Um dos assuntos em maior evidência desde o ano passado é o crescimento das exportações de lácteos, a ponto de, junto com a redução nas importações, ter alçado o país à condição de exportador líquido em 2004.
Mesmo considerando o superávit de US$ 11 milhões relativamente modesto e até instável, dada sua participação pequena em relação ao montante consumido e produzido no país, a comemoração e o barulho feito em cima do tema são muito oportunos, por várias razões.
A primeira é pelo simples fato de, em menos de 10 anos, termos saído de uma situação de déficit próximo a US$ 500 milhões anuais para o atual superávit, o que por si só é digno de nota em qualquer setor.
Em segundo, pode-se apontar a conveniência da chamada "válvula de escape", ou seja, a possibilidade de ter um outro mercado que não apenas o interno e que possa, em momentos nos quais exista vantagem econômica, ser o destino de parte da produção interna. A existência de outros mercados é fator de estabilidade, ganhos potenciais e segurança adicional para produtores e indústrias, tanto que, depois que as exportações se tornaram realidade, os preços não oscilaram tanto e o otimismo há tempos perdido, retornou. A ressalva é que não se pode levar o conceito de "válvula de escape", ao pé-da-letra pois, para poder exportar, é preciso ter sempre alguma participação no mercado exterior, ainda que pequena. Não se pode deixar de honrar contratos ou simplesmente sumir do mercado em momentos menos interessantes, sob o risco de não conseguir voltar quando se precisa ou de pagar um preço (deságio nos produtos) para vender.
A outra vantagem importante das exportações reside no impulso à melhoria da qualidade. Por mais que já estejamos sendo bem sucedidos nas incursões ao mercado externo, à medida que incomodemos mais os concorrentes ou que desejemos abrir novas frentes, provavelmente barreiras irão surgir e, dentre elas, os aspectos ligados à qualidade do leite podem limitar nosso crescimento. Acredito que as exportações podem representar um impulso até maior à melhoria da qualidade do leite do que aspectos legais, que certamente precisam também existir. As empresas exportadoras são em geral de grande porte, líderes em seus setores e que têm condições de influenciar não só sua cadeia direta de fornecedores, mas o perfil de grande parte do setor produtivo. Esse impulso modernizador ocorreu também com outras cadeias que, hoje, estão preparadas para competir em pé de igualdade com empresas de qualquer país.
Um quarto aspecto positivo muito importante causado pelas exportações e pela abertura de mercados - e que tem sido pouco comentado - é a internacionalização das empresas nacionais, que passam a comercializar seus produtos em outros países e a ter de se comparar, em termos de eficiência operacional e econômica, com concorrentes em diversas partes do mundo. Ou seja, ao brigar por mercados em países como Argélia, Iraque ou Angola, é preciso saber quem são os concorrentes e como operam, quais suas medidas de eficiência operacional, como financiam seu capital e outros aspectos mais. Isso, obviamente, abre um campo considerável para evolução e, porque não, para detecção de oportunidades comerciais antes impensadas.
Ao se analisar, por exemplo, a Sadia, empresa há muito tempo exportadora, e a sua concorrente norte-americana Tyson Foods, conclui-se que a Tyson é mais de 10 vezes maior, mas a Sadia é mais eficiente, com maior margem de contribuição (vendas menos custos diretos dos produtos vendidos) do que a Tyson. Por outro lado, a Sadia perde no chamado "overhead", que são as despesas administrativas, dado o seu porte menor, bem como perde nos custos financeiros, dado o maior custo de capital. Esse tipo de análise ganha relevância ainda maior ao se considerar que o mundo caminha, mesmo que lentamente, para um mercado mais aberto, onde as empresas competirão em um mercado mais globalizado. A ALCA, se sair, trará um contorno potencialmente interessante às empresas brasileiras, que tendem a se tornar mais eficientes operacionalmente até como necessidade para compensar as desvantagens de porte e custo financeiro.
Há, ainda, um outro aspecto muito favorável das exportações, ainda falando das empresas. É a identificação de novos produtos e oportunidades comerciais que antes não existiam ou que eram pouco relevantes. Não só o leite em pó, mas principalmente os leites evaporado e condensado, representam novas oportunidades em que somos competitivos e agregamos valor. Diversas empresas estão ampliando ou construindo novas plantas para esses produtos que, exceto em relação ao leite em pó, praticamente não apresentam concorrentes de peso (com volume e custo competitivo) no mercado.
Outro ponto interessante a ser analisado é que a onda exportadora vem sendo surfada tanto por multinacionais como por empresas nacionais, de vários portes e estrutura de capital. Multinacionais como a DPA e cooperativas como a Itambé estão estruturando projetos de exportação, pensando no longo prazo. Indústrias de queijo também começam a ganhar mercado no exterior.
Tudo isso vem acontecendo em um ritmo mais rápido do que se poderia pensar. Há 10 anos, a exportação era só um exercício teórico, motivado pelo cálculo do potencial de produção do país e do absurdo que se importava. Hoje, é uma realidade, mesmo considerando que, no momento atual, o dólar está dificultando (ainda bem que os preços externos de lácteos estão altos!).
Pode-se apontar algum exagero nessa análise. Afinal, a onda é ainda pequena, os números são modestos e estão sujeitos a chuvas e trovoadas passageiras. No entanto, tudo indica que o setor leiteiro está ganhando grande impulso com o crescimento das exportações e que, com sua consolidação, estará muito melhor capacitado para gerar valor aos seus integrantes no médio e longo prazo.