Imagine uma ordenha tipo carrossel, que ordenha sem nenhum operador. Isso mesmo, um carrossel robotizado. Imagine que, à medida que a vaca é ordenhada, todas as suas informações vitais são coletadas e imediatamente analisadas: batimento cardíaco, taxa de respiração, atividade ruminal, temperatura. Se a análise sanguínea indicar presença de corpos cetônicos (um indicativo de cetose), por exemplo, esse animal receberá, quando for comer a próxima refeição (logicamente em um sistema com leitura via transponder, individualizado), uma dosagem extra de propileno-glicol.
Agora pense em um vagão de ração completa, equipado com GPS e que também não necessita de um operador. A mistura é feita automaticamente, à medida que o vagão passa pelos silos de alimentos, encaminhando-se sem motorista para a pista de alimentação. E mais: pense que, no exato momento em que a silagem é carregada, é feita uma análise bromatológica e, com base nela, as proporções dos alimentos são corrigidas imediatamente, sem interferência humana.
Parece ficção científica? Pode ser, especialmente se considerarmos a atual situação do mercado do leite, aqui e lá fora. Mas essa realidade pode chegar antes do que parece, pelo menos em alguns países do mundo.
Tive oportunidade de conhecer um pouco desse projeto em uma viagem que fiz em dezembro, ao centro de pesquisas da DeLaval, na Suécia. No evento Smart Dairy Farming, a empresa apresentou a cerca de 40 pessoas de várias partes do mundo estes conceitos, que refletem o estado da arte em pecuária leiteira de precisão.
Claro que a realidade apresenta contornos distintos nos vários países. Quantos anos algo próximo a isso chegará, por exemplo, na Índia? O mundo não é tão plano, como cunhou Thomas Friedman, ao menos no mundo lácteo. Mas vale a pena saber um pouco mais do que acontece na Europa e, possivelmente, em outras regiões relevantes sob o ponto de vista de produção de leite.
Hoje, cerca de 50% das novas fazendas européias são ordenhadas por robôs. Isso mesmo, 50% dos novos projetos! Há cerca de 12.000 robôs (em 5.000 fazendas) ordenhando vacas na Europa, cada um com cerca de 60 a 70 vacas. O preço médio de um robô é 125.000 euros, ou seja, considerando 65 vacas por robô, trata-se de um investimento de quase R$ 6.000,00 por vaca.
O principal direcionador dessa tendência é relacionado ao trabalho. De um lado, há cada vez menos mão-de-obra disponível para o extenuante trabalho nas fazendas; de outro, o produtor de leite busca qualidade de vida e a automação vai ao encontro dessa necessidade.
A automação total e o monitoramento em tempo real dos animais têm outros direcionadores. Rastreabilidade, necessidade de utilização racional de insumos (tanto pelo custo como pela minimização de nutrientes nos dejetos), bem-estar animal (afinal, se a vaca está sendo monitorada em tempo real em relação a diversas enfermidades, terá menor incidência de doenças), controle de resíduos no leite e eficiência de produção, visando redução de custos.
Impossível não pensar nas disparidades regionais. Olhando esse cenário, que talvez seja realidade em diversas propriedades na Europa e provavelmente Estados Unidos daqui a 20 anos, meu primeiro pensamento é que os europeus vão suar muito, trabalhar no limite, utilizando tecnologia que parece de outro planeta para tentar ganhar competitividade, mas que, ao se comparar com as condições em outros países, continuarão menos competitivos. Em outras palavras, em um mercado aberto, dificilmente terão condições de competir, mesmo otimizando tudo o que é possível, trabalhando no limite máximo da eficiência e aplicando todo o conhecimento existente.
Isto nos dá uma enorme vantagem comparativa, mas é aí que reside o perigo. Ter condições mais favoráveis para produzir pode ser um tiro no pé. Confiando-se demais na mãe natureza, não se faz a lição de casa e, com isso, pode-se perder competitividade. O livro Plowing the Sea mostra bem isso. Os autores estudaram há alguns anos o desenvolvimento de países da América Latina e concluíram que o excesso de recursos naturais e condições favoráveis acabava jogando contra, impedindo o desenvolvimento e, lá na frente, minando a competitividade. Eles mostraram diversos exemplos de países e indústrias específicas que, sendo naturalmente menos competitivas, trabalharam e superaram concorrentes que tinham inicialmente melhores condições de sucesso.
Além disso, muitos dos atributos embutidos nessas novas tecnologias vistas na Suécia podem significar futuras exigências do mercado: bem estar animal, controle ambiental, rastreabilidade, monitoramento em tempo real da sanidade dos animais.
Se o Brasil pretende ser competitivo e irá exportar cada vez mais, tem de não só acompanhar o que ocorre em relação ao desenvolvimento tecnológico em outros países, mas fazer a sua lição de casa em diversas frentes, considerando as características locais e aproveitando seu enorme potencial.