Este texto é parte da palestra apresentada pelo Dr. Peter J. Hansen, da Universidade da Flórida, no XI Curso de Novos Enfoques na Reprodução e Produção de Bovinos, realizado em Uberlândia em março de 2007
Mensagens a serem lembradas
- O estresse térmico pode ser um problema difícil de combater.
- Mantenha as vacas em ambiente o mais fresco possível, garantindo acesso a sombra, ventilação forçada e a algum tipo de resfriamento evaporativo, como sprinklers ou nebulizadores.
- Avalie a temperatura corporal das vacas à tarde para determinar se as medidas tomadas estão sendo realmente eficazes para manter as vacas confortáveis e para tomar medidas necessárias caso a temperatura esteja acima de 39 ºC.
- Use marcas de giz na base da causa ou outros dispositivos para facilitar a detecção do estro durante o verão.
- Considere o uso de protocolos de sincronização durante o verão para aumentar o número de vacas submetidas a inseminação. Protocolos de sincronização são economicamente viáveis exatamente em épocas em que a taxa de detecção de estro é muito baixa.
- Caso esteja considerando usar touros para monta natural durante o verão, assegure-se de que eles não estão sendo prejudicados pelo estresse térmico.
A vaca de alta produção passa a apresentar aumento de temperatura corporal em temperatura ambiente de apenas 26,6 ºC. Como resultado, o estresse térmico causa problemas em quase todos os Estados Unidos, até mesmo em locais no extremo norte como Wisconsin (região fria). As vacas expostas ao estresse térmico apresentam queda no consumo de ração, redução na produção de leite, baixo nível de expressão dos sinais de estro e infertilidade.
Vacas apresentam elevação de temperatura corporal durante o calor, pois não são capazes de eliminar de forma eficiente o calor produzido em seu organismo para o ambiente. Como as vacas de alta produção de leite geram mais calor que as de baixa produção, os efeitos do estresse térmico são mais intensos à medida que aumenta a produção leiteira. A depressão de fertilidade é mais intensa e mais prolongada durante o verão em vacas que produzem acima 9.072 kg de leite por lactação que em vacas que produzem entre 4.536 kg e 9.072 kg de leite. As vacas que produzem menos de 4.500 kg de leite apresentam redução menos expressiva da fertilidade.
Isto significa que à medida que continuarmos a aumentar a produção de leite (através de seleção genética, melhores práticas nutricionais, etc.), as vacas ficarão mais suscetíveis ao estresse térmico. Muito se discute quanto à menor fertilidade atual da vaca leiteira se comparada a níveis de 20 ou 30 anos atrás. Parte deste declínio se deve à maior suscetibilidade do gado de leite ao estresse térmico. A redução do impacto do estresse térmico sobre a reprodução é uma das maneiras de reverter parcialmente esta redução histórica da fertilidade de vacas leiteiras.
Medidas além do resfriamento das vacas
Em regiões tais como os estados da Flórida e Arizona dos EUA, em que o estresse térmico é um problema contínuo e bastante grave, a abordagem mais comum adotada por produtores de leite para minimizar seus efeitos é a modificação das instalações para permitir o resfriamento das vacas. Tais modificações incluem a instalação de coberturas para fornecimento de sombra, sprinklers, ventiladores e nebulizadores e estão além do escopo deste trabalho.
Três pontos, entretanto, são extremamente relevantes. Primeiro, o resfriamento das vacas pode ser uma maneira importante de reduzir os efeitos do estresse térmico sobre a produção de leite e deve ser incorporado nos sistemas de produção leiteira quando as condições assim o permitirem. Segundo, novos sistemas são continuamente avaliados por pesquisadores, como novos métodos de resfriamento tais como ventilação tipo túnel, que talvez se consolide como sendo mais eficaz que os sistemas existentes baseados em ventiladores em associação a sprinklers e pulverizadores. Finalmente, é importante salientar que os sistemas de resfriamento não costumam eliminar a depressão sazonal de fertilidade, pelo menos em locais como a Flórida, em que o estresse térmico pode ser bastante intenso.
A incapacidade dos atuais sistemas de resfriamento de eliminar o efeito de depressão da fertilidade durante o verão levanta a necessidade de outros métodos para melhorar os índices reprodutivos em épocas de estresse térmico. Este trabalho discute abordagens para melhorar a eficiência reprodutiva durante o verão, baseadas em atenuação dos efeitos do calor sobre a fisiologia das vacas.
Aspectos da reprodução afetados pelo estresse térmico
Explicando de uma maneira simples, é difícil emprenhar as vacas durante o estresse térmico, pois:
1) A detecção do cio é bastante difícil
2) Mesmo que o cio seja detectado, poucas vacas concebem depois de inseminadas.
A detecção do estro não é fácil mesmo na ausência de estresse térmico. Com o uso do sistema HeatWatch® para registro de todas as montas, pesquisadores da Virginia Tech University estimaram que o estro em vacas leiteiras em lactação tem a duração de apenas 7-10 horas. Durante este período, são registradas em média 8-10 montas das vacas. O tempo gasto por monta (calculado como o número de montas dividido pelo tempo em que a vaca é montada) é de somente 24 segundos.
Outro fator complicador é o fato de que o estro torna-se mais curto à medida que o produção leiteira aumenta. Um ponto importante a ser considerado é que as vacas que têm fraca manifestação do estro (ou seja, não são montadas muitas vezes ou não exibem estro por longo período) são tão férteis quanto as vacas muito ativas sexualmente durante o estro (ver Tabela 1). Assim, a falha de identificação das vacas com sintomas fracos de estro tem o mesmo efeito sobre as taxas de concepção do rebanho quanto a falha de identificar uma vaca com comportamento sexual muito intenso.
Tabela 1. Efeito da intensidade do estro sobre as taxas de concepção em vacas em lactação.1
1De Dransfield et al., J. Dairy Sci. 81, 1874-1882 (1998).
Considerando o comportamento das vacas, não causa surpresa de que tantos estros não sejam detectados. Em um estudo na Flórida, por exemplo, mais de 40% dos períodos de estro não foram detectados nos melhores meses. Nos meses piores, associados ao estresse térmico, o índice de falha de detecção de estro chegou a 75-80%. A dificuldade de detecção de estro durante o verão acontece pois o calor reduz tanto a duração do estro quanto o número de montas.
Outro importante efeito do estresse térmico sobre a reprodução é a redução da proporção de vacas que emprenham depois da inseminação. A magnitude da depressão da fertilidade durante o verão pode ser bastante significativa - taxas de concepção de 10% ou menos são comumente observadas na Flórida nos meses de verão.
Existem várias causas para a baixa fertilidade durante o estresse térmico. Uma ação do estresse térmico ocorre sobre o folículo ovariano - a estrutura em que ocorre o desenvolvimento do oócito. As vacas submetidas a estresse térmico tendem a produzir oócitos de menor capacidade de fertilização e, caso ocorra a fertilização, os embriões passam a ter desenvolvimento anormal.
Vacas expostas a estresse térmico tipicamente apresentam elevação da temperatura corporal, que passa a ser alta o bastante para danificar diretamente o oócito ou matar o embrião. Além disso, os níveis séricos de progesterona, hormônio responsável pela manutenção da prenhez, podem estar reduzidos em vacas submetidas a estresse térmico.
O quanto é quente demais?
Em regiões como a Flórida, não é difícil prever quando existe a possibilidade de que o calor cause estresse. Quase todos os dias de verão são quentes o bastante para comprometer a reprodução e reduzir a produção de leite. Em outras regiões, não é tão fácil prever se o clima pode ou não afetar negativamente as vacas. Assim, uma série de índices foram desenvolvidos para ajudar a prever se as vacas estão sendo expostas a estresse térmico. O índice mais comum relaciona temperatura e umidade, sendo calculado a partir dos valores de temperatura ambiente e umidade relativa.
Estes índices representam apenas uma indicação do possível estresse térmico, pois a temperatura corporal da vaca depende também de outras variáveis ambientais além de temperatura ambiente e umidade relativa, especialmente da velocidade do vento e do índice de radiação solar. Além disso, fatores individuais das vacas determinam a magnitude de elevação da temperatura corporal durante o estresse térmico. Vacas de alta produção tendem a ser mais afetadas pelo estresse que as de baixa produção, vacas de pelagem preta são mais sensíveis que as brancas e o uso de BST pode aumentar a suscetibilidade ao estresse térmico.
A melhor maneira de determinar a magnitude do efeito do estresse térmico sobre as vacas é pela determinação da temperatura retal. A temperatura corporal normal da vaca é cerca de 38,5 ºC. Pode-se dizer que uma vaca que apresente uma temperatura retal de 39 ºC ou mais durante a tarde está provavelmente sofrendo os efeitos do estresse térmico (caso não tenha mastite ou qualquer outra doença). A determinação da temperatura retal do grupo de vacas durante a tarde pode ser uma maneira simples de obter uma avaliação bastante precisa do grau de estresse térmico e da eficácia dos sistemas de resfriamento incorporados às instalações.
Minimizando o impacto do estresse calórico sobre a detecção do estro
Felizmente, existem várias técnicas disponíveis para superar os efeitos do estresse térmico sobre a detecção do estro. Uma abordagem é a adoção de uma das inúmeras ferramentas disponíveis para auxiliar na detecção do estro. A mais simples é a marca de giz aplicada à base da cauda. Quando a vaca está em estro, é montada e o giz é removido. A eficácia deste método foi demonstrada em um experimento conduzido durante o verão no sul da Flórida com vacas em lactação. A porcentagem de vacas detectadas em estro após sincronização com prostaglandina foi de apenas 26% com detecção visual versus 43% quando a detecção visual foi combinada com a marca de giz [Ealy et al., J. Dairy Sci. 77, 3601-3607 (1994)].
Existe uma série de dispositivos de detecção de monta no mercado, tais como KaMar®, Bovine Beacon® e Estrus AlertTM. O sistema HeatWatch® é o dispositivo mais sofisticado para detecção do comportamento de monta. Consiste de transdutor de pressão aplicado à base da cauda, contido em uma grande embalagem adesiva. Sempre que a vaca for montada, a informação é enviada para um computador, que registra o horário e a duração da monta. Este sistema é considerado o padrão para detecção de estro, mas seu custo é bastante elevado. A pele sob o transdutor pode apresentar irritação caso o dispositivo seja mantido por períodos prolongados de tempo.
Outros sistemas de detecção de estro usam pedômetros para medir o número de passos dados pela vaca. Estes dispositivos são baseados no fato de que as vacas em estro passam mais tempo andando que as demais.
O desenvolvimento dos protocolos de inseminação artificial em tempo fixo tais como OvSynch permitem evitar a necessidade de detecção de estro e inseminar as vacas em momentos pré-determinados. O uso de OvSynch em vacas submetidas a estresse térmico resultou em taxas mais elevadas de prenhez. Em um rebanho da Flórida cujo período voluntário de espera era de 70 dias, a porcentagem de vacas prenhes aos 90 dias pós-parto era de 16,6% em vacas cuja primeira inseminação em tempo fixo era feita de acordo com o protocolo OvSynch vs 9,8% em vacas inseminadas unicamente após detecção visual de estro [Aréchiga et al., J. Dairy Sci. 81, 390-402 (1998)].
Em estudo conduzido no Kansas na época do verão [Cartmill et al., J. Dairy Sci. 84, 799-806 (2001)], as vacas foram inseminadas entre 50 e 70 dias de lactação usando um de dois protocolos. Um grupo foi inseminado em tempo fixo de acordo com o protocolo OvSynch. O outro grupo foi inseminado após detecção de estro induzido por um protocolo de sincronização (GnRH seguido 7 dias depois por Lutalyse).
Todas as vacas do grupo OvSynch foram inseminadas vs 58,7% das vacas no grupo da sincronização de estro. Não houve diferença na taxa de concepção entre os dois grupos (33,3% para OvSynch vs 32,0% para sincronização de estro), mas como mais vacas foram inseminadas, a proporção de prenhezes confirmadas por ultra-sonografia no dia 27-30 foi maior para o grupo OvSynch (33,3% vs 16,7%). Neste estudo, a perda de prenhez depois do dia 27-30 foi mais elevada no grupo OvSynch. A taxa final de prenhez no dia 40-50 foi semelhante para os dois grupos (16,4% para o OvSynch vs 13,3% para a sincronização de estro).
Será que é economicamente viável utilizar inseminação artificial em tempo fixo em épocas de estresse térmico? Esta é uma pergunta importante, pois estes protocolos tem aumentado o número de vacas inseminadas mas não reduzem os efeitos do estresse térmico sobre a fertilidade. Os custos de sêmen e drogas se aplicam a todas as vacas incluídas no protocolo de inseminação artificial em tempo fixo e o fato de estarem sendo submetidas a estresse térmico significa que apenas uma pequena parcela irá emprenhar. Não existe nenhuma análise econômica detalhada dos benefícios econômicos da inseminação artificial em tempo fixo durante o estresse térmico. Entretanto, faz sentido concluir que protocolos de inseminação artificial em tempo fixo são mais viáveis nas propriedades em que a detecção de estro é ineficiente.
Melhorando a fertilidade em vacas inseminadas artificialmente
Caso houvesse uma maneira de elevar as taxas de concepção em vacas sujeitas a estresse térmico, a inseminação artificial em tempo fixo seria um método muito prático a ser utilizado durante o verão. Na verdade, o único método comprovado para aumentar a fertilidade em vacas submetidas a estresse térmico é o resfriamento. Uma série de tratamentos hormonais foi testada para o aumento da fertilidade de vacas submetidas a estresse térmico, mas nenhum demonstrou eficácia de forma consistente. Até que tal tratamento seja desenvolvido, será difícil obter taxas satisfatórias de concepção após inseminação artificial de vacas submetidas a estresse térmico.
Usar um touro pode ser útil?
A proporção de vacas inseminadas artificialmente nos Estados Unidos é reduzida durante o verão. Em parte, esta redução pode refletir uma economia no uso de sêmen (que é relativamente caro) em épocas de baixa fertilidade. Existe também interesse de usar a monta natural para ajudar a resolver problemas reprodutivos. Uma vantagem óbvia do uso de touros durante o estresse térmico é a melhor detecção do estro.
Mas não se pode esquecer que o touro também é sensível ao estresse térmico, tanto quanto a vaca. Sua temperatura, entretanto, não se eleva tanto quanto a da vaca leiteira, pois o touro tem taxa metabólica mais baixa. Entretanto, em condições de intenso estresse térmico, pode haver redução da libido do touro e piora da qualidade do sêmen, que persiste por cerca de dois meses depois do termino do período de estresse. Esta demora na restauração da fertilidade após estresse térmico é resultante dos danos às células precursoras dos espermatozóides.
Não existem dados experimentais referentes ao uso de touros e se esta prática realmente resulta em maior número de vacas prenhes durante o estresse térmico. Faz sentido, entretanto, supor que os benefícios do uso do touro serão limitados em épocas de estresse intenso a ponto de afetar sua temperatura corporal e, por conseguinte, sua fertilidade.