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As semelhanças entre o petróleo e o leite

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 12/05/2006

6 MIN DE LEITURA

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Em um momento de vendas difíceis no mercado de lácteos e petróleo nas alturas, fazer qualquer comparação entre ambos pode parecer ironia ou piada de mau gosto. Porém, alguns fatos recentes a respeito do chamado ouro negro podem ser aplicados ao nosso ouro branco. Não me refiro ao "affair"com a Bolívia, mas sim a tão sonhada auto-suficiência no consumo de petróleo, anunciada a quatro cantos na semana que antecedeu a nacionalização das reservas de petróleo pela Bolívia e que acabou sendo suplantada por ela em atenção.

O primeiro ponto que chama a atenção e que permite um relacionamento imediato entre leite e petróleo pode ser visto na figura 1. Nela, estão expostos os preços do leite em pó desnatado e do petróleo. Percebe-se que há clara correlação entre eles. Quando o preço do petróleo está elevado, como agora, o preço do leite também se eleva, e assim por diante.

Figura 1
 


Fonte: Richarts, IDF (2005)

Dois aspectos podem explicar dessa relação aparentemente improvável. O primeiro é que preços elevados de petróleo sugerem aumento da atividade econômica no mundo. De fato, é sabido que, apesar do nosso crescimento interno reduzido, o mundo vive um momento econômico especialmente interessante, com vários países crescendo a taxas acima de 5% ao ano. Muitos destes países possuem baixo consumo per capita, que em grande parte é dependente da renda e da atividade econômica. Com renda mais elevada, as pessoas consomem mais, principalmente se esse fenômeno ocorre em países com consumo que possui elevada elasticidade-renda, ou seja, países em que o consumo responde significativamente a elevações na renda per capita.

Em função disso, preços mais elevados para o petróleo tendem a refletir em preços mais elevados para alimentos como os lácteos. Analisando mais a fundo essa questão, constata-se que muitos dos principais importadores de lácteos são também grande produtores de petróleo, o que nos permite inferir que, se a atividade econômica implica em valores mais altos para o petróleo e para o leite, nesses países, como Argélia, Venezuela, Irã, Iraque, Arábia Saudita e outros, o fenômeno tende a ser ainda mais direto.

Além disso, conforme noticiamos no dia 10/05, os altos custos de petróleo afetam os custos de produção e transporte de lácteos, fazendo com que as empresas tentem repassá-los nos produtos (embora essa capacidade, em mercado de commodities, seja provavelmente limitada).

Mas a proximidade de leite e petróleo vai além disso, principalmente se analisarmos a questão interna. O Brasil, após décadas de balança comercial negativa em relação ao petróleo, finalmente atingiu a condição de superavitário, fruto de diversos investimentos como a plataforma P-50. O país, finalmente, se tornou auto-suficiente na produção de petróleo, da mesma forma que ocorreu recentemente com o leite. Em ambos os casos, a auto-suficiência não implica em importações zero ou exportações zero, mas sim em um fluxo de comércio em que produzimos mais do que consumimos internamente, resultando em sobras exportáveis.

Figura 2. Exportações e importações de petróleo pelo Brasil, de 2000 a 2006 (até fevereiro), em metros cúbicos

 


O déficit em relação ao comércio de petróleo sempre foi um tabu e a sua superação foi anunciada com grande dose de nacionalismo ("O Petróleo é Nosso", como colocou o Estadão em um caderno especial). Nesse processo um tanto ufanista, muitos comemoraram o fato de que, finalmente, não dependeríamos mais dos preços internacionais e poderíamos praticar preços mais próximos aos custos de produção.

Ledo engano. Mesmo na hipótese de não importarmos ou exportarmos 1 barril sequer de petróleo, a mera possibilidade de fazê-lo implica em alinhamento dos preços internos e internacionais. José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobrás, explica:

"O Brasil é uma economia aberta. Os preços da gasolina e derivados não podem ficar descolados do preço internacional.(...) O preço brasileiro não pode ficar permanentemente acima ou abaixo dos preços internacionais. Se ficar acima muito tempo, vai estimular que haja importação, o que vai forçar a queda do preço. Se ficar muito abaixo, vai estimular que outros agentes comprem da Petrobrás e exportem para o exterior. É impossível numa economia aberta manter os preços descolados do preço internacional".

Pois é. Tal cenário é muito parecido com o do leite. Mesmo com a auto-suficiência conquistada e volumes relativamente pequenos importados e exportados, o Brasil não pode se descolar do mercado externo, como já havia sugerido em editorial escrito em novembro de 2005, intitulado "O mercado internacional e o preço que o produtor recebe". Assim, é cada vez mais necessário acompanhar e compreender os preços internacionais, que, aliás, estão elevados, e os fatores que os influenciam.

David Zylbersztajn, primeiro diretor geral da ANP, coloca ainda a questão da competitividade a longo prazo como um fator determinante nessa análise. Caso os preços aqui sejam mais baixos do que os do mercado mundial em função da recém-conquistada independência, a capacidade de se investir em renovação dos estoques e em pesquisa e desenvolvimento, ingredientes fundamentais para a competividade neste segmento, seria altamente comprometida. Também, o estímulo ao desenvolvimento de alternativas mais econômicas, como o álcool, seria bem menor, bem como o estímulo ao uso racional de um recurso finito. Em resumo, criaria-se uma situação interessante de curto prazo, de alta popularidade, mas desastrosa a longo prazo. Esse tipo de populismo, segundo ele, foi adotado na Argentina, que congelou os preços do gás natural há alguns anos: no início, efeitos favoráveis; depois, queda nos investimentos e perda de competitividade internacional. Qualquer semelhança com os impostos de exportação de carnes e lácteos impostos pelo nosso vizinho neste governo podem não ser mera coincidência...

Zylbersztajn analisa mais a fundo a questão e aponta um aspecto relevante que permite encontrar mais um elo entre petróleo e leite. Para ele, ufanismos à parte e sem desmerecer a conquista da Petrobrás, uma parcela significativa da condição superavitária foi alcançada pelo baixo crescimento da economia brasileira, algo que encontra paralelo na redução do déficit comercial dos lácteos. É sabido que, desde o Plano Real, o consumo interno de leite vem patinando, crescendo muito menos do que a produção, culminando com o superávit. A mensagem é que, tanto no petróleo como no leite a conquista desta nova condição deve ser comemorada, mas há ainda muito o que se fazer.

A lição que podemos extrair do petróleo para aplicar ao leite é que cada vez mais estamos em um mundo integrado, o que nos força a acompanhar cada vez mais de perto as movimentações do comércio internacional, inclusive aquelas que causam distorções, como exportações carregadas de subsídios ou dumping.

Mesmo sem grandes volumes importados ou exportados, empresas vão exportar ou importar lácteos aos preços mundiais, que serão em larga medida refletidos nos preços ao produtor. Essa é uma condição fundamental para que consigamos criar uma cadeia produtiva e industrial capaz de competir de igual para igual com outros países, considerando que somos partidários do livre-mercado e da quebra de barreiras comerciais.

PS: apesar das semelhanças, há grandes diferenças entre leite e petróleo, a começar pelo preço. Enquanto o petróleo "ao produtor" está cotado a US$ 0,39 o litro, o leite custa pouco mais da metade, US$ 0,22 o litro...

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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RENATO FONSECA

BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 17/05/2006

Prezado Marcelo,



Achei interessante lhe enviar um trecho de um Relatório do USDA sobre as Perspectivas do Mercado de Leite, que menciona os possíveis efeitos do preço do petróleo sobre o preço do leite. Desculpe-me por enviá-lo em inglês



Saudações,



Renato Fonseca

Três Pontas - MG



World Dairy Prices



Global dairy product prices during 2005 have remained remarkably resilient sustained by well balanced markets, a weak dollar trend, and solid world economic growth. For milk powder and cheese, the export prices at the end of 2005 are virtually unchanged from the early part of the year. Butter has been easing in the past few months, but nevertheless, remains historically strong.



For 2006, the outlook is mixed. On the negative side, the high crude oil prices being experienced are likely to create economic drag in some country economies. In addition, the recent rather erratic strengthening of the dollar, if sustained, will serve to weaken prices.



In principle, the U.S. Federal Reserve likely will continue to raise short-term interest rates in an effort to stem inflationary pressures, and that should lead to an appreciation of the dollar throughout 2006. There are, however, several positive factors: global GDP for 2006 is currently expected to exceed 3 percent; the anticipated wave of Oceania dairy supplies for the current season appears less likely as New Zealand milk production falters; world dairy inventory levels remain fairly tight; and some major importing nations that are also petroleum exporters, such as Mexico, Algeria, and Russia, will benefit from high oil prices.



Therefore any price projections for 2006 will be particularly tenuous. Nevertheless, the outlook for the first half of 2006, at this time, appears to be fairly bright with the expectation that world dairy prices will weaken slightly but will still remain relatively high.
HELTON PERILLO FERREIRA LEITE

LORENA - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 16/05/2006

Renato,



Parabéns pela acuidade de perceber tal relação. Petróleo e leite. Eu nunca havia pensado nisto.

A princípio é evidente que o petróleo influi no custo de produção, mas isto não seria suficiente para "criar" a correlação. Além do fato de um ser geológico e o outro renovável, um combustível e outro alimento, um preto outro branco, poucas coisas têm em comum petróleo e leite.



Uma outra correlação que gosto de acompanhar é a do leite com a carne. Esta tem tudo a ver. São produtos de um mesmo animal, raças diferentes, mas produzidos em ambientes e condições assemelhadas. No Brasil uma arroba de carne vale 100 vezes um litro de leite.



Abraços,



Helton P. F. Leite

Engenheiro Agrônomo-Lorena/SP
RENATO FONSECA

BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 14/05/2006

Prezado Marcelo,



As suas observações, comparando as semelhanças entre o petróleo e o leite, são muito interessantes e merecem um estudo mais aprofundado. Gostaria de acrescentar alguns comentários ao seu artigo.



A primeira crise do petróleo (1973), como ficou conhecida a forte majoração de preço do barril de petróleo, seguiu-se uma segunda (1979) e, depois, uma terceira (1990 - Primeira Guerra do Iraque). Lembremos também que, por volta do ano 2000, o barril de petróleo chegou a valer US$ 11,00.



Como seria esperado, um aumento significativo do esforço exploratório, na busca de novas reservas de petróleo, seguiu-se a todos os períodos marcados por fortes aumentos de preço. De fato, novas reservas foram encontradas, tanto em áreas tradicionalmente produtoras, como em áreas que não apresentavam produção significativa de petróleo.



Alguns exemplos de áreas que experimentaram forte aumento da produção: Mar do Norte e Alaska. O aumento de produção de petróleo nessas áreas e em outras regiões, situadas em contexto geopolítico distinto do Oriente Médio, atenuou o poder de pressão que os países do Oriente Médio e da OPEP exercem sobre o preço do petróleo.



Ao citar estes fatos, quero chegar ao seguinte ponto: Será que ainda existem novas fronteiras exploratórias em regiões geopoliticamente estáveis, fora da área de influência da OPEP? Poderia citar pelo menos duas: Alaska e Antártica. Entretanto, ambas tem um componente ambiental muito importante, que, pelo menos por enquanto, tem impedido as atividades das empresas petrolíferas.



Esta, a meu ver, é a grande diferença da atual crise de preço: praticamente não há mais onde se descobrirem novas reservas de petróleo, longe da influência da OPEP. A outra diferença importante do momento atual é o forte crescimento econômico apresentado pelos dois países mais populosos do Mundo, ambos relativamente pobres em petróleo.



O leite, em oposição ao petróleo, é um recurso renovável e não-finito. Entretanto, há condicionantes climáticas, ambientais, demográficas, políticas, econômicas que limitam a capacidade de uma determinada região de produzir leite.



Penso que seria muito interessante a realização de um Estudo Geopolítico do Leite, a fim de identificarmos quais as regiões que já alcançaram o limite de produção, quais as que têm potencial de aumentar a produção, onde estão as regiões com maiores perspectivas de aumento do consumo, etc. Será que ainda existem regiões ou países que poderiam ser considerados novas fronteiras, ainda insuficientemente exploradas para a produção de leite?



Atenciosamente,



Renato Fonseca

Três Pontas - MG



Observação: o David Zylbersztajn não foi Presidente da Petrobrás e sim o primeiro diretor geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).



<b>Nota MilkPoint:</b>



Agradecemos ao leitor Renato Fonseca pela correção e informamos que a mesma já foi feita no texto.

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