Além desses aspectos inerentes à atividade, recentemente outros fatores têm tornado a atividade ainda mais complexa. Legislações de qualidade do leite e ambientais mais rígidas; custos de mão-de-obra mais elevados; incertezas relativas ao mercado; novas tecnologias potencialmente revolucionárias, como o genoma; maiores flutuações nos preços dos insumos e incertezas climáticas estão entre os novos aspectos com os quais os produtores de hoje e do amanhã precisarão lidar.
Um exemplo interessante vem dos Estados Unidos. O gráfico 1 mostra a relação de troca entre o leite e insumos nos Estados Unidos. Compare o período entre 1987 e 1997, com 1998 e 2008. Nota-se, além de um comportamento bem mais errático nesse segundo período, uma tendência de queda. É evidente que é muito mais fácil trabalhar em um cenário de estabilidade como o verificado entre 1987 e 1997, do que naquele que se instalou desde então.
Gráfico 1. Relação Leite/Alimentos nos Estados Unidos (fonte: Universidade de Wisconsin)
O gráfico 2 mostra um outro exemplo das incertezas que têm caracterizado o mercado. Nesse caso, o exemplo vem da Austrália e mostra que a rentabilidade da atividade não é mais função principal ou quase que exclusiva do preço do leite. Nos últimos anos, apesar da elevação dos preços (linha azul), a renda líquida da propriedade média (linha vermelha) tem flutuado seguindo uma outra realidade, fruto da volatilidade dos preços dos alimentos.
Gráfico 2. Preço ao produtor e renda líquida da fazenda de leite (Fonte: ABARE)
Esse ambiente de maior complexidade e de incertezas mexe com nossas verdades a respeito de qual é a melhor maneira de desenvolver a atividade em determinado lugar. Em 2010, estive na Nova Zelândia e vi com interesse centros de pesquisa e diversos produtores testando níveis de suplementação que variavam de quase zero a cerca de 50% da ingestão total de matéria seca, em um sistema filosoficamente próximo ao norte-americano. A lógica dessa experimentação é testar o comportamento técnico e econômico dos sistemas diante de preços de leite mais elevados (e insumos mais variáveis). De forma semelhante, no interleite 2009 trouxemos ao Brasil o norte-americano Al Wehner que, em plena crise, estava ganhando dinheiro no Sudeste dos EUA com um sistema parecido com o neozelandês.
Surge um dilema dos novos tempos.
A complexidade da operação, conforme colocado no primeiro parágrafo deste texto, remete à necessidade de execução primorosa: profundo conhecimento do sistema produtivo, processos bem definidos; monitoramento de índices; gestão da rotina; práticas de qualidade total; melhoria contínua. Nesse ponto, a atividade leiteira se assemelha a uma empresa tipicamente fordista, lembrando os conceitos de linha de produção, hierarquias, escala, regularidade e repetição, tão bem desenvolvidos no início do século passado por empresários como Henry Ford.
Um ambiente com mudanças frequentes exige, no entanto, capacidade de adaptação. Aqueles que melhor compreenderem a nova realidade e estiverem aptos a competir no novo contexto tendem a se sobressair. Não por acaso, a conversa se assemelha muito ao processo de evolução das espécies, que teve em Charles Darwin seu grande proponente e desenvolvedor.
O ponto relevante deste dilema é que as competências necessárias para termos uma execução primorosa não são as mesmas que são exigidas quando se fala em capacidade de mudança, em experimentação. Nesse último caso, é preciso ter maior tolerância para erros e pequenas falhas, visando descobrir novas possibilidades; criar um ambiente em que as ideias possam fluir através dos níveis hierárquicos, independente do cargo de quem as formula; ter a mente aberta para novas ideias e visões; acompanhar o ambiente externo à empresa; buscar os fatos; ter o sentido de urgência competitiva. Citando Beinhocker, a vida das empresas é "uma corrida sem linha de chegada".
O desafio, portanto, é conciliar a execução eficiente do sistema atual, a partir do conhecimento profundo do atual modelo de negócios, do motor que gera os lucros atuais, com uma cultura de inovação, em um ambiente em que, como disse Paul Valery, "o futuro não é mais como costumava ser".
E esse é um aspecto importante que permeia não só a atividade leiteira, mas também diversas outras atividades econômicas. A capacidade de adaptação das empresas, assim como das espécies, é uma variável-chave em um período marcado por mudanças no cenário dos negócios.
Há um outro aspecto muito interessante que dificulta a orientação de líderes de sucesso em momentos de transição. Quanto melhor a empresa é em determinado contexto, mais dificuldade terá de abraçar novos modelos e novas possibilidades de negócio, mesmo diante de mudanças no contexto externo que favoreceriam ou exigiriam uma nova visão dos negócios.
O mercado está cheio de exemplos de empresas líderes que sucumbiram quando uma tecnologia de ruptura se instalou, ou quando o mercado mudou. O exemplo mais recente é o da Kodak, sinônimo da fotografia e que está em concordata, não conseguindo se adaptar à tecnologia digital - apesar de, ironicamente, ter sido sua inventora, na década de 70. Os motivos pelos quais isso ocorre vão além dos objetivos desse artigo, mas estão bem documentados nos trabalhos do Prof. Clayton Christensen, de Harvard (principalmente em O Dilema do Inovador). O dilema do inovador nos mostra que, quanto melhores somos no que fazemos mais dificuldade temos em nos adaptarmos a mudanças radicais.
O que fazer, portanto, em um ambiente instável, mais complexo, em que o mercado parece mudar e gerar uma nova configuração no cenário dos negócios, como se placas tectônicas se mexessem, gerando uma nova paisagem no relevo?
Um primeiro ponto importante é conhecer os mecanismos de geração de lucro em sua exploração leiteira e sua sensibilidade às variações do mercado. Em relação ao primeiro item, quais são os indicadores financeiros e técnicos fundamentais? Qual é o motor econômico de sua exploração?
Percebe-se aqui a necessidade de, antes de mais nada, monitorar os indicadores, saber onde se está pisando. Nesse sentido, gostaria de parabenizar a Itambé e a Embrapa Gado de Leite por propor a implantação de indicadores econômicos e técnicos que ajudam a monitorar o progresso de uma atividade leiteira. Vejo a iniciativa como a tentativa de se criar uma espécie de Balanced Scorecard para fazendas de leite (leia mais aqui).
Em relação à sensibilidade do sistema e às variações do mercado, começo citando o conceito apresentado pela diretora da Fonterra no último evento da IDF, a produtora e professora Nicola Shadbolt. De forma geral, há dois extremos no que se refere a sistemas de produção. De um lado, os sistemas projetados para capturar o "upside", isto é, ganhar muito quando as condições são mais favoráveis. Alta produtividade, alavancagem financeira, alto uso de insumos, tudo isso pode resultar em aumento do patrimônio líquido do produtor quando o mercado estiver favorável.
De outro lado, há sistemas concebidos para minimizar o "downside", isto é, perder pouco quando as coisas ficam ruins. Como bem disse Warren Buffet, "é na maré baixa que vemos quem estava nadando pelado". Sistemas com menor utilização de insumos externos tendem a preencher melhor esse pressuposto.
Por fim, sistemas adaptáveis, flexíveis, tendem a se dar melhor em um ambiente marcado por elevada volatilidade - e aqui faço menção ao Prof. Sebastião Teixeira Gomes, que trabalhou esses conceitos bem antes da volatilidade se tornar tão ampla.
O que é melhor? Depende de uma série de aspectos, inclusive preferências pessoais, não sendo objetivo desse artigo entrar nesse mérito. O importante é conhecer como cada sistema se comporta e como fazer para torná-lo mais resiliente a situações extremas de mercado.
O ponto relevante, além da conceituação acima, é que todos os sistemas podem ser trabalhados no sentido de melhorar sua sensibilidade a variação dos aspectos externos. Irrigação, por exemplo, é um fator que contribui para a redução do risco climático em ambos os sistemas, mas principalmente a pasto.
Também, é fundamental ter acesso a ferramentas de gestão de risco, como seguros agrícolas, mercados futuros e informações transparentes de mercado. Desta forma, o produtor poderá minimizar os riscos diante de fatores que não controla. As lideranças setoriais deveriam ajudar a desenvolver e propor a implantação destas ferramentas, inclusive como maneira de atrair investimentos para o setor.
Um outro aspecto válido de se mencionar nesse contexto de volatilidade e mudanças é buscar informações, seja em relação a tendências climáticas (estamos vendo agora a seca no Sul do país afetar a produção de leite; até que ponto isso podia ser prevenido?), seja em relação ao mercado e a novos modelos e soluções que podem ser vencedoras em determinado contexto.
Nesse sentido, a troca de informações em sites como o MilkPoint, além da busca de informações em revistas como a Leite Integral e nos eventos é de fundamental importância. Um exemplo interessante vem dos Estados Unidos: há pelo menos dois seletos clubes de produtores de destaque, alguns dos quais estiveram no último Interleite, que se reúnem duas vezes por ano e realizam inclusive viagens para conhecer novas realidades, colocando à prova suas certezas e buscando novas oportunidades. Estes produtores procuram sair do seu dia-a-dia, mantendo o radar ligado, de forma sempre crítica. Um bom exemplo para os produtores brasileiros, mesmo os mais eficientes.
Em resumo, o atual contexto exige das empresas e dos produtores duas características fundamentais, mas talvez contraditórias. De um lado, uma profunda capacidade de fazer bem feito aquilo que se propõe executar; de outro, a manutenção da capacidade de inovar, tornando sua exploração mais adaptável a mudanças, seja elas quais forem.