Marcelo Pereira de Carvalho
Que a situação está muito complicada para o setor produtivo, não restam dúvidas. Algumas bacias verificaram quedas de mais de 30% no preço pago pelo litro de leite produzido em junho para o de julho. A média ficou em 10%. Dados não oficiais apontam para demanda de leite fluido estagnada neste ano em comparação ao ano passado, ao passo que a produção tem aumentado entre 5 e 8%. Em algumas bacias, reporta-se produção de entressafra muito próxima da produção de safra. Por outro lado, os custos de produção estão mais altos, uma vez que em boa parte destes é atrelada ao dólar.
Há alguns consolos, contudo. O mais óbvio é que esta situação não pode persistir por muito tempo; o desestímulo à produção irá fatalmente desacelerar a oferta na mesma velocidade com que a impulsionou, regulando novamente oferta e demanda. É evidente que não se trata de uma solução que agrada, porque até lá a perda será significativa, com mais uma leva de produtores deixando a atividade, mas serve para mostrar que haverá luz no final do túnel para aqueles que esperarem o trem passar.
O outro consolo é a movimentação das entidades de classe no sentido de buscar alternativas para a crise. Fala-se em exportar rapidamente o excedente de leite, principalmente para países da América Latina, África e Ásia. Fala-se em financiar estoques de leite, se bem que trata-se de uma medida paliativa, pois o estoque precisará ser consumido em algum momento. Aliás, muitos analistas apontam justamente a construção de estoques no período de safra como um dos vilões do momento. Explica-se: esperava-se a entressafra, para que os estoques pudessem ser utilizados evitando elevações bruscas dos preços do leite. Como a entressafra não veio, não se desovou este leite. Juntando este fato com a freada no consumo, criou-se o excedente de oferta. De qualquer forma, o financiamento de estoques é uma alternativa emergencial que poderá ser utilizada, ao menos diluindo os efeitos da suposta sobre-oferta do momento.
Fala-se também em CPI do leite e denúncias de cartelização. Se deve ou não ser instalada uma CPI, é algo que não me cabe responder (nossa experiência com CPIs não tem sido das melhores). O fato é que tais denúncias precisam ser apuradas e o governo precisa estar sensível a este potencial instrumento danoso, que faz com que além das leis de mercado, o produtor tenha de conviver com a lei do mais forte. Em uma situação de mercado deprimido, o varejo joga a bola para a indústria, que a deposita no produtor que, por sua vez, não tem como repassar adiante.
Para mudar esta situação, nesta semana tivemos mais um consolo: as conversas em andamento entre a cooperativa mineira Itambé e a goiana Centroleite, no sentido de investir juntas em uma grande fábrica em Goiás, um indicativo de que pelo menos estas cooperativas e seus dirigentes acordaram para a necessidade de crescer para competir em pé de igualdade no mercado. Tal fábrica, se vier mesmo a se tornar realidade, pode representar o fim da agonia dos goianos e também do centro-sul, afetando menos estes mercados, em função da não dependência de venda de grandes volumes no mercado spot, como ocorre hoje. Vale notar que as conversas entre as duas cooperativas de produtores ocorrem com a participação ativa do governo goiano, preocupado com a sobrevivência da atividade leiteira no Estado.
Se a crise atual deixar como conseqüência a maior integração entre as cooperativas, enfim se profissionalizando, e a maior sensibilidade do governo para a questão do leite, minha opinião é que a crise terá saído barata para o setor, pelo menos pensando no futuro da atividade. Este talvez seja o maior consolo.