É interessante como algumas questões são recorrentes no que se refere às técnicas de produção de leite. A questão do sistema de produção é uma delas. Apesar das grandes transformações que têm pautado o setor nos últimos anos, como a granelização, a redução maciça das importações, o crescimento das exportações, a aprovação da nova legislação de qualidade e o próprio crescimento contínuo da produção, as discussões sobre os sistemas mais econômicos de produção de leite continuam as mesmas de 10 anos atrás. E, diga-se de passagem, trata-se de um assunto sempre quente, que invariavelmente desperta interesse de produtores, acadêmicos, técnicos e da indústria.
Um exemplo dessa polêmica pode ser acompanhado em tempo real no próprio MilkPoint, resultado do artigo publicado na seção Nutrição pelo nosso colaborador Alexandre Mendonça Pedroso, doutorando da ESALQ/USP (Como alimentar as vacas quanto o preço do leite cai - parte 1).
O autor, de forma bastante didática, mostrou o efeito do (correto) conceito de que o custo de manutenção das vacas é diluído no custo do litro de leite à medida que a produção aumenta, reduzindo, evidentemente, o custo fixo por litro de leite.
Mostra também que, à medida que a produção de leite aumenta, há a necessidade de aumentar a suplementação extra, com alimentos com maior teor de energia e proteína, para suprir as exigências para produção de leite, o que resulta em aumento de custos por vaca por dia. A viabilidade econômica da suplementação vai depender, portanto, de 3 parâmetros básicos:
- - custo da suplementação
- preço do leite
- resposta (kg de leite por kg de suplemento)
Como esses parâmetros variam de caso a caso, é evidente que é impossível fazer uma recomendação única ou concluir de forma definitiva sobre a viabilidade de aumentar a produção por vaca via suplementação. Sob baixos preços do leite e alto custo de alimentação, a suplementação caminha no sentido de se tornar desvantajosa. É o que ocorre, por exemplo, na Nova Zelândia, cujo custo da suplementação extra, aliado ao limitado preço do leite e à alta qualidade das forragens, torna a conta da suplementação normalmente vermelha. No entanto, em momentos nos quais, por alguma razão, a suplementação fica atrativa, o produtor neozelandês suplementa imediatamente, ou seja, o pastejo exclusivo é uma opção estritamente econômica e não "religiosa"!
No Brasil, em boa parte das situações, especialmente para o público que nos lê, a suplementação tende a ser econômica, pois temos suplementos comparativamente baratos e as pastagens tropicais têm menor valor nutrititivo (a única coisa em comum que temos é o preço do leite limitado!). Nossa situação reflete o oposto exato da Nova Zelândia: mesmo em sistemas a pasto, serão poucas as ocasiões em que a suplementação é desvantajosa economicamente. Isso vale analisando-se um grupo de animais dentro de um sistema de produção. Se, no entanto, o aumento da suplementação exigir outros investimentos, como aquisição de animais ou instalações extras, há necessidade destes investimentos serem considerados.
Um outro dogma é a contraposição entre produção por animal e produção por área. Noto que muitos dos que entendem que o pastejo de vacas em lactação é o melhor caminho para a rentabilidade, parecem repudiar a produção por animal, como se fosse antagônica à produção por área ou mesmo à lucratividade . Não há antagonismo algum. A suplementação não reduz a produção por área de vacas a pasto; pelo contrário, potencializa, não só pelo aumento de produção proporcionado pela suplementação, mas também pelo efeito substitutivo de parte da forragem, de forma que, em um mesmo hectare, se produz muito mais leite. Assim, quanto menor a área e quanto mais valiosa a terra, mais sentido faz em suplementar.
Por tudo isso, normalmente a maior suplementação resulta em maiores Retornos sobre o Custo de Alimentação (RSCA), ou seja, o que sobra de cada vaca, diariamente, para pagar os demais custos e gerar o lucro.
Porém, nossos leitores levantaram uma outra questão relativa a esse conceito: a de que o maior Retorno sobre o Custo de Alimentação não necessariamente gera maior lucro, porque o desgaste das vacas é superior, resultando em maior incidência de problemas reprodutivos, sanitários e maior descarte (veja as cartas do Prof. Fernando Madalena, do produtor Renato Fonseca e do Prof. Rodrigo de Almeida, além do zootecnista Renato Palma Nogueira, este compartilhando da opinião do autor).
Realmente esse é um ponto importante e precisa ser analisado. Se a maior RSCA for acompanhada de aumento de custos que não a alimentação - e muitas vezes é - é necessário ponderar mais. A conta precisa incluir esses eventuais custos extras, como maior descarte ou maiores gastos com medicamentos, por exemplo. Mais ainda: se, para se obter a própria resposta esperada pela suplementação, for necessário investir em melhores condições para os animais (ou mesmo melhores animais), treinamento de mão-de-obra, assistência técnica, etc, isso certamente precisa entrar na conta.
Utilizando os dados simulados pelo Dr. Alexandre para vacas de 10 e 30 kg de leite/dia e um preço de R$ 0,40/litro, mais próximo da média nacional hoje, vamos considerar que, além de diferenças no custo de alimentação, haja diferenças nos outros custos por vaca por dia (tabela 1).
Tabela 1. Comparação de vacas de 10 e 30 kg/dia
Trata-se, claro, de uma simulação, mas a tabela mostra que a vaca de 30 kg/dia poderia, nestas condições, gastar R$ 4,97 a mais por dia em custos além da alimentação e ainda assim geraria o mesmo lucro da vaca de 10 kg/dia (o retorno sobre capital investido é outra história).
O objetivo desse exercício é mostrar que a coisa não é tão simples assim e que "cada caso é um caso". Por essas variações, mesmo em sistemas padronizados, a relação entre produção e lucratividade não é linear, como atestam diversos trabalhos em países que têm estatísticas de custos de produção confiáveis (não é o nosso caso).
O Prof. Madalena, da UFMG, alerta que a análise do autor deveria se fundamentar "na margem líquida da fazenda e na rentabilidade do capital investido, e com dados reais, de alguém que ganhe dinheiro produzindo leite dessa forma".
O Prof. está corretíssimo. Porém, voltemos ao início desse artigo. Infelizmente, continuam faltando informações sobre custos de produção de leite e rentabilidade em função de uma série de parâmetros, como produção por vaca, módulo de produção, região, sistema de produção, etc, etc. O que existem, em sua maioria, são relatos isolados, de determinadas fazendas em determinadas situações, que informam seus custos de produção e sua rentabilidade, sem que sejam analisados a fidelidade dos dados, o histórico e a situação específica da fazenda. Mais confundem do que esclarecem.
São poucos os trabalhos que incluem acompanhamento de longo prazo, com coleta real de dados de custos de produção das fazendas. Esses acompanhamentos são normalmente trabalhosos e tendem a ser caros, o que implica, talvez, em sua não-adoção generalizada. Lembro-me agora do trabalho coordenado pelo Prof. José Ferreira Noronha, da UFG, em Goiás, entre outubro de 1997 e setembro de 1999. Ele acompanhou, durante esses dois anos, um grupo de 54 produtores, com estagiários visitando mensalmente cada fazenda, com o objetivo de acompanhar os custos, totalizando 720 visitas ao final do período. Esse trabalho, ao que consta, foi descontinuado. Se não o fosse, poderia, com o passar dos anos, trazer mais informações e ser inclusive expandido para outras regiões.
Há, mais recentemente e em pleno funcionamento, o Educampo, do Sebrae, que visa também trazer dados econômicos das fazendas e que, ganhando abrangência nacional, pode ajudar a destrinchar essas questões todas.
Por enquanto, ficamos nas simulações e nas opiniões, como há 10 anos atrás. De qualquer forma, estão todos de parabéns; o Dr. Alexandre Pedroso, por colocar um conceito correto, de forma didática e por ter levantado uma discussão oportuna e os nossos missivistas, pelas ótimas contribuições. Fica, ao final, apenas um desejo: que daqui há 10 anos, possamos avançar nessa discussão, a partir de uma boa base de dados, acumulada em situações reais.