooperative, nas proximidades de Chicago, a Texas-New Mexico Milk Marketing Agency e a Midwest Milk Marketing Agency. Porém, a SMA será a maior aliança do gênero nos EUA. Serão 5000 propriedades suprindo quase 450 milhões de litros mensais. Isso dá nada menos do que 5,4 bilhões de litros anuais, ou cerca 25% da produção brasileira.
(o leitor atento poderá questionar que a Dairy Farmers of America, sozinha, produz mais do que isso. Porém, vale esclarecer que tal coalização vale apenas para as fábricas da cooperativa presentes no sudeste do país.)
E como funcionará a SMA ?
Ela reunirá o leite de todas essas cooperativas ao negociar com processadores, como Suiza Foods, Kraft Foods, etc, em um sistema de "pool" para fornecimento de leite fluido.
O principal objetivo não é aumentar o poder de barganha na negociação, embora esse possa ser um benefício inerente ao processo de aumento de escala. A grande vantagem é a otimização do fornecimento e a diminuição do processo de canibalização e competição entre as cooperativas. Para ilustrar esse conceito, vale a pena inicialmente situar a realidade do sudeste dos EUA, muito parecida, aliás, com a realidade de todos os países que adotam o livre mercado de leite (como o Brasil), ou algo próximo a ele.
O processo de consolidação no varejo e na própria indústria também tem ocorrido de forma acelerada nos EUA. São cada vez menos empresas, cada vez mais fortes. As opções para comercialização de leite ficam mais restritas a cada ano que passa. A figura abaixo mostra, no sudeste dos EUA, as novas fábricas de leite, bem como as fábricas que fecharam as portas de 1996 para 2002. Percebe-se que, enquanto apenas 5 novas unidades foram abertas, 19 fecharam. Isso em apenas 6 anos.
São menos compradores, cobrindo uma área geográfica maior. Obviamente, o poder de barganha aumenta. Esses compradores preferem adquirir volumes grandes de leite, se possível todo o volume em um só contrato. Como resultado, uma cooperativa que precisa fornecer para um grande cliente, se vê em situação complicada: ou necessita captar leite em regiões mais distantes de suas fábricas, elevando custos (no caso de falta de leite na região), ou precisa vender leite para clientes cada vez mais distantes, visto que são poucos os compradores regionais. Essa situação, evidentemente, gera grande competitividade entre as cooperativas, para satisfação dos seus (grandes) clientes. Não raro, há cooptação de membros de uma cooperativa, por outra. Em outras ocasiões, reduzem drasticamente o preço para manterem as vendas. Quem sofre é, em última análise, o produtor de leite.
O sudeste dos EUA apresenta ainda características de grande variabilidade de produção em um mesmo estado. A diferença chega a ser de 50% entre o mês de pico e o pior mês de entressafra. Logicamente, isso agrava a situação descrita acima. É fundamental que o excesso seja escoado e que a falta de leite seja suprida, para que determinada cooperativa regional se mantenha no mercado. Como postura conservadora, as cooperativas têm optado por fazer contratos com volumes menores, para evitar que, em momentos de falta de leite, tenham de adquirir leite "spot", que pode vir a ser muito caro. Logo, nos meses de excesso, sobra leite.
Tem-se então uma situação em que várias cooperativas localizadas em uma mesma região padecem do mesmo mal, porém não na mesma época ou na mesma intensidade. Cada uma tem que resolver seus problemas de forma individualizada. Aspectos políticos e de natureza pessoal (egos inflados, por exemplo), evitaram, até então, que se buscasse um caminho mais lógico para a situação.
(qualquer semelhança com a realidade de várias regiões brasileiras pode não ser mera coincidência !).
Finalmente agora, em 2002, as 5 cooperativas se reuniram para avaliar quais as possibilidades existentes para elevar o preço pago aos produtores de leite. Concluiram que, dentro do modelo atual descrito acima, não seria possível elevar o preço pago ao produtor. Estavam trabalhando no limite. Se os preços ao produtor subissem, teriam de ofertar leite mais caro ao mercado e, com isso, os grandes compradores iriam buscar leite em outras regiões. Resultado: se não era possível elevar o preço, a solução seria aumentar a eficiência na comercialização.
A única forma encontrada era reunir todo esse volume de leite e comercializá-lo através de um único canal, diminuindo as imperfeições do modelo atual. Haverá economia em várias frentes. Ficará muito mais fácil suprir um contrato, pois o volume de leite e as opções para fornecimento serão maiores dentro do "pool". Será feito um balanço não só estacional, mas também semanal e até diário entre as cooperativas. Como nem todos os clientes estarão com falta ou excesso de leite ao mesmo tempo, o custo pode ser reduzido ao se buscar leite internamente primeiro, ao invés de adquirir fora da região ou, no caso de excesso, ter de transportar leite a grandes distâncias.
Todos os produtores e cooperativas terão as mesmas condições, pois todos os custos e receitas serão reunidas no "pool". Porém, as cooperativas manterão suas independências financeiras e administrativas.
Não se espera milagres. Mas, como escreveu Bill Thomas, economista especializado em leite da University of Georgia: "os produtores e suas cooperativas podem continuar como estão, perdendo de vagar o espaço no mercado e quebrar. Outra possibilidade é se unir e procurar uma solução melhor. No caso da SMA, parece que o bom senso venceu o orgulho e o ego".
Muitos podem argumentar que, por aqui, soluções como esta já existem e os resultados nem sempre foram estimulantes. A própria CENTROLEITE, de Goiás, reúne leite de várias cooperativas para comercialização no mercado spot, e o que se constata é que seria muito melhor se a cooperativa tivesse fábrica própria, evitando os percalços da comercialização "virtual", como se costumou dizer no Brasil.
Há algumas diferenças importantes. Primeiro, o volume da SMA é muito significativo, representando grande parte do leite consumido na região sudeste do EUA. São 5 bilhões de litros anuais, o que faz alguma diferença. Segundo, cooperativas como a DFA, de abrangência nacional, estão presentes na união. A DFA não apenas comercializa leite, mas possui dezenas de unidades próprias e é altamente verticalizada. A comercialização de matéria prima para outros laticínios é mais uma dessas atividades da cooperativa. Talvez seja por isso que os produtores da região sudeste estejam tão esperançosos pela criação da SMA.