Este texto é baseado no artigo: Management of Twinning in Dairy Cows, do Dr. Paul M. Fricke, Department of Dairy Science, University of Wisconsin – Madison.
Incidência de gestação gemelar
Baseado em um estudo epidemiológico de partos gemelares publicado em 1998 (Kinsel et al., 1998), os partos gemelares nos EUA aumentaram ao longo de um período de 10 anos (de 1983 para 1993). Os autores apontaram o aumento da produção de leite durante este período como um dos fatores mais importante associados ao aumento dos partos gemelares (Kinsel et al., 1998). Para determinar se esta tendência de aumento continuou ao longo do tempo, foi feita uma análise observacional de nascimentos gêmeos em vacas Holandesas na região do alto-oeste dos EUA de 1996 a 2004 (Silva del Rio et al., 2007).
Esse conjunto de dados dos registros de parto de vacas Holandesas entre os meses de janeiro de 1996 a setembro de 2004 compreendem:
- 4.103 rebanhos;
- 2.304.278 eventos de parto representados por 1.164.233 vacas e 96.069 nascimentos de gêmeos.
Os dados foram extraídos dos arquivos DHIA de Minnesota para avaliar a tendências dos partos gemelares ao longo do tempo.
Em geral, a ocorrência de parto gemelar relatada foi em média de 4,2% e aumentada com paridade (1,2% para nulíparas vs. 5,8% para vacas multíparas) e com o tempo (3,4% em 1996 para 4,8% em 2004). Baseados nesses dados a expectativa é de que a taxa de partos gemelares provavelmente tenha crescido.
Figura 1. Taxa de parto gemelar em vacas Holandesas nos EUA de 1983 a 2003. Barras abertas: dados adaptados de Kinsel et al. (1998). Barras sólidas: dados adaptados de Silva del Rio et al. (2007).
Tipos de gestação gemelar
A gestação gemelar pode ser classificada em dois tipos: monozigótica e dizigótica. Gêmeos monozigóticos (gêmeos idênticos) resultam da divisão espontânea in vivo do embrião na fase inicial do desenvolvimento. Enquanto os gêmeos dizigóticos (gêmeos fraternos) resultam da fertilização de dois oócitos diferentes, resultantes de uma dupla ovulação.
Em um estudo observacional (Silva del Rio et al., 2006) foi relatado 7,5% de gestação gemelar monozigótica nos casos de gêmeos do mesmo sexo e 4,7% de todos os gêmeos. A gestação gemelar monozigótica ocorre com pouca frequência em fêmeas bovinas e o principal mecanismo da gestação gemelar nas vacas leiteiras é dupla ovulação.
Fisiologia da gestação gemelar
Uma ligação fisiológica pode ser feita entre o aumento da produção de leite, o aumento da taxa de dupla ovulação, gestação gemelar dizigótica e a diminuição dos níveis circulantes de progesterona em vacas leiteiras lactantes (Wiltbank et al., 2000). A concentração de progesterona circulante resulta de um equilíbrio entre produção de progesterona pelo corpo lúteo e catabolismo de progesterona pelo fígado (Wiltbank et Al., 2014). Como a produção de leite está altamente correlacionada (r = 0,88) com o consumo de matéria seca (Harrison et al., 1990), o fluxo sanguíneo hepático aumenta à medida que a produção de leite e a ingestão aumentam.
O metabolismo hepático de progesterona aumenta à medida que o consumo de matéria seca associado à alta produção de leite cresce resultando num mecanismo fisiológico de diminuição das concentrações de progesterona circulante em vacas leiteiras (Sangsritavong et al., 2002). Assim, como a produção de leite aumentou ao longo do tempo em vacas leiteiras, a progesterona circulante diminuiu, resultando num aumento da incidência de dupla ovulação e gestações gemelares dizigóticas.
Concentrações reduzidas de progesterona perto do momento do desvio do folículo dominante pode causar um atraso na redução da concentração do hormônio folículo estimulante (FSH) e aumentar os pulsos do hormônio luteinizante (LH) resultando na seleção de dois ou mais folículos dominantes durante uma onda de crescimento folicular (Wiltbank et al., 2014).
Como o principal mecanismo da ocorrência da gestação gemelar é a dupla ovulação (Silva del Rio et al., 2006), um aumento na dupla taxa de ovulação seria a melhor explicação para o aumento da gestação gemelar em vacas leiteiras ao longo do tempo.
Identificação de vacas com gestações gemelares
O manejo de vacas com gestação gemelar depende da identificação precoce de vacas carregando gêmeos. A adoção da ultrassonografia transretal como ferramenta de manejo reprodutivo aumentou nos últimos 20 anos. As vacas com gestação gemelar podem ser identificadas com precisão usando a ultrassonografia transretal entre 40 a 55 dias após a inseminação (Echternkamp e Gregory, 1991; Davis e Heibel, 1993; Dobson et al., 1993).
Devido aos avanços na resolução de aparelhos de ultrassom e porque a maioria das gestações gemelares em vacas leiteiras é dizigóticos (Silva del Rio et al., 2006), a presença de dois ou mais corpos lúteos nos ovários no momento do diagnóstico de precoce de gestação realizado entre 32 a 39 dias após a inseminação pode ser usada para identificar vacas possíveis portadoras de gêmeos (Fricke, 2002), o que pode, após essa constatação, terem os cornos uterinos completamente examinados para a visualização dos dois conceptos.
Perda de gestação
A perda de gestação é maior em vacas com gestação gemelar, por isso a importância da identificação precoce das vacas com ela. Apesar da dupla ovulação resultar em maior taxa de concepção no primeiro diagnóstico (64% vs. 45%; Fricke e Wiltbank, 1999), a perda de gestação do primeiro diagnóstico até a reconfirmarão é três vezes maior em vacas inicialmente diagnosticadas com gestação gemelar em comparação com as gestações simples, resultando em taxa de sobrevivência de 92% para vacas com gestação simples e 76% para vacas com gêmeos (Silva del Rio et al., 2009).
A posição dos gêmeos no corno uterino também influencia a perda de gestação. A perda de gestação antes dos 90 dias é maior em vacas que apresentam os gêmeos no mesmo corno uterino (35%) comparado com vacas que tem os gêmeos cada um num dos cornos uterinos (8%; Lopez-Gatius and Hunter, 2005). É interessante que essa taxa de perda de gestação para gêmeos bilaterais é menor que a reportada para gestações simples (13%) em vacas Holandesas, dados esses baseados em 14 estudos com diagnóstico ultrassonográfico transretal (Santos et al., 2004).
A distribuição dos gêmeos nos cornos uterinos também influência a distocia e a sobrevivência dos bezerros. Num experimento com vacas geneticamente selecionadas para múltiplas ovulações, gestações bilaterais com gêmeos dizigóticos resultaram em maior sobrevivência e maior peso ao nascer dos bezerros, gestação mais longa e menor incidência de distocia em comparação com gestações dizigóticas unilateral (Echternkamp et al., 2007).
Manipulação hormonal antes da inseminação para reduzir a ovulação dupla.
O uso de protocolos de sincronização para a inseminação de vacas leiteiras aumentou ao longo do tempo (Norman et al., 2009). Os produtores de leite costumam associar o aumento do uso de protocolos de sincronização com aumento da gestação gemelar. Essa associação se deve ao fato de que nos EUA uma estratégia comum para submeter as vacas à primeira a inseminação é usar o protocolo Presynch Ovsynch e combinar a IA após a detecção do estro pós Presynch com a submissão de vacas que não foram detectadas em estro a IATF após o protocolo Ovsynch (Fricke e outros, 2014).
Neste sistema de manejo, as que vacas recebem IATF após o protocolo Ovsynch diferem das vacas inseminadas em estro, pois estas são provavelmente as vacas que produzem mais leite e expressam estro com uma duração mais curta (Lopez et al., 2004) e têm concentração de progesterona mais baixa no início do protocolo de Ovsynch.
Ambos as condições são fatores de risco para a dupla ovulação e gestação gemelar, como discutido anteriormente, o que reforça a associação feita pelos produtores entre IATF e gestação gemelar. Contrariamente à ideia de que os protocolos de sincronização hormonal aumentam a incidência de gestação gemelar, a manipulação hormonal das vacas de modo que a concentração de progesterona fique aumentada durante o desenvolvimento do folículo ovulatório resulta na diminuição da incidência de dupla ovulação (Stevenson et al., 2007; Cerri et al., 2011).
O protocolo duplo Ovsynch (Souza et al., 2008; Herlihy et al., 2012) efetivamente pré-sincroniza vacas para maximizar a concentração de progesterona durante o crescimento do folículo ovulatório (Wiltbank et al., 2014) e deve, assim, diminuir a taxa de dupla ovulação e subsequentemente as gestações gemelares dizigóticas, resultantes de dupla ovulação.