O ano de 2001 está finalmente acabando. Ainda bem. Para o produtor de leite, foi uma espécie de odisséia, não no espaço, de Kubrick, mas entre o céu e o inferno, de Dante. O céu, na verdade, ficou apenas na expectativa de preços mais altos na entressafra, fruto da previsão de redução nas importações, no preço dos insumos relativamente favorável no início do ano e, na opinião de muitos, na aprovação da nova legislação sobre qualidade.
Mas o que se viu mesmo foi o inferno. A legislação de qualidade não veio. A expectativa de preços favoráveis estimulou a produção, que aumentou entre 5 e 8% no primeiro semestre, segundo os dados que foram divulgados. O consumo, por outro lado, não cooperou, ficando praticamente estagnado, afetado pela crise energética, dólar, situação da Argentina, atentados, e sabe-se lá mais o quê.
Por fim, mas não menos importante, as denúncias de cartelização e de abuso de poder por parte de alguns segmentos da cadeia e de fraudes (as importações de “soro de leite” continuam altas), resultaram em uma combinação fatal ao produtor de leite, que vem passando por uma das piores fases de preços de leite (ver figura 1)
Figura 1
Fonte: Scot Consultoria, A Nata do Leite, edição 45, ano 4, dezembro de 2001
Do lado do custo de produção, a alta exagerada do dólar também teve seu papel negativo. Embora tenha ajudado a barrar ainda mais as importações de leite, passou da conta e afetou significativamente os preços de vários insumos importantes, elevando os custos de produção.
E cá estamos. O que esperar de 2002?
Não há dúvida que, mantido o atual cenário, a atividade será desestimulada e a produção interna deverá patinar. Além das anunciadas liquidações de rebanhos especializados, é provável que os baixos preços desestimulem mesmo quem não é lá muito especializado. Ouvi uma piada outro dia, de que já tem gente falando em colocar água no leite para “agregar valor ao produto”... Com os preços atuais, daqui a pouco nem o safrista é estimulado.
Além disso, levando em conta o difícil segundo semestre deste ano, é de se supor que os tratos agrícolas nas áreas de silagem e cana podem ter sido prejudicados, o que comprometeria a produção a partir do inverno de 2002, pelo menos para os produtores ditos especializados.
As importações devem ter um papel cada vez menos importante na definição de preços, mesmo com o dólar a R$ 2,50, mais baixo do que os R$ 2,80 de dois meses atrás. Este dólar é alto o suficiente para reduzir as importações, desde que não haja práticas ilegais de comércio. Neste caso, as tarifas de importação se mostram fundamentais e oportunas.
Tudo isso abre uma perspectiva de que a produção em 2002 não crescerá como nos últimos anos e que os preços devem reagir positivamente, principalmente após o final do verão, quando os custos de produção de quem trabalha a pasto, intensiva ou extensivamente, voltam a subir. Mas não é possível dizer para quanto.
Vale lembrar que este cenário não é muito distinto do que tínhamos no ano passado, com resultados finais bem diferentes, como pudemos observar. Afinal, previsões são sempre sujeitas a mudanças, especialmente quando não temos muitos dados para basear nossa análise, além, é claro, de fatores externos ao setor, que afetam a economia como um todo.
Fora isso, há que se lembrar dos problemas estruturais do setor, tão ou mais importantes que os problemas de mercado e que afetam e muito a habilidade que temos em prever os rumos do setor. É interessante analisar as notícias sobre as CPIs: os deputados estão compreendendo e expondo ao público como funciona a cadeia do leite no Brasil: os produtores têm pouco poder de barganha junto aos laticínios, estes comem na mão das grandes redes de supermercados, faltam informações confiáveis sobre o que acontece, etc.
A questão é como resolver estes problemas. Mexer nas estruturas é algo complicado. Mas, se não o fizermos, corremos o risco de viver em uma eterna gangorra de expectativas, entre o céu e o inferno. Esta realidade não é boa para o produtor, mas não deveria ser boa também para a indústria. É preciso que o setor sente à mesa e discuta soluções de longo prazo. Só assim poderemos fazer de fato previsões mais realistas, diminuindo o erro e evitando ao máximo frustações e incertezas.