Realmente muito me impressiona o que se faz e recomenda em nosso país a título de "modernidade" e principalmente como algumas novas tecnologias são difundidas de uma forma que parecem até certo ponto "milagrosas", porém nem sempre os resultados obtidos são aqueles propagados, condenando uma boa técnica ao insucesso, pela forma que é apresentada, geralmente as custas de meias-verdades ou por ocultar alguns aspectos talvez não muito interessantes.
Exemplos deste tipo são vários. O mais clássico ocorreu há algumas décadas com a inseminação artificial. No início, infelizmente, foi divulgado que seria a salvação da pecuária nacional. E até poderia ter sido, pelo imenso potencial da técnica. Porém, talvez tenham "esquecido" ou não era conveniente no período, indicar para os produtores que seriam necessários alguns ajustes no manejo, e que principalmente com esta estupenda ferramenta de melhoramento genético, os animais originados seriam mais produtivos, e como conseqüência, mais exigentes. O mais importante era difundir a técnica (e talvez vender sêmen e botijões). Estes "pequenos ajustes" ficariam para outra etapa. Realmente houve um aumento extraordinário na aplicação da técnica no primeiro momento, porém no médio prazo vários produtores "desavisados" deixaram de usá-la, e assim o fazem até hoje.
Outro exemplo mais recente diz respeito ao cruzamento industrial. A propaganda deste tipo de direcionamento genético foi tal, que "esqueceram" de avisar aos produtores que seriam necessárias matrizes zebuínas para reposição e que os mestiços F1 são mais produtivos, portanto mais exigentes. Deu no que todos sabemos. Falta de matrizes zebuínas, e os produtores ficaram desacreditados, pois foram induzidos ao erro. Não sabiam que estes animais mais exigentes teriam um desempenho superior, nas mesmas condições de manejo. As raças taurinas sentem até hoje este "tiro no pé".
Estamos assistindo atualmente, por inteira responsabilidade de alguns, a possível condenação de uma outra excelente tecnologia. Falo sobre a inseminação artificial em tempo fixo (IATF).
De uma forma até certo ponto inconseqüente, difunde-se que a IATF elimina totalmente a necessidade de observação de cios nas propriedades. Um procedimento não exclui ou elimina a necessidade do outro.
Outro detalhe, a simples justificativa de eliminar a observação de cio não pode ser considerada como principal aspecto. A maior parte dos trabalhos relata que não se consegue detectar mais que 50% dos cios. Isto pode ser verdade em rebanhos mal manejados, onde a tarefa de detecção não fica a cargo de uma pessoa capacitada para tal. Em nosso país a mão-de-obra é muito barata e a possibilidade de investir em treinamento do pessoal responsável pela detecção de cio é uma alternativa a ser considerada.
Afirmar que não é necessária a observação de cios para a inseminação após um protocolo de IATF é correto, mas achar que em qualquer outra situação também não é mais necessário observar e anotar os cios pode ser um grande erro.
Não há dúvida que a IATF pode auxiliar na melhoria da performance reprodutiva em determinadas situações, mas a exclusão total da observação de estro envolve uma análise mais abrangente do manejo.
Consideremos uma situação hipotética para melhor esclarecer este ponto de vista. Numa propriedade separamos 50 vacas para IATF. A partir do início do protocolo, em cerca de 10 dias todos estes animais estariam inseminados. Pois bem, considerando uma taxa de gestação de cerca de 50% (muito boa para os protocolos IATF), teremos 25 fêmeas gestantes. A pergunta é: Quando vamos re-inseminar as outras 25 que não ficaram gestantes? Se considerarmos que a IATF exclui a necessidade de observação de cios, estas fêmeas que não ficaram gestantes somente serão re-inseminadas após o diagnóstico de gestação (embora provavelmente estejam manifestando cios), que na maioria dos esquemas de manejo ocorre 50 dias após a inseminação. Somando-se a isto os 10 dias do protocolo, somente poderemos re-utilizar as vacas que não ficaram gestantes 60 dias mais tarde. Será que isto realmente contribuirá para aumentar a eficiência reprodutiva?
Não seria mais sensato (além de barato e eficiente), já que uma boa parcela destas fêmeas não ficará gestante, observar os cios de todas e re-inseminar de forma convencional aquelas que retornam ao cio após a IATF? Poucas vezes esta opção é aventada, pois se retira a verdadeira "aura" da técnica, que e a não-necessidade de observação, além de se vender menos produtos.
Como a principal propaganda é a não-necessidade de observação de cios, extrapola-se de uma forma genérica esta situação. Isto é feito principalmente por pessoas que não conhecem a técnica ou práticas de manejo e eficiência reprodutiva.
Fica aqui um alerta, tanto para técnicos, industria farmacêutica e produtores. Vamos com menos sede ao pote. Vários produtores já estão percebendo que esta história de abolir totalmente a observação de cios está aumentando o intervalo de partos de algumas vacas. Ficará difícil no futuro convencer estes produtores a utilizar novamente a tecnologia. Não sejamos tão radicais. A IATF pode e deve conviver com uma boa observação de cio. São técnicas complementares.
Cabe a todos que lidam que este importante segmento que é a reprodução animal, principalmente os técnicos, difundir as tecnologias de forma consciente e adequada, mostrando todas as variáveis envolvidas e não se deixar levar por alguns aspectos que inicialmente podem ter um excelente apelo, mas que na prática não se mostram tão eficientes.
Em tempo. Uso e recomendo a IATF em várias propriedades. Também procuro em todas elas aprimorar a observação de cios.