A produção neozelandesa é baseada nas pastagens temperadas, tendo como base o azevém-perene, consorciado com um pouco de trevo-branco. A produção é estacional, com partos programados entre início de julho e meados de setembro, com pico de captação no final de outubro. No outono, a produção praticamente zera.
A filosofia é trabalhar com baixo custo de produção, produzindo a maior quantidade de sólidos do leite (no caso, gordura e proteína) por hectare, já que 95% da produção é destinada a exportação.
A maior parte dessas informações é conhecida, não constituindo-se em novidade. No entanto, a indústria láctea neozelandesa vem passando por algumas modificações importantes.
Os preços mais altos para os lácteos vêm estimulando a experimentação com sistemas de produção que utilizam uma maior quantidade de alimentos importados, isto é, produzidos fora da propriedade. A Dairy NZ, empresa de pesquisa financiada pelos produtores de leite, que pagam a ela 3,0 centavos de dólar neozelandês por kg de MS (MilkSolids) produzido (o que dá cerca de US$ 0,002/kg de leite ou por volta de US$ 40 milhões por ano), está pesquisando 3 sistemas básicos de produção de leite, cuja diferença está na quantidade de insumos. O sistema 1 envolve utilização de pastagens sem nitrogênio; o sistema 2, que é a base do sistema neozelandês, inclui pastagens com adubação nitrogenada (200 kg de N/ha/ano, via uréia) e o sistema 3, mais intensivo, envolve o sistema 2 mais uma complementação de silagem de milho, além de uma cultura de inverno. A tabela 1 resume os parâmetros dos sistemas:
*A taxa de lotação do sistema 3 foi corrigida da versão original do artigo.
O sistema 2 é o mais simples e eficaz. Tem custo operacional de US$ 0,19/kg, não incluindo juros sobre capital emprestado ou investido, mas incluindo depreciação, remuneração do produtor e custos de reposição. Já o sistema 3 tem custo maior, de US$ 0,22/kg. Mas esses são os dados otimizados. Na prática, como mostra a figura 1 abaixo, onde são comparados 5 sistemas com graus variados de suplementação, as despesas operacionais ficam em torno de NZ$ 5,00/kg de MS (aproximadamente US$ 0,32/kg de leite), com grande variação mesmo dentro de um único sistema, ainda que haja grande padronização entre fazendas em uma mesma região. Em geral, sistemas com maior suplementação tendem a apresentar custos operacionais mais altos e menor rentabilidade. Porém, é preciso lembrar que os dados da figura 1 foram obtidos com os preços recebidos em 2008/09, época da crise e queda de preços. Caso os preços se mantenham mais altos, é possível que sistemas com maior nível de suplementação fiquem mais atraentes. Nesse caso, há possibilidade de elevar significativamente a produção por hectare, como pode ser visto na tabela acima.
Outra mudança interessante é a ainda incipiente construção de instalações. Visitamos um produtor muito eficiente na Ilha Norte, que havia acabado de construir um barracão cimentado para manter as vacas entre 1,5 e 3,0 horas diárias, evitando stress térmico e acúmulo de barro nas pastagens, principalmente em épocas mais chuvosas. E, claro, facilitando a suplementação. São mudanças ainda tímidas, mas que podem sinalizar ajustes nos sistemas à medida que os preços do mercado internacional são fortalecidos.
Barracão de alimentação em fazenda da Ilha Norte, recém-construído
Quanto a mais a Nova Zelândia poderá produzir? A resposta a essa pergunta não é tão simples quanto parece. Andrew Ferrier, CEO da Fonterra, disse que a capacidade de crescimento é baixa, na casa de 1-3% ao ano. A média dos últimos 6 anos foi de 2,3% ao ano (Figura 2). Uma das dúvidas é a suscetibilidade dos sistemas de produção baseados a pasto às mudanças climáticas, que podem mudar o regime de chuvas. Será que teremos "anos anormais" com freqüência cada vez maior, afetando a produção nesses sistemas?
O crescimento da produção na Nova Zelândia não tem sido homogêneo. A produção na Ilha Norte, principal região produtora, está praticamente estagnada há anos. Segundo cálculos que fiz, desde 2000 a produção da Ilha Norte está na casa dos 10 bilhões de litros.
Já na Ilha Sul, a situação é diferente. Em 2000, era responsável por 23% da produção de sólidos, ou cerca de 3 bilhões de litros. A estimativa para 2010 é fechar com 39%, ou 6,5 bilhões. É lá que ocorre a maior parte da conversão de fazendas de ovinos para leite.
Mas o limite é a água disponível. A leste dos Alpes do Sul, principalmente na região de Canterbury, onde se concentra parte importante da produção nessa Ilha, a precipitação fica ao redor de 600 mm e a irrigação é fundamental (veja a figura 3, com o mapa de precipitação). Porém, o uso está cada vez mais controlado. Alguns analistas acham que é possível mesmo assim produzir entre 6 e 8 bilhões de litros a mais na Ilha Sul. Que seja a metade: a Nova Zelândia poderia atingir 20 bilhões de litros de leite.
Fonte: https://www.newzealand.com/
É um crescimento importante, mas o volume é modesto se considerarmos que a demanda nos países emergentes, principalmente Índia e China, irá crescer muito dos próximos anos, havendo dúvidas se esses países terão condições de suprir sua própria demanda. Aliás, é muito perceptível a influência da China na Nova Zelândia. O Congresso Mundial da IDF, realizado em Auckland em novembro, teve tradução para o chinês (e para o japonês); para onde se vai, se vê turistas chineses; em alguns momentos, ao se caminhar por Auckland, a principal cidade, tem-se a sensação de se estar em algum local da Ásia; os chineses estão comprando empresas e terras na Nova Zelândia, e a limitação desses investimentos por parte do governo neozelandês é um assunto do momento.
Há ainda duas outras limitações importantes para o crescimento da produção neozelandesa. O primeiro é a questão ambiental, tema prioritário para os produtores, empresas e governo. No entanto, acredito que o país esteja bem posicionado nessa questão. O segundo fator é o alto nível de endividamento dos produtores. Conversei com um produtor que me confidenciou que 25% de seu custo envolve o pagamento de juros. Segundo ele, se o preço cair abaixo de NZ$ 5,50/kg de sólidos, começa a ter dificuldade de honrar seus compromissos. Isso significa por volta de US$ 0,36/kg de leite, ou R$ 0,63/kg. Isso ocorre em função do alto custo para expansão, em especial pelo valor da terra, superior a NZ$ 30.000/ha. Supondo US$ 0,09/kg de leite referente a custo de capital, acrescidos aos sistemas-modelo colocados acima, percebe-se que a competitividade, ainda que exista, não seja tão mais alta quanto a princípio pode-se supor.
Em resumo, a Nova Zelândia, com suas mais de 11.000 fazendas, 4 milhões de vacas e 16 bilhões de litros anuais, é sem dúvida eficiente, tendo como pilar a produção à base de pastagens, com baixo custo operacional. Isso sem contar a elevada eficiência industrial da Fonterra, a logística e o conhecimento dos mercados globais de lácteos, principalmente das commodities. No entanto, a capacidade de grande crescimento na produção é duvidosa: limite de terras, necessidade de irrigação na região com maior potencial de aumento da produção e sistemas de produção já definidos e bem desenvolvidos, restando a sintonia fina dos mesmos, com ganhos potenciais mais modestos.
O que pode mudar essa realidade? Talvez preços mais elevados para o leite no mercado internacional, permitindo melhor rentabilidade dos sistemas com maior suplementação (embora isso seja apenas uma especulação). Dentro desse contexto, é de se esperar que a captação de leite dos produtores neozelandeses se dê cada vez mais fora da Nova Zelândia (via Fonterra e subsidiárias), deslocando-se para regiões com maior potencial de crescimento e custos mais baixos. Curiosamente, é provável que, no futuro, as principais fontes de incremento de receita para o produtor de leite neozelandês estejam na captação e processamento desse leite vindo de regiões como a Índia e América do Sul, e no desenvolvimento de produtos de valor agregado a partir do leite neozelandês, significando um foco muito mais industrial e de marketing do que agrícola propriamente dito.
*Viajaei a Nova Zelândia a convite da DPA.