Tabela 1. Crescimento da produção, em kg de leite, nas várias regiões brasileiras, entre 1990 e 2004
O menor desenvolvimento da produção leiteira no Nordeste pode ser associado a diversas causas, como a questão climática (a falta de água de fato é sempre colocada como o maior limitante ao desenvolvimento da região, o que nem sempre ocorre), pobreza e educação, entre outros aspectos que, afinal, estão entrelaçados e cuja análise foge do nosso objetivo nesse texto.
O ponto em questão é que, se as condições climáticas exercem seu papel, o Nordeste apresenta bolsões de grande potencial de desenvolvimento na produção de leite. Nas áreas irrigadas ou irrigáveis, não raro encontra-se uma combinação pouco comum e de grande potencial para o desenvolvimento vegetal, como alta insolação, solos muito férteis e topografia favorável. Unindo-se essas características à oferta de água na medida certa, sem os riscos do excesso de umidade que afetam os sistemas mais ao sul, tem-se um leque de sistemas de produção viáveis e, arrisco-me a dizer, extremamente competitivos.
Estive há alguns meses na Chapada do Apodi, na divisa entre o Ceará e o Rio Grande do Norte, e fiquei impressionado com o que vi. Não ainda em desenvolvimento da produção de leite, mas no potencial, que já vem sendo capturado por culturas altamente intensivas como a produção de frutas tropicais destinadas à exportação, como caju, melão, manga, abacaxi, maracujá e banana, além de milho e feijão. As condições encontradas - alta insolação (e proximidade do Equador), água para irrigação, solos muito fertéis e topografia favorável estão entre as mais interessantes para a alta produção por área.
Há vários anos, visitei também o sertão do Ceará, na região do Cariri, e novamente constatei condições muito interessantes, aliada a uma temperatura mais amena, que permite com mais facilidade a exploração de raças mais especializadas, sem contar a existência de alternativas de suplementação nas regiões mais secas, como a palma forrageira.
Um dos novos investimentos na produção de leite vem sendo feito no Oeste da Bahia, fronteira com Goiás, com a participação de produtores de leite da Nova Zelândia. Esses investidores encontraram terras baratas, água disponível, topografia favorável e calor/insolação que viabiliza a produção de pastagens tropicais.
Essas constatações e sinais sugerem que o Nordeste, ao menos em algumas áreas específicas, poderá se constituir em polo importante de desenvolvimento da produção. E, a se concluir pela repercussão do artigo do zootecnista Rodrigo Gregório da Silva, sobre sistemas de produção na região, a consciência a respeito do desenvolvimento de alternativas sustentáveis para a produção vem crescendo, trazendo boas perspectivas de desenvolvimento (clique aqui para ler o artigo).
Se na produção é possível esperar avanços substanciais, passemos a analisar a localização dessa região no que se refere à proximidade dos centros de consumo, interno e externos.
Segundo o IBGE, o consumo de lácteos no Nordeste está entre os mais baixos do país. De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar 2002/2003, enquanto a média brasileira envolvia gastos de R$ 27,58 mensais com lácteos por família, no Nordeste esse valor foi menor - R$ 22,18, ao passo que na região Sudeste atingia, no mesmo período, R$ 31,88, sugerindo um potencial de crescimento caso as condições econômicas melhorem. Vale lembrar que são 51 milhões de habitantes.
Pode-se afirmar que a questão da renda está na raiz dessa disparidade de consumo, argumento que tem validade. Há, porém, duas novidades nesse cenário. A primeira é o incremento de renda, ainda que através de programas assistencialistas, de parcela significativa da população (em muito contribuindo para a enorme popularidade do presidente Lula na região), trazendo para a zona de consumo uma parcela crescente da população local. A região vem crescendo a uma taxa chinesa, de 10% ao ano, sendo responsável por uma parcela importante das vendas de diversas empresas, como a própria Nestlé, que tem 30% de seu faturamento de R$ 11,5 bilhões advindos da região Nordeste.
Esse crescimento levanta nas empresas a necessidade de descobrir quais produtos e canais de distribuição são os mais adequados para se atingir esse público que desperta para o consumo e que apresenta características de consumo diferentes das verificadas em outras regiões. Para citar um exemplo, em se tratando de leite para consumo, o Nordeste não tem a predominância do UHT, como em outras regiões, mas sim do leite em pó. Será que o UHT tal qual o conhecemos hoje é o formato adequado para se conquistar o mercado nordestino, onde, apesar do crescimento da renda, grande parte da população pertence às classes C, D e E, tendo poder de consumo mais reduzido? Pode-se questionar também os canais de distribuição - novamente a Nestlé vem testando vendas porta-a-porta que, caso se comprovem viáveis, poderão ser implantadas em outras regiões marcadas pelo alto crescimento e pela inserção de novos consumidores, com hábitos distintos, como é o caso da própria China.
Essa realidade representa a segunda novidade. Enquanto tradicionalmente os mercados das classes A e B tem sido considerados os mais atraentes, um número crescente de empresas percebeu que é possível atingir crescimento e rentabilidades elevadas atuando na chamada "base da pirâmide", conforme mostrou o consultor C.K. Prahalad, em seu livro "Riqueza na Base da Pirâmide". Porém, a refeição não é grátis. É preciso entender, através do marketing, como atingir esse consumidor, estando nesse ponto grande parte dos esforços de várias empresas. Muitas empresas já atuam nesse mercado, quietas, há vários anos, com resultados significativos.
Há, ainda, um outro ponto favorável relativo à localização do Nordeste. Trata-se da proximidade do mercado externo. Não falo necessariamente da Europa ou Estados Unidos, mas principalmente do México, Caribe e Venezuela, que respondem por parcela relevante do mercado importador mundial e que estão muito próximos do Nordeste. A infra-estrutura para exportação já existe, fruto do escoamento das frutas, e deve ser incrementada com a ferrrovia Transnordestina, que ligará os dois principais portos do Nordeste - Suape, em Pernambuco, e Pecém, no Ceará - à nova fronteira agrícola do país, que se estende do sul do Maranhão, passando pelo sudeste do Piauí, até o oeste da Bahia.
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A melhoria da infra-estrutura, aliada à proximidade com mercados importadores importantes, abre caminho para o desenvolvimento de projetos para exportação de lácteos, partindo-se do princípio que é possível produzir de forma competitiva, conforme acredito que pode ser. Essa mesma infra-estrutura desenvolvida poderá, por outro lado, facilitar o transporte de leite (principalmente pré-evaporado) de outras regiões, daí a importância da região desenvolver sistemas produtivos viáveis caso queira manter para si o valor que poderá ser gerado.
Tudo isso somado sugere que o Nordeste pode ser a nova fronteira do leite. Claro que são conjecturas, há limitações que precisam ser resolvidas e nem sempre os caminhos do desenvolvimento seguem os rumos esperados. Além disso, confesso que não sou um profundo conhecedor da região, o que embute algum resíduo na análise. De qualquer forma, o artigo trata de conjecturas e, dentro delas, coloco minhas fichas nessa região. Não me surpreenderá, se nos próximos 10 anos, a região Nordeste receber investimentos em novas plantas de industrialização e no fomento da atividade leiteira, com o grau de profissionalismo existente em outras atividades agrícolas verificadas na região.