Os dados referentes às importações de lácteos pelo Brasil, no primeiro quadrimestre do ano, sugerem que 2002 seguirá tendência inversa de 2001, quando as importações começaram mais elevadas e foram perdendo a força no decorrer do ano, fruto de medidas anti-dumping, câmbio desfavorável, preços elevados no mercado externo e maior disponibilidade de leite no mercado interno.
Tal projeção pode ser acompanhada pelo gráfico abaixo, onde se nota claramente que os primeiros quatro meses de 2002 apresentaram comportamento exatamente contrário ao verificado no ano passado.
Os preços no mercado externo continuam baixos, na casa de US$ 1350/tonelada de leite em pó, contra valores próximos de US$ 2000/tonelada praticados no ano passado, o que dificultou a importação em 2001, especialmente pela combinação com o real desvalorizado. É bem verdade que o câmbio inflado e nervoso deste momento diminui a atratividade das importações, mas mesmo este importante parâmetro pode se alterar em um período de tempo relativamente curto, não invalindo essa análise.
Há mais fatores que fortalecem a expectativa de aumento das importações. Considerando que estamos nos aproximando de uma entressafra que promete ser mais pronunciada que a do ano anterior (que praticamente inexistiu), a disponibilidade de leite tende a ser menor do que em 2001, o que, aliás, já tem sido comentado em algumas notícias publicadas no MilkPoint. Faltando leite, conseqüentemente, as importações tendem a ser mais elevadas.
É também possível que importadores e algumas indústrias possam estar fazendo estoques justamente para evitar que, na escassez de matéria-prima local - caso isso venha mesmo a ocorrer, tenham como segurar os preços pagos pelo leite. Isso explicaria o aumento significativo do volume importado às vésperas da estação seca.
Há também o risco Argentina. Conforme relatório que trouxemos nesta semana sobre a situação do setor neste país, as importações provenientes da Argentina estão aumentando e, mais do que isso, o país depende das exportações para retomar uma situação minimamente sustentável no setor lácteo, visto que o consumo está reprimido.
No primeiro trimestre, nada menos do que 17% da produção do país foram destinados ao mercado externo, contra 12% em igual período do ano anterior. A diferença entre oferta e demanda (que caiu 13% no primeiro trimestre, mais do que a queda na produção) mantém-se elevada, levando ao caminho natural das exportações. Em março, as exportações ao Brasil aumentaram 12% em comparação a fevereiro, embora para outros destinos as mesmas tenham caído 44% no mesmo período. As vendas externas acumuladas em 2002 alcançaram o volume de 49 mil toneladas e US$ 80 milhões, valores 36% e 14% maiores do que os correspondentes a janeiro a março de 2001.
Vale a pena comentar mais profundamente o impacto do novo câmbio da Argentina em relação à produção de leite. Nota-se, em maior ou menor grau, uma preocupação com a entrada de leite argentino no Brasil, o que vai depender das respectivas taxas de câmbio, relação entre oferta e demanda, preços internos e medidas compensatórias entre o comércio destes dois países. Muitos inclusive não se mostram muito preocupados com essa questão, visto que a disponibilidade de produto na Argentina não é alta neste momento. De fato, a captação em 2002 está 10,5% abaixo da verificada em 2001 (dados até março).
Porém, caso o atual câmbio argentino se mantenha nas alturas (acima de 3 pesos para cada dólar), é bom começarmos a pensar que a produção de leite na Argentina pode voltar a ser altamente competitiva em termos mundiais e mesmo no Mercosul. Visitei este país em final de 1998 e não pude deixar de notar condições altamente favoráveis para a produção de leite a pasto:
- topografia plana
- clima favorável
- solos de alta fertilidade
- disponibilidade de forragens de elevada qualidade, sem necessidade de correções de solo ou adubações em grande quantidade
- relação favorável de kg de leite por kg de concentrado
- boa infra-estrutura
- tradição na atividade
Nesta ocasião, as planilhas de custo obtidas no INTA (instituto de pesquisas local) indicavam custos de US$ 0,01 kg de matéria seca para a alfafa. Uma vaca em pastejo de alfafa, com 4 a 5 kg de milho em suplementação, produzia em média 20 kg de leite/dia. Uma condição zootécnica altamente favorável, convenhamos, embora a lotação por área seja muito inferior à nossa e a disponibilidade de terras para expansão da atividade seja também limitada. O produtor argentino, ao final de 1998, recebia algo em torno de US$ 0,16/litro de leite.
A disparidade cambial entre os países, nos últimos anos, colocou a discussão zootécnica em segundo plano, pois o valor da moeda assumiu importância maior do que a questão produtiva.
Hoje, a situação está certamente diferente da verificada em 1998. Com o câmbio atual de 3,6 pesos para 1 dólar, os produtores argentinos pedem um preço mínimo de 28 centavos de peso, ou 7,8 centavos de dólar, valor que provavelmente coloca o país no topo de competividade mundial. Se este valor em dólar fosse transportado para a nossa realidade, mesmo com dólar a R$ 2,70, o produtor nacional estaria solicitando receber R$ 0,21/litro de leite.
Evidentemente, tal cenário pode mudar rapidamente ao sabor do câmbio, como ocorreu nos últimos anos, mas o objetivo aqui é deixar a mensagem de que, caso o peso argentino flutue em níveis próximos ao nosso Real, a Argentina poderá voltar a ser competiva em produção de leite, inclusive quando comparada ao Brasil, o que havia deixado de acontecer nos últimos 2 anos e meio em função da liberdade cambial adotada no Brasil e da paridade 1:1, mantida até as últimas conseqüências na Argentina.
Clique aqui e veja o relatório sobre a situação do leite na Argentina