Quando foi anunciado, em 2006, o projeto denominado New Zealand Farming Systems Uruguay ganhou as manchetes de periódicos e sites especializados no setor lácteo mundial.
Tratava-se de um projeto de produção de leite em larga escala, com o objetivo de, em um espaço de 5 anos (ou seja, em 2011), produzir cerca de 20% do leite uruguaio, em 50 fazendas de 280 a 320 hectares cada, com 1.000 vacas por fazenda, empregando os princípios de produção neozelandeses: baixo custo de produção, tendo como base o pastejo intensivo de forrageiras temperadas.
O projeto ganhou publicidade por se tratar de um investimento capitaneado pelo ex-CEO da Fonterra, além de sinalizar o primeiro passo em larga escala no sentido de procurar estender para novas regiões e países um modelo de produção bem sucedido no principal exportador de leite do mundo. Era a confirmação de que a capacidade de expansão da produção na Nova Zelândia era limitada, ou ainda que haveria lugares do mundo (como o Uruguai) em que a rentabilidade do capital investido poderia ser muito superior, dados os preços da terra e do trabalho muito inferiores.
De fato, os estudos iniciais visando a abertura de capital da NZFSU indicavam retorno sobre o capital até 5 vezes mais alto no Uruguai em comparação a Nova Zelândia.
No início, pode-se dizer que a empresa atirou no que viu e acertou no que não viu, como aliás ocorreu com todos naquele início de 2007. Com a repentina elevação dos preços dos lácteos, rompendo patamares nunca antes atingidos, o projeto que já parecia atrativo tornou-se uma potencial mina de ouro. Esse fato, aliado ao esperado aumento do valor da terra, fez com que o ritmo de aquisição de áreas para produção pela NZFSU aumentasse: era necessário adquirir o máximo de áreas o quanto antes, pois a valorização dos alimentos, entre eles o leite, elevando o valor da terra, afetaria o retorno sobre o capital do projeto.
Assim, nos dois anos que se seguiram, a NZFSU adquiriu cerca de 32.000 ha destinados a produção de leite no Uruguai, tomando a decisão que parecia correta naquele momento, marcado também pela ampla disponibilidade de capital no mercado.
A partir de agosto de 2008, com a crise financeira e com o enxugamento do capital disponível, o jogo mudou rapidamente de lado: já com a terra garantida, mas sem dinheiro para abrir novas fazendas e fazer o capital trabalhar (fora a terra, o custo para colocar um hectare em produção, com as vacas, gira entre US$ 10 e 12.000), a empresa amargou prejuízos, ampliados pela brusca redução na cotação do leite em pó no mercado externo, baixando para US$ 2.000 a tonelada, depois de passar dos US$ 5.000. O projeto foi sendo aperfeiçoado na medida do possível, até que, no ano passado, o fundo de investimentos Olam, de Cingapura, adquiriu o seu controle, com a missão de continuar sua expansão. Pode-se dizer que, de New Zealand, restou o nome.
Além das dificuldades externas, é evidente que um projeto desse porte poderia esbarrar em dificuldades, como a velocidade e a intensidade das mudanças propostas ao sistema de produção uruguaio, entre outros aspectos. Novas variedades de forrageiras, módulos de produção muito maiores do que a média, regiões com pouca ou nenhuma infra-estrutura, particularidades climáticas e de solo, além de uma cultura totalmente diferente foram e são aspectos que adicionam um grau extra de desafio.
(Foto 1) Manejo intensivo de pastagens temperadas
Conversando com alguns dos profissionais que estão desde o início, foi possível imaginar a tarefa considerável que o projeto se impôs: em várias propriedades, foi necessário construir represas, estradas, trazer a energia elétrica. Havia ainda, é claro, a dificuldade de aquisição dos animais na quantidade e na qualidade desejada pelos investidores - agora, o projeto está trabalhando cada vez mais com a genética neozelandesa, fazendo inclusive o kiwi-cross (jersey x holandês).
Soma-se a isso a suscetibilidade climática. A maior parte das fazendas está nas regiões central e este (ao todo 28.000 ha), onde os solos são rasos e há risco de prejuízo ao crescimento das forragens em função de secas cada vez mais freqüentes. Estas áreas têm terras mais baratas (US$ 4.000/ha) do que no oeste do país (US$ 10.000/ha), onde a empresa possui pouco mais de 3.000 hectares, a maior parte com fazendas já formadas.
Em função disso, o aumento da irrigação é fundamental. Segundo me foi informado, atualmente 20-25% da área aberta é irrigada, sendo o objetivo alcançar 50%. Para irrigar cerca de 10.000 ha adicionais e para instalar 17 a 18 novas fazendas, atingindo finalmente as 50.000 vacas ordenhadas (cerca de 600.000 litros diários) a empresa pretende levantar US$ 120 milhões.
(Foto 2) Afloramentos rochosos e solo raso são desafios.
(Foto 3) .contornados com irrigação e manejo intensivo
Não há dúvida que, ao entrar em uma das fazendas em produção, a diferença visual é impressionante. Ao invés dos prados amarelados, com pastagens nativas de baixa produtividade, nota-se gramíneas e leguminosas verdejantes, irrigadas e com boa lotação, parecendo, em um primeiro momento, uma típica fazenda neozelandesa.
Porém, ao se debruçar sobre o sistema, percebe-se que há diferenças importantes entre a produção da NZ e a desenvolvida pela NZFSU, cujo sistema, nas palavras do atual CEO do projeto, o consultor australiano David Beca, é muito mais parecido com o sistema australiano e sul africano do que com o neozelandês propriamente dito.
A começar, a produção não é estacional, como na Nova Zelândia. Além disso, o nível de suplementação é bastante superior, assim como a produção das vacas, que em média atinge 5.000 kg/ano, recebendo 2000 kg de ração por vaca/ano (entre 4,5 e 7,0 kg de ração/dia dependendo da produção), depositados no chão, ao longo das cercas que dividem os piquetes e a estrada.
Ainda que o pasto seja a base do sistema, que permite lotações entre 2,7 e 3,2/vacas/ha, há que se ter cuidado ao classificá-lo como um sistema a pasto, visto que este responde por cerca de 50% da ingestão de MS, complementada pela ração e pela silagem. Percebeu-se que um dos objetivos do projeto é aumentar a participação do pasto na dieta até 60%, resultando em custos mais baixos, já que o kg de MS do pasto custa US$ 0,04-0,07, contra US$ 0,12-0,20 do kg de MS da silagem.
O manejo de pastagens baseia-se em períodos definidos de 3 horas de pastejo por piquete, em um total de 12 horas/dia, com lotação fixa. A quantidade de forragem disponível é monitorada e a diferença que falta é suprida pelo volumoso conservado.
Com a lotação média de, digamos, 2,8 vacas/ha e 5.000 kg/vaca/ano, a produção total por área chega a 14.000 kg, sendo inferior (cerca de 11.500 kg) nas áreas de sequeiro e superior (até 18.000 kg) nas áreas irrigadas. O objetivo do sistema é produzir 1 kg de leite para cada kg de MS de pasto produzido. Assim, se a produção por área for de 18.000 kg de leite/ha/ano, cerca de 10.000 kg virão do pasto e o restante da ração e do silo.
A seca de 6 meses no centro do Uruguai, somadas à elevação dos preços dos insumos e da estratégia de aumentar a suplementação, fizeram com que os resultados do projeto tenham mais uma vez vindo negativos, de acordo com notícia divulgada pelo grupo em 05/09. No ano fiscal encerrado em 30 de junho, o prejuízo saltou de US$ 7,9 para US$ 8,7 milhões, apesar do preço do leite significativamente mais alto(passou de US$ 0,28 para 0,381/litro) e que fez com que a produção uruguaia aumentasse cerca de 15% nesse ano.
Segundo a matéria, os custos operacionais elevaram-se de US$ 20,9 para 47 milhões no último ano, anulando os ganhos de 91% na receita do projeto. Esses US$ 47 milhões de custo operacional aplicados sobre a produção de 105,3 milhões de litros resultam em custo de US$ 0,45/litro - um valor elevado considerando a realidade local, em que se busca, hoje, valores na faixa de US$ 0,28 a 0,34/litro. Por isso, a necessidade estratégica de elevar a irrigação e aperfeiçoar o uso de pastagens com o intuito de reduzir a dependência da suplementação que, de certa forma, mina o diferencial do sistema.
Vale colocar também que a elevação da suplementação tende a ser interessante à medida que os preços do leite se mantém em patamares historicamente altos - acima dos US$ 0,40/litro. Mesmo na Nova Zelândia, meca da produção a pasto, há hoje diversos estudos a respeito de novos parâmetros de suplementação, bem como produtores utilizando mais silagem e concentrado (veja aqui artigo sobre esse tema).
Em comunicado oficial, a empresa pondera que, sob condições normais de clima e dada a evolução do rebanho, a receita deverá crescer mais do que as despesas, sendo previsto um resultado positivo já em 2012, com melhoria ainda superior a partir de 2013. (veja aqui o report oficial, em inglês)
A expectativa é também melhorar os resultados zootécnicos. No exercício iniciado em 1/7, pretende-se chegar a 3 vacas por hectare, 5.500 kg/vaca/ano e 16.500 kg/hectare, o que auxiliaria na obtenção dos resultados.
A NZFSU chegará lá? Difícil saber, mas a julgar pela motivação da equipe- totalmente formada por uruguaios - captada no dia de campo realizado em 6/9, é bem possível que sim. Há claramente uma ênfase grande na capacitação de recursos humanos, e uma política de promoção de pessoas que se destacam, independentemente da área. O gerente de uma das fazendas, por exemplo, era um cozinheiro que mostrou interesse e capacidade de liderança. No evento, lá estava ele explicando em detalhes o manejo das pastagens. A empresa ainda tem a política de ter 25% do quadro formado por mulheres, algo pouco usual na área rural.
(Foto 4) Sistema conta com instalações simples, bem no modelo neozelandês
De fato, os recursos humanos são o gargalo principal de qualquer atividade que envolva intensificação e uma mudança de filosofia de trabalho. Um dos gerentes de unidade de negócios (composta de 5 fazendas), ao ser questionado sobre o principal desafio, foi direto: "fazer as pessoas compreenderem o sistema de produção".
Sistema esse que, na opinião do gerente de operações Rafael Secco, ainda está sendo desenvolvido. "Em uma escala de zero a dez, nos damos hoje nota 6 a 7, mas em breve chegaremos a 8,5-9,0", sentencia. É certamente essa a expectativa que os acionistas do projeto têm, visando obter o resultado do investimento, que continua promissor.
(Viajei ao Uruguai a convite da empresa PPG Wrightson, que possui as forrageiras utilizadas no projeto. Veja outra matéria sobre o tema aqui.)