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As lições que as crises nos trazem

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 20/07/2001

5 MIN DE LEITURA

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Marcelo Pereira de Carvalho

Para os otimistas, as crises sempre trazem lições importantes e, muitas vezes, são o fator que desencadeia a ação daqueles que são por elas mais afetados. E há exemplos à nossa volta que apóiam esta visão; a crise energética, para ficar no óbvio, conscientizou a população a respeito da necessidade da economia de energia nas residências e empresas (quem não percebeu que cometia excessos ?), como também o investimento em outras formas de geração de energia. O resultado destes duas conseqüências, no futuro, certamente será a utilização mais criteriosa da energia elétrica e um país melhor preparado para enfrentar problemas como este.

No caso do leite, as importações desenfreadas doeram no bolso do produtor e do país, mas serviram para alardear o problema e dar as condições para que as soluções fossem colocadas em prática, a ponto do setor lácteo nacional ser citado como referência em ações deste tipo. Se fossem um problema de menor importância, talvez o setor não tivesse se mobilizado para resolvê-lo.

Falando em problema, o produtor de leite assistiu a importantes transformações na última década do século passado. As quatro mais importantes foram a liberação dos preços por parte do governo, o crescimento vertiginoso do longa vida, que saiu de 4% de participação do mercado de leites fluidos em 1990 para mais de 70% no ano passado, o aumento das importações ao longo da década e a derrocada na maior parte das grandes cooperativas.

Todas estas tranformações se mostraram desfavoráveis ao produtor: a liberação dos preços, algo em tese desejável em economias de mercado, expôs a diferença no poder de barganha e do grau de informação entre indústria e produtores; o crescimento do longa vida, ancorado em baixos preços ao consumidor e em um alto custo de processamento, empurrou para baixo o valor que poderia ser pago pelo litro de leite ao produtor; a derrocada (ou a perda de força) das cooperativas, finalmente, deixou a opção de negociação direta entre produtores e a indústria, cada vez mais oligopolizada. Foi a junção da fome com a vontade de comer: como disse recentemente um produtor de leite, para uma indústria que processa 300.000 litros de leite/dia, 1 centavinho a menos no preço pago ao produtor representa R$ 1.095.000 a mais por ano no bolso, sem custo algum ! A tentação de remunerar menos o produtor é, portanto, muito forte.

Há que se considerar que os laticínios não têm nadado de braçada em relação ao resultado econômico. Eles também sofrem a relação desigual com o varejo e um mercado competitivo. Em recente levantamento da Revista Exame, Maiores e Melhores (julho 2001), o setor de alimentos foi um dos 5 de um total de 22 que tiveram redução nas vendas. Na verdade, foi o terceiro pior, com retração de 2,8% no ano, à frente apenas do setor farmacêutico e de serviços diversos. A margem média de lucro líquido ajustado foi de apenas 0,7% e a rentabilidade sobre o patrimônio de 1,6%. A Danone, por exemplo, teve prejuízo de US$ 51,3 milhões (há que se considerar a compra da Paulista). A Parmalat perdeu US$ 16,2 milhões e a Fleischmann Royal US$ 41,1 milhões (do outro lado, a Nestlé lucrou US$ 107,7 milhões e a Elegê US$ 15,1 milhões). A Itambé, uma cooperativa, perdeu US$ 1,6 milhão. Se pegarmos o faturamento da Itambé, de US$ 388,20 milhões (fonte: Revista Exame), considerarmos uma captação de 800 milhões de litros/ano, preço de, digamos, R$ 0,33/litro, e um dólar a R$ 2,50, o custo da matéria-prima perfaz entre 25 e 30% do faturamento da empresa. Nesta situação, evidentemente que a pressão por baixo custo da matéria-prima aumenta. Não há milagre.

Falando em cooperativa, é interessante lembrar que, não muito tempo atrás, muitos produtores esclarecidos cederam à tentação de deixar suas cooperativas, atraídos por alguns centavos a mais no litro de leite, o que muitas vezes se mostrou uma ilusão no médio prazo. Foi mais fácil mudar de lado e procurar soluções caso-a-caso do que tentar resolver as muitas ineficiências do modelo cooperativista, visando minimizar o risco de ser produtor de leite. Os dirigentes, em sua maioria, não perceberam que a vaca estava indo para o brejo e se mantiveram irredútiveis em seus métodos arcaicos de administração, não mais adequados à nova realidade.

Por outro lado, a atrofia do leite pasteurizado (especialmente o Leite B, que tinha mais a perder) em relação ao marketing, design de produtos e qualidade do produto abriu uma avenida para o longa vida, que soube aproveitar muito bem, mudando a geografia e o perfil de consumo de leite.

Note que, das quatro transformações acima citadas, apenas a barreira às importações teve um final feliz. Vamos lembrar, também, que é a única que afetava negativamente produtor e indústria, visto que parte da importação era realizada por oportunistas desvinculados do mercado de lácteos.

O que tudo isto quer dizer ? Ao longo da última década, o produtor de leite vivenciou situações para as quais não estava preparado. Sentiu e vem sentindo na própria pele as conseqüências deste despreparo. Porém, como colocado no início deste artigo, as crises servem para amadurecer e nos estimular a buscar soluções para os novos problemas. Não há dúvida que o nível de conscientização do produtor vem aumentando desde então. Em alguns estados, já há uma articulação forte e a informação chega mais rapidamente ao produtor. Muitos estão buscando associações locais para negociação do leite e insumos junto aos grandes laticínios. Novas formas de cooperativismo são cada vez mais discutidas. Enfim, o setor está em processo de amadurecimento, ainda que os resultados não estejam sendo totalmente capitalizados pelo produtor.

Por mais que o momento atual seja de dificuldades, ainda mais pela ducha de água fria emitida pela queda dos preços em pleno julho, o Brasil apresenta condições favoráveis para a produção de leite em grande quantidade. Assim como o país é exportador de grãos, café, suco de laranja e carne, pode muito bem ser exportador de lácteos. Se existia alguma dúvida disso, a desvalorização do real chegou para eliminá-la de vez. E os reflexos já estão sendo sentidos, não só pela freada nas importações, mas pelos investimentos de vários laticínios na produção de leite em pó.

Portanto, embora a situação hoje seja de descrédito por parte de muitas pessoas, há que se considerar que o país tem potencial de produção a custos competitivos, embora a organização do setor esteja ainda em seus primórdios.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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