Daqui a pouco menos de 5 meses, supostamente estará vigorando a IN 51, após uma verdadeira "batalha" de quase 10 anos de vários segmentos do setor lácteo, incluindo produtores e indústrias.
No entanto, apesar da proximidade dessa data que deveria ser vitoriosa, surpreendentemente não se escuta quase nada sobre o tema, exceto uma cartilha feita ali, uma reunião feita acolá... muito pouco para um projeto que prevê a análise mensal do leite resfriado das centenas de milhares de produtores de leite e que tem o objetivo de conferir ao país, dentro de alguns anos, um leite de primeiro mundo, condizente com seus recentes e ambiciosos planos de exportação de lácteos.
Analisando mais a fundo a questão, talvez seja o caso de, quem defendeu tanto o projeto, começar a colocar as barbas de molho. Alguns aspectos fundamentais sobre a IN 51 ainda não são conhecidos. Por exemplo, não se sabe exatamente o que ocorrerá com o leite que não estiver nos limites máximos de 1 milhão de unidades formadoras de colônias por mililitro ou de contagem de células somáticas, a partir das análises mensais que serão realizadas: O leite do mês será descartado? O produtor será somente advertido, tendo um tempo para se adequar? Esse tempo, caso exista, será diferente se o problema residir em UFC ou CCS, que tratam obviamente de problemas distintos e de prazo de resolução igualmente distintos? Trata-se, sem dúvida, de uma questão das mais relevantes.
Mas é possível encontrar outros pontos de interrogação na IN 51. Afinal, sequer conhecemos os produtores de leite do Brasil. O tão necessário censo agropecuário, que talvez fosse feito em 2005, 10 anos depois do defasado censo de 95/96, ao que consta, foi novamente adiado. Quem mapeará os produtores de leite em um prazo de 5 meses? O caminho mais lógico seria pelo próprio MAPA, que poderia impor aos laticínios com serviço oficial de inspeção o fornecimento do cadastro dos seus fornecedores, mas nada indica, ainda, que isso será feito nos próximos meses.
As diferenças regionais, afetando questões mercadológicas, devem também ser motivo de discussão. No caso da IN 51 estar mesmo vigorando em julho de 2005 no Centro-Sul, os Estados de outras regiões (ex: Pará e Rondônia) poderão vender seus produtos nos mercados cujos produtores estejam já submetidos aos rigores da nova legislação? Isso poderia ser considerado competição desleal por parte desses produtores ou laticínios?
Outro ponto-chave e inclusive que antecede aos discutidos acima, está na própria alteração do RIISPOA, sem a qual a IN 51 não tem valia. Há especialistas que alertam que a alteração do RIISPOA não é tão simples assim, pois envolveria outros produtos de origem animal. Pelo sim, pelo não, novamente não há indícios claros que isso irá ocorrer.
Ainda, a própria oficialização do PNMQL, incluindo os programas de treinamento e capacitação, anunciada como o próximo passo na última Expomilk (em outubro de 2004), ainda não ocorreu. E já estamos em fevereiro de 2005.
A preocupação aumenta ao se constatar que diversas mudanças recentes de diretorias, inclusive do Secretário de Defesa Agropecuária, têm ocorrido nos quadros do MAPA, que podem, como um processo natural, refletir em atraso nas ações ou mesmo em mudança de concepção em relação a determinados aspectos.
O que tenho visto é a iniciativa privada, principalmente os grandes laticínios, se movimentarem no sentido de adequarem seus fornecedores às normas. Até aí, ótimo. Mas mesmo nesse grupo de empresas, há dúvidas. Tenho recebido telefonemas e e-mails de grandes laticínios simplesmente me perguntando como está a questão da IN 51, se vai ter mesmo... ou seja, há algo errado no processo de comunicação com essas empresas, o que se dirá das centenas de pequenos laticínios por esse Brasil afora, muitos dos quais inclusive vendem o leite captado para as empresas de maior porte.
O problema de comunicação com o mercado existe também em relação aos produtores. Continua a haver a distorção dos conceitos relativos a IN 51 e o pagamento por qualidade. Outro dia li que a IN 51 permitiria o pagamento por qualidade no Brasil.... Uma coisa não tem, a princípio, nada a ver com a outra. Lei é lei, é obrigatório cumprir. Pagamento por qualidade é um estímulo à melhoria da qualidade, com base nos parâmetros de interesse do mercado. Essa confusão, ainda bastante comum, nessas alturas do campeonato, sugere que tem faltado comunicação e esclarecimento. Ao que parece, paramos em setembro de 2002, quando o então ministro Pratini assinou a IN 51 em Nova Petrópolis, RS. De lá para cá, fora o aparelhamento dos laboratórios de qualidade do leite (aliás, um verdadeiro parto distócico), pouco foi feito junto à esfera oficial.
Isso tudo sem entrar no mérito de outras questões espinhosas, como as que envolvem a fiscalização e o combate às fraudes sobre o que, aliás, há tempos nada se fala, o que pode sugerir que estão resolvidos. Convenhamos...
Há algum tempo (final de novembro), fizemos uma enquete junto ao MilkPoint e nada menos do que 82% dos votantes consideraram que o prazo seria factível e a IN 51 seria implantada sem grandes problemas, ou seria implantada ainda que parcialmente. Confesso que tenho certa dificuldade em entender como a lei pode ser implantada parcialmente (Com um período de ajustes? Algumas regiões/produtores teriam prazos maiores?), mas o que me surpreendeu mesmo foi o otimismo ou a boa vontade dos participantes. Será que estou exagerando nessa análise?
Sem dúvida, a capacidade de improvisação do brasileiro não deve ser desprezada, bem como é conhecido o corolário de que o ano começa depois do Carnaval, mas é preciso uma grande dose de otimismo para considerar que, daqui a 5 meses, em um ano de oferta de leite apertada, a ponto de manter os preços estáveis na safra, os itens acima - que certamente não são os únicos - serão equacionados a ponto de não impedir a implantação da IN 51.
Talvez o otimismo e a acomodação em relação ao tema tenham raiz na noção generalizada de que apenas uma pequena porcentagem do leite brasileiro - entre 8 e 15%, se não me engano, de acordo com as análises disponíveis - estaria fora das especificações determinadas pela IN 51. Mas, ainda que os 8 a 15% sejam muito menos do que imaginávamos, o que é muito positivo, é uma quantidade considerável de leite sob a qual não se sabe, ainda, o que será feito a partir de julho de 2005. Claro que esse leite não sumirá pelo ralo, caso contrário teríamos um déficit monumental, que seria coberto por importações imediatas em um primeiro momento.
Face a essas ponderações, a calmaria em torno do tema surpreende e gera a apreensão. A impressão que se tem é que a maior parte dos esforços em torno da normativa foi utilizada para a aprovação, em 2002, como se a missão estivesse enfim cumprida. Ledo engano. Apenas começou.
É possível, ainda, colocar a nave no prumo, mesmo (e desde) que ajustes tenham de ser feitos, com disposição, recursos e foco para tal. Caso contrário, a IN 51, com o perdão da alegoria, pode ter sido apenas mais uma "boa idéia", bem intencionada, aventada pelo setor.