Este texto é parte da palestra apresentada por Joseph C. Dalton, no XIV Curso Novos Enfoques na Produção e Reprodução de Bovinos, realizado em Uberlândia (MG) em março de 2010.
Clique para conferir a primeira e segunda parte do artigo "Oportunidades e Desafios do Sêmen Sexado".
Por que existe uma redução na taxa de concepção quando é usado sêmen sexado?
Os motivos específicos contribuindo para a menor fertilidade após a inseminação com sêmen sexado, quando comparada com a de sêmen convencional, são desconhecidos. Segundo Seidel e Schenk (2006) a diminuição nas taxas de concepção quando a inseminação é feita com sêmen sexado podem se dever a: 1) lesão ao espermatozóide durante o processo de coloração antes da citometria de fluxo; 2) exposição do espermatozóide ao raio laser forte durante a separação; e 3) centrifugação para concentrar os espermatozóides antes da colocação nas palhetas.
Mocé et al. (2006) argumentam que a redução na fertilidade observada quando os animais são inseminados com sêmen sexado pode ser decorrente de: 1) mudanças na qualidade dos espermatozóides sexados o que levaria a uma redução nas taxas de fertilização; e 2) problemas com o desenvolvimento embrionário após a fertilização. Dados de Sartori et al. (2004) fornecem evidências que corroboram a afirmação de que sêmen sexado pode levar a problemas com o desenvolvimento embrionário, já que eles encontraram aumento na porcentagem de embriões degenerados em novilhas holandesas superovuladas e inseminadas com sêmen sexado quando comparadas a outras inseminadas com sêmen convencional (53% vs. 24%, respectivamente).
Por outro lado, DeJarnette et al. (2009) relataram que novilhas que não emprenharam com sêmen sexado "apresentavam maior probabilidade de retorno ao estro em um intervalo normal de 18-24 dias do que novilhas que não emprenharam com sêmen convencional." Considerando os dados de Sartori et al. (2004), DeJarnette et al. (2009) argumentaram que o aumento na mortalidade embrionária decorrente do uso de sêmen sexado provavelmente ocorre antes do período de reconhecimento materno-fetal, ou seja, a maioria das novilhas retorna ao estro em intervalos normais.
Outros fatores que podem contribuir para a redução na fertilidade quando se usa sêmen sexado podem ser: 1) o fato de que ainda não se consegue saber se a amostra de sêmen de um touro é capaz de resistir ao processo de sexagem e ainda manter uma fertilidade aceitável antes de se fazer a separação, congelamento e descongelamento; 2) o baixo número de espermatozóides depositados na fêmea; e 3) mudanças na membrana dos espermatozóides resultando na aceleração da capacitação e reação acrossomal nos espermatozóides sexados após o processo de congelamento e descongelamento (Mocé et al., 2006).
Em 2006, Mocé et al. argumentaram que mudanças no processo de sexagem ou no protocolo de congelamento poderiam minimizar os problemas de aceleração da capacitação e reação acrossomal, resultando assim no aumento da fertilidade do sêmen sexado. Na verdade, Rath et al. (2009) descreveram um novo protocolo de sexagem que incluem modificações no processamento e congelamento. Os dados iniciais do campo indicam que a fertilidade (medida pelas taxas de parição) é semelhante para novilhas inseminadas com sêmen sexado (73,6%) e sêmen convencional (76,7%) usando ejaculados divididos (Rath et al., 2009). O principal efeito desse protocolo modificado parece ser o aumento no tempo em que os espermatozóides sexados ficam vivos após o descongelamento. Mais especificamente, como medido pela incubação por 6 horas, Rath et al. (2009) puderam demonstrar a manutenção da motilidade e integridade acrossomal em níveis semelhantes aos do sêmen convencional. Embora esses resultados sejam promissores, ainda são necessárias mais pesquisas antes de esses procedimentos modificados poderem ser recomendados para uso comercial.
Por que não usar um número maior de espermatozóides por dose de sêmen sexado?
Se ignorarmos por um momento as limitações atuais na eficiência da sexagem e assumirmos que novos desenvolvimentos permitirão aumento na velocidade de separação dos espermatozóides --- qual seria o efeito de aumentar o número de espermatozóides sexados por dose? Para entender completamente os resultados de pesquisas recentes sobre o efeito da dose de sêmen sexado sobre as taxas de concepção (DeJarnette et al., 2008), é importante entender os princípios básicos da diluição e sexagem do sêmen. Salisbury e VanDemark (1961) foram os primeiros a sugerir a relação entre quantidade e qualidade do sêmen, quando disseram que a fertilidade aumentava com o aumento no número de espermatozóides viáveis inseminados até um determinado limite.
Após esse limite, a população de fêmeas se torna o fator limitante e um aumento na quantidade de espermatozóides não resulta em maior aumento na fertilidade. Isso pode ser observado na Figura 1, onde o touro B alcança esse valor limite para resultados ideais com 15 × 106 espermatozóides por dose. De acordo com Salisbury e VanDemark (1961), aumentos adicionais no número de espermatozóides para o touro B não levam a aumento na fertilidade, porque o fator limitante agora é a fertilidade da população de fêmeas. Por outro lado, os touros A e C não alcançam esse valor limite para resultados ideais mesmo quando são usadas doses contendo 20 × 106 espermatozóides (Figura 1).
A Figura 1 evidencia graficamente que existem características seminais "compensáveis" e outras "não compensáveis", como descrito inicialmente por Saacke et al. (1994). As deficiências do sêmen que se apresentam sob a forma de redução na fertilidade quando o número de espermatozóides está abaixo do limite, e que podem ser compensadas ou minimizadas pelo aumento da dose de espermatozóides podem ser consideradas "compensáveis". As características compensáveis na qualidade do sêmen parecem estar relacionadas com a viabilidade dos espermatozóides, mais especificamente com a capacidade de os espermatozóides inseminados não apenas chegarem ao óvulo, mas também de se ligarem a ele, penetrarem a zona pelúcida e iniciarem o bloqueio à poliespermia (Saacke et al., 1994).
Sendo assim, se uma amostra de sêmen contém uma porcentagem baixa de espermatozóides viáveis, isso pode ser compensado aumentando o número de espermatozóides por dose. Por outro lado, as deficiências seminais que levam a uma supressão da fertilidade independentemente da dose de espermatozóides são consideradas "não compensáveis". Como ilustrado na Figura 1, a fertilidade máxima dos touros A e C é uma função de características não compensáveis e da fertilidade ideal da população de vacas. Características de sêmen não compensáveis estão associadas com alterações na morfologia dos espermatozóides e integridade do DNA, e se manifestam através da incapacidade de os espermatozóides completarem o processo de fertilização e sustentarem o desenvolvimento embrionário inicial (Saacke et al., 1994).
Figura 1. Relação entre o aumento no número total de espermatozóides e o aumento na fertilidade como sugerido inicialmente por Salisbury e VanDemark (1961).
DeJarnette et al. (2008) estudaram recentemente o efeito da dose de sêmen sexado sobre a taxa de concepção de novilhas leiteiras virgens e vacas em lactação. Nesse estudo foram usados três touros, com doses de sêmen sexado contendo 2,1; 3,5; e 5,0 × 106 espermatozóides. Após 2.125 serviços em novilhas, foi observada uma resposta significativa na taxa de concepção com o aumento no número de espermatozóides por dose para apenas um reprodutor (Figura 2; touro A). Da resposta quase que linear ao aumento no número de espermatozóides por dose, fica aparente que o touro A tinha poucas características não compensáveis (Figura 2).
Por outro lado, o número de espermatozóides por dose não influenciou as taxas de concepção nos animais inseminados com sêmen dos touros B e C. Embora o aumento numérico na taxa de concepção do touro B quando o número de espermatozóides por dose foi aumentado de 2,1 para 3,5 × 106 tenha dado evidências de características compensáveis, tanto o touro B quanto o C parecem ter níveis semelhantes de características não compensáveis, como se pode observar ao comparar a fertilidade resultante da inseminação com doses contendo 3,5 e 5,0 × 106 espermatozóides.
De maneira geral, não houve efeito da quantidade de espermatozóides por dose sobre a taxa de concepção (46,7; 51,2; e 52,5% para doses contendo 2,1; 3,5; e 5,0 × 106 espermatozóides, respectivamente). Finalmente, dentre os rebanhos que usaram mais de 50 doses de sêmen sexado, a média das taxas de concepção foi 47% (variando de 33 a 68%) (DeJarnette et al., 2008).
Figura 2. Efeito do touro e do número de espermatozóides por dose de sêmen sexado sobre as taxas de concepção de novilhas leiteiras virgens (Adaptado de DeJarnette et al., 2008).
Diferentemente dos resultados com as novilhas, DeJarnette et al. (2008) relataram que não houve efeito do número de espermatozóides por dose de sêmen sexado sobre as taxas de concepção de vacas em lactação (2.369 serviços), mesmo considerando que os mesmos ejaculados dos mesmos reprodutores tenham sido usados nas vacas e nas novilhas. Será que isso significa que as vacas em lactação respondem de maneira diferente à concentração do sêmen do que as novilhas?
DeJarnette et al. (2008) acreditam que não, já que esses dados mostram que a fertilidade potencial da população de fêmeas (como descrita por Salisbury e VanDemark, 1961) impõe limites biológicos para a capacidade de características do sêmen influenciarem uma resposta observável sobre a fertilidade. Além disso, DeJarnette et al. (2008) afirmaram que é possível que outros fatores sejam mais limitantes para a concepção do que a qualidade do sêmen e a concentração espermática e que esses outros fatores talvez diminuam a capacidade de detecção de diferenças nas taxas de concepção associadas aos tipos de sêmen usados nesse estudo. Nos rebanhos que usaram ≥ 50 doses de sêmen sexado, a média das taxas de concepção foi 30% (variando entre 15 e 41%). O número de lactações tendeu a influenciar as taxas de concepção, já que vacas em primeira e segunda lactação apresentaram taxas de concepção numericamente mais altas (30,4% e 31,1%, respectivamente) do que as vacas com três ou mais lactações (25,6%; DeJarnette et al., 2008).
Considerando as atuais limitações na eficiência do processamento (relacionadas principalmente ao número de doses por hora) e dados publicados sobre as taxas de concepção após IA com sêmen sexado e com concentrações diferentes (Seidel et al., 1999; Seidel e Schenk, 2002; DeJarnette et al., 2008), não há evidências suficientes para indicar a necessidade de aumentar o número de espermatozóides por dose (para todos os touros). Na verdade, DeJarnette et al. (2008) argumentam que a grande variação nas taxas de concepção obtidas no estudo que fizeram com sêmen sexado em vacas (15 a 41%) e novilhas (33 a 68%), apesar de terem usado os mesmos reprodutores e o mesmo pool experimental de sêmen, indicam que existem muitas oportunidades para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de técnicas de manejo nas fazendas que podem ajudar a melhorar a fertilidade de vacas e novilhas.
Algumas considerações finais
Produtores de leite que usarem sêmen sexado, terão sucesso apenas se tiverem boas técnicas de manejo. É muito importante lembrar as seguintes recomendações quanto ao uso de sêmen sexado:
-Uso em novilhas bem manejadas e bem desenvolvidas.
-Inseminar aproximadamente 12 h após a observação do cio.
-Descongelar as palhetas em água morna (35 graus C) por pelo menos 45 segundos.
-Não usar sêmen sexado em programas de IA a tempo fixo.
A precisão na detecção do cio e a utilização de inseminadores bem treinados é essencial para maximizar a fertilidade com sêmen sexado. Além disso, produtores com rebanhos com manejo inadequado, falhas na detecção de cio, manuseio inadequado do sêmen e deposição no local incorreto continuarão a ter problemas com a fertilidade e podem até mesmo ter quedas importantes na taxa de concepção se tentarem usar sêmen sexado.
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