O cenário envolvendo o caso Parmalat parece entrar em fase mais favorável, especialmente a partir do final da semana passada. Primeiro, os interventores nomeados pela Justiça, informaram que a empresa operacional (o braço que capta leite e industrializa os lácteos) é viável. Segundo, a dívida desta empresa é de US$ 160 milhões, alta, mas bem inferior do que a totalidade da dívida do grupo no Brasil, estimada em US$ 1,80 bilhão. Terceiro, os demais bancos credores sinalizam no sentido de amparar a empresa mais uma vez, até porque, na hipótese de quebra, dificilmente receberiam de volta o capital investido.
A exceção é o Banco do Brasil, que não está liberando o dinheiro para pagamento dos produtores e é visto pelo mercado como o menos amistoso, ao lado do Sumitomo. Segundo notícias, o BB teme que o dinheiro não vá para os produtores, mas tome outros rumos. Pode até proceder, mas gera certo mal estar que, em meio ao envolvimento de associações de produtores e órgãos governamentais visando solucionar o problema o mais rápido possível, o BB não coopere e não se manifeste de forma clara sobre o porque desta postura.
De qualquer forma, o cenário sugere que a Parmalat poderá encontrar um caminho mais favorável, embora tudo ainda possa ocorrer, visto que as notícias acerca do tema são diárias e podem trazer mudanças repentinas de curso.
Do lado do mercado de leite, parece que já se atingiu o fundo do poço. Em São Paulo, há alguma sinalização de retomada de preços ao produtor. O leite spot já apresenta sinais de melhora e não se fala mais em valores na faixa de R$ 0,30/litro. Hoje, já há ofertas entre R$ 0,42 - R$ 0,45/litro, embora variações possam ocorrer. Para os próximos dias, com a volta às aulas, a tendência é que continue a haver recuperação pela maior demanda, embora a situação deva se normalizar mesmo dentro de 60 dias.
Há quem diga, do lado da indústria, que não há razão para o aumento no preço da matéria-prima, visto que o consumo está estagnado, seguindo o verificado em dezembro, que já havia sido ruim. Os preços no varejo continuam baixos, com longa vida vendido a menos de R$ 0,90/litro, o que comprometeria as margens.
Pelo sim, pelo não, o fato é que alguns laticínios começam a marcar posição mais ativa na captação de leite, um sinal positivo para o produtor, após tantas notícias ruins. Notícia do Estado de S. Paulo (27/01) confirma a reversão do mercado.
Voltando à Parmalat, caso o cenário de recuperação comece a se consolidar, a empresa continua a correr o risco de se desabastecer. Até agora, é plausível afirmar que a empresa não perdeu tanto leite em função do mercado estar bastante ofertado no momento da crise. Sabe-se de produtores que, mesmo recebendo em dia, na falta de comprador seguro, continuaram vendendo à empresa, porém com um olho nas alternativas. Resta saber como estes produtores se comportarão caso os concorrentes da Parmalat estiverem mais receptivos.
Fontes do mercado estimam que a empresa já deve ter perdido um volume próximo de 500 mil litros diários, o que não soa exagero. No RS, estima-se em redução de 30% da produção da empresa. O noticiário da semana passada informa que, somente no Rio de Janeiro, de 150 a 200.000 foram para Danone, DPA e outras empresas menores. Hoje, já se fala em 230.000 litros.
Portanto, no caso de o mercado aquecer, é imperativo que uma solução venha rápido e que a empresa volte a trazer alguma tranquilidade, caso contrário sua situação se complica.
Em enquete com nossos leitores (125 votantes até 27/01), fica evidente que a principal preocupação caso a Parmalat encolha ou, em hipótese mais radical, deixe de operar, é a concentração de mercado. Os resultados são ainda parciais, mas cerca de 62% apontam como sendo esse o principal efeito negativo da crise, bem à frente da perda de uma marca forte, com 18%. Há também número considerável de pessoas que considera não haver efeito algum (20%).
Obs: as pesquisas online do MilkPoint visam apenas conhecer a percepção dos leitores, sem o intuito de quantificar, com precisão estatística, essas opiniões. Clique aqui para votar.
Vale a pena dar algum crédito aos que colocaram como principal conseqüência negativa a perda ou o enfraquecimento de uma marca forte como a Parmalat. Justiça seja feita, a despeito das aventuras na aquisição de dezenas de empresas em seu período megalomaníaco, a Parmalat conseguiu um feito que poucos podem partilhar: o longa vida com grife, suficiente para obter um sobre-preço no mercado, variando de 10 a 20% nos melhores momentos. Que isso não foi suficiente para evitar que se chegasse aonde se chegou, todos sabemos, mas que se trata de um ativo interessante em um mercado altamente concorrencial, é inegável. Por isso, os potenciais efeitos da crise na marca devem ser acompanhados, como mencionamos no último editorial, do dia 12/01(clique aqui).
A Revista Exame, de 15 de janeiro, trouxe matéria sobre essa mesma questão. Para o especialista Marc Gobé, autor do livro A emoção das marcas, as empresas têm a necessidade de formar elos emocionais com os consumidores para se diferenciar da enorme quantidade de produtos à venda no mercado." Isso a Parmalat conseguiu fazer melhor do que ninguém, pela presença constante e original na mídia (quem não se lembra dos mamíferos?). Para ele, a crise da Parmalat "é o pior dos mundos, justamente por se tratar de uma marca de consumo em que o conceito de confiança é muito elevado".
O quanto a marca já está sendo ou será abalada, é difícil e mesmo precipitado dizer. Em notícia de hoje (27/01), no RS, cita-se que o leite Parmalat já é vendido abaixo de outras marcas. O fato é que o eventual enfraquecimento de uma marca forte de lácteos não é bom precedente e não deve interessar a produtor algum, mesmo àqueles que imputam à empresa italiana boa parte das dificuldades verificadas na década passada, marcada pela desestruturação de número considerável de cooperativas.
Apesar do enfraquecimento da marca, concordo mais com os 62% que acreditam que o principal efeito negativo é a concentração de mercado. O fato é que a única empresa em abrangência nacional a fazer frente à DPA, hoje, é a Parmalat, ainda que a agressividade que a tenha caracterizado na década passada já não exista, fruto do processo de reestruturação encabeçado pelo atual presidente, Ricardo Gonçalves. Portanto, a concentração no mercado preocupa e deve fazer parte das conversas não só de produtores e cooperativas, mas também de outras empresas.
As notícias também parecem demonstrar que essa preocupação chegou aos produtores de leite. Também no RS, mercado praticamente dividido entre Elegê, com a maior parte da captação, e Parmalat, o presidente da Associação dos Produtores de Leite de Carazinho diz, sobre a empresa italiana: "acreditamos na recuperação da indústria, única saída para não termos o monopólio na compra do leite no Brasil".
Tudo somado, parece que o mercado começa a digerir a crise e analisar com mais objetividade o saldo que dela pode surgir.