No final do ano passado, o setor recebeu uma notícia que, em função da época, teve uma repercussão menor do que merecia, ainda que se tratasse apenas de uma possibilidade. Falo das negociações em torno da fusão entre cinco centrais cooperativas: Itambé, Cemil, Minas Leite, Centroleite e Confepar.
Se concretizada, a união resultaria em uma empresa produzindo 7 milhões de litros diários, tornando-se, da noite para o dia, a maior captadora de leite da América Latina. Não é pouca coisa, sendo ainda mais relevante pelo fato da possibilidade envolver cooperativas, historicamente avessas a movimentações dessa natureza. Essa empresa faturaria mais de R$ 4 bilhões anuais.
Temos colocado nesse espaço, há vários anos, a importância de movimentações nesse sentido, em um mercado cada vez mais competitivo e que define claramente as opções de competição: ou se trabalha com escala, diversificação de portfólio, captação em várias regiões, acesso aos mercados interno e externo, ou se decide por ser um player regional, que pode ser lucrativo, mas sem a pretensão de competir nacionalmente.
Ocorre que esse cenário se intensificou nos últimos anos, com a chegada da Perdigão, hoje BR Foods, tornando-se a segunda principal empresa de lácteos do país. Também, o vertiginoso crescimento da Bom Gosto, a entrada da GP no leite, com a aquisição da Morrinhos e a aquisição da Vigor pelo Bertin, hoje unido ao JBS, são fatos novos no tabuleiro do setor, colocando pressão extra nos competidores atuais. Segundo notícia dessa segunda-feira (01/02), outro frigorífico de peso, o Marfrig, estaria interessado na Parmalat, o que traria mais um participante potencialmente forte ao mercado.
De fato, é bem possível que tenhamos novas etapas nesse processo de consolidação. Após a crise de 2009, que fez o capital evaporar, as coisas começam a retomar seu curso anterior. As máximas que estimularam o início do processo de consolidação continuam válidas: mercado em crescimento, ainda bastante fragmentado e algumas empresas em dificuldades, gerando oportunidades.
No último evento da NRF (National Retail Federation - a associação dos varejistas dos Estados Unidos), ocorrido em meados de janeiro, vários grandes players do setor de varejo disseram que seus planos de investimento passaram pelo México e América Latina. Tirando o México, ao se falar América Latina leia-se Brasil. Isso ocorre porque a taxa de crescimento desse segmento nos EUA será bem menor do que a nossa e essa diferença é significativa ao considerarmos nossos 190 milhões de habitantes.
Se isso ocorrerá com o varejo (e movimentos como a fusão do Pão de Açúcar com as Casas Bahia já são um reflexo disso), é provável que empresas do setor de alimentação e fundos de investimento também assim o façam. O fato é que o Brasil será o tabuleiro do jogo para os próximos anos ou, ao menos, um dos tabuleiros. Quem quiser crescer vai precisar olhar para cá.
No caso dos laticínios, em especial cooperativas, percebe-se que esse processo de consolidação vem ocorrendo lá fora e deve continuar a ocorrer. Gigantes foram criados, como a FrieslandCampina, juntando as duas maiores cooperativas da Holanda, além da associação da Nordmilch com a Humana, na Alemanha.
Mas a movimentação que deve ser acompanhada mais de perto é a da Fonterra. Após refutar um plano de abertura de capital que viabilizaria a captação de recursos visando expansão da empresa, mas colocaria em risco a propriedade da cooperativa pelos cooperados, a empresa conseguiu captar recursos adicionais dos próprios produtores, possibilitando a melhoria no balanço da empresa e provavelmente viabilizando uma maior alavancagem financeira. Resta, ainda, a criação de uma bolsa para permitir a troca de ações entre os produtores, dando maior liquidez e deixando a empresa mais próxima do funcionamento das empresas de capital aberto.
Por tudo isso, é muito oportuno que as cooperativas no Brasil entendam esse contexto e se movimentem. Certa vez, Bill Gates, o homem mais rico do mundo, disse que se não tivesse aberto o capital da empresa, reduzindo drasticamente a proporção das ações que detinha, provavelmente a Microsoft estaria ainda em uma garagem, uma alusão ao local onde a empresa foi fundada. E ele, logicamente, não seria o homem mais rico do mundo.
O que está em jogo aqui é poder competir em um mercado de alguns poucos "cachorros grandes", ou então se contentar em ser um player regional (que pode ser uma boa alternativa para muitas empresas). E, para competir nesse mercado, como ensinou Bill Gates, é necessário que o projeto econômico se sobreponha ao projeto de poder que, historicamente, caracterizou o sistema cooperativista leiteiro no Brasil.
A julgar pela notícia a respeito das negociações entre as centrais, essa mudança de abordagem está ocorrendo e, como ocorre em diversos países, será positiva para equilibrar o mercado, beneficiando, no longo prazo, mesmo as empresas não cooperativas.