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Cuidado: sempre haverá produtores demais

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 01/02/2002

7 MIN DE LEITURA

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“Temos produtores demais, produzindo individualmente muito pouco”.

Se você for chamado a se manifestar sobre o setor, basta dizer algo nesta linha que você não se comprometerá. Considerando a produção de 21,5 bilhões de litros por ano e uma estimativa de 1,2 milhão de produtores, são menos de 18.000 litros por produtor/ano, ou 50 litros por dia. A Argentina, para não ficarmos apenas nos comparando com os Estados Unidos ou com as Novas Zelândias da vida, produz cerca de 10 bilhões de litros com 20.000 produtores de leite, ou seja, 500.000 litros por produtor/ano, ou 1.370 litros/dia. Vinte e sete vezes mais do que nós. Os Estados Unidos (comparar com os EUA é uma tentação irrestível ...) produzem 76 bilhões de litros com 76.630 produtores, ou quase 1.000.000 de litros/ano (2.720 litros/dia), 54 vezes mais do que o produtor brasileiro “médio”.

O módulo de produção do produtor brasileiro é ínfimo não apenas ao nos compararmos com outros países, mesmo porque esta comparação apresenta limitações relativas à renda da população, às alternativas de trabalho, a existência de subsídios, ao preço do leite recebido pelo produtor em relação ao custo de vida, etc. De qualquer forma, 50 litros por produtor/dia é, em termos absolutos, muito pouco. Difícil imaginar como se vive nestas condições, considerando a hipótese de que este produtor “médio” depende do leite para viver e não conta com subsídios.

Portanto, por estas razões, você não errará ao dizer que temos produtores demais. Mas pode começar a se complicar se emendar outro chavão comum: “com a redução do número de produtores, eliminando-se os menos eficientes, aqueles que restarem serão beneficiados; terão maior poder de barganha, custos mais baixos de produção e, assim, uma situação econômica melhor ”... Será mesmo ?

Para tentar responder esta questão, vamos nos basear novamente nas inevitáveis comparações com os Estados Unidos. Nesta semana, trouxemos um artigo da revista Hoard’s Dairyman (veja artigo) relatando nova queda no número de produtores americanos, desta feita da ordem de 7,6% no último ano. Os gráficos 1 e 2 dão uma idéia mais clara do que vem ocorrendo com o número de produtores de leite nos EUA, desde 1992. Veja que a trajetória ladeira abaixo é variável, mas contínua. Ano a ano, são menos produtores e não houve, até agora, tendência de estabilização neste número, o que sugere que a degola vai continuar. E, convenhamos, os 130.000 produtores de 1992 já eram um número muito baixo para padrões brasileiros. Se a taxa média de 5,82% de redução no número de produtores ao ano for mantida, serão 44.661 produtores em 2010. Ou seja, lá também existem produtores demais, mesmo cada um produzindo 54 vezes mais do que nós, brasileiros. Mesmo com uma avalanche de pesquisas e recursos destinados à extensão; mesmo com US$ 300 milhões anuais destinados ao marketing institucional do leite; mesmo com política de preços mínimos e exportações subsidiadas.

 

 



Porque isto ocorre ? Ocorre inicialmente pela óbvia constatação de que, por menor que seja o número de produtores de leite, será sempre muito superior ao número de processadores de leite e varejistas que, por sinal, também passam por acelerado processo de concentração. Um grande produtor de leite, por maior que seja, será sempre pequeno perto de um laticínio ou de um varejista, e isto tende a se agravar com o tempo, porque o aumento do poder de barganha destes elos tende a crescer a taxas mais altas do que o poder de barganha dos produtores, deixando a vida ainda mais difícil para esses últimos.

O grande número relativo de produtores gera também uma competição feroz entre os próprios produtores, o que reduz ainda mais o seu poder econômico enquanto classe e contribui para a manutenção de baixos preços dos produtos vendidos. É fácil entender a situação olhando-a pelo outro lado: se você fosse o único produtor de leite do país, ou um dos únicos, seria bem mais interessante negociar, não? Como você não é, precisa – em tese - adotar as melhores tecnologias, contratar as melhores pessoas, negociar melhor, enfim, aprender a prosperar em um ambiente hostil. Uma ressalva: do ponto de vista de “eficiência” da cadeia produtiva, tal situação é favorável, porque permite produzir a custos mais baixos, o que beneficia o mercado consumidor e a competitividade do país, aspectos importantes. O problema é saber o quanto desta eficiência fica retida nos elos seguintes.

O ponto-chave é que não é muito relevante se são 5 milhões, 2 milhões, 1 milhão, 500 mil ou 50 mil produtores. Sempre serão mais do que o desejável para reduzir a competição interna e aumentar o poderio de barganha junto aos outros elos. Os 20.000 produtores argentinos estão há anos reclamando de sua situação, cada vez mais endividados. Estive lá em 1998 e a situação já era complicada: lembro-me de que menos de 1.000 litros/dia não sustentava mais dignamente uma família. Talvez hoje sejam 1.500 ou 2.000 litros/dia. Será sempre mais.

É evidente que o maior módulo de produção tende a ser mais vantajoso. Não se trata de uma apologia ao pequeno produtor e à pequena produção. É mais interessante economicamente para quem compra leite, daí os principais bônus de preço estarem ligados à variável volume de produção. Também, embora algo questionável em minha opinião, pode-se admitir que maior escala leva à redução de custos. Portanto, se você tiver buscando escala, ótimo: tenderá a ter um preço melhor e potencialmente melhor rentabilidade.

A mesma idéia vale para a eficiência. É evidente que devemos ser eficientes e que, sendo eficientes, as chances de sucesso aumentam. Isto vale para todas as profissões e atividades. Quem não quer ser mais eficiente? O perigo aqui é você repetir outro chavão: “só os eficientes sobreviverão”.

A esta altura, o leitor já deve estar pensando que esta busca pela eficiência em busca da garantia de sobrevivência pode ser um grande engodo. Afinal, a eficiência é relativa. Será que os produtores de leite dos EUA não são eficientes? A produção por vaca – indicativo importante de rentabilidade em sistemas confinados – subiu 21% de 1992 até 2001, tornando-se uma das mais altas do mundo, próxima de 8.400 kg/vaca/ano. Mas para quem acha que a comparação com os EUA não é válida, vale dizer que, na Nova Zelândia, para muitos o novo benchmark da produção de leite do Brasil, o número de produtores também foi drasticamente reduzido. A eficiência, claro, aumentou, mas será suficiente para garantir um futuro melhor? Quem garante que o eficiente de hoje não será o degolado de amanhã?

Os produtores de leite precisam de mais poder de barganha, não só de eficiência. Quem tem mais poder, dita as regras, sendo uma delas justamente o “seja mais eficiente”: conselho do rico para o pobre, do grande para o pequeno, de quem manda, para quem não manda. O mercado busca eficiência, sem dúvida (de novo: quem não busca?); porém, mais do que isso, busca força. O banco Bradesco fez 4 aquisições em menos de um mês para fazer frente ao crescimento do Itau, que havia também feito grandes aquisições que o colocaram no posto de segundo maior banco do país. A Parmalat, após dezenas de aquisições e um período de dormência, voltou à cena ao adquirir a área de lácteos da Kraft no Brasil. No varejo, todos acompanham a briga dos gigantes Pão-de-Açúcar e Carrefour. Em todos estes exemplos, o que se busca é muito simples: ser o maior, ser o mais forte. Ganhar poder. Parece ser melhor ser grande e menos eficiente do que pequeno e eficiente. Ou, talvez, o tamanho facilite a compra da eficiência, não sei.

Para o produtor, é pouco útil ser o maior em um universo de milhares. Quanto sua produção representa do total produzido? O único caminho é reunir as forças para que, como categoria, se consiga o desejado poder de barganha, utilizando-o, por exemplo, para negociar as questões que visam proteger o setor produtivo. Individualmente, cada um vale muito pouco nesta briga.

Portanto, cuidado ao pregar a redução do número de produtores de leite como a salvação da pátria. Comemorar uma eventual redução no número de produtores de leite no Brasil como se fosse sinal de avanço e modernidade é, no mínimo, ingenuidade. Afinal, os exemplos que temos de países que estão há frente neste ciclo indicam que o processo é interminável: sempre existirão produtores demais.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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MARIO SERGIO TOSI

VARGINHA - MINAS GERAIS - EMPRESÁRIO

EM 07/02/2002

Eu concordo com o texto do Dr. Marcelo, apenas acho que nós precisamos andar no mesmo sentido. Ou seja, se nos Estados Unidos com 77.000 produtores tem gente querendo sair, aqui devemos o mais rápido possível ir reduzindo também o número de produtores. E acho também que este é um caminho sem volta. Em todos os setores. Precisamos ser mais organizados da porteira pra fora, ter mais representatividades junto aos meios políticos como outros setores fazem com muita competência. E com este número de produtores fica muito difícil.


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