Introdução
A correta detecção de cio e a escolha do melhor momento para a inseminação é um importante fator de sucesso no manejo reprodutivo de uma fazenda leiteira. Exitem várias formas de detecção de cio, além da observação visual, como por exemplo as ferramentas auxiliares que medem mudanças de atividade (Avaliação da eficiência do sistema Pedômetro para detecção de cio, radar publicado dia 01/03/2007), condutividade do muco cervical, número de montas e temperatura corporal (Saumande, 2002; Peralta et al., 2005; Roelofs et al., 2005).
Estes procedimentos resultam em diferentes taxas de detecção de cio, que variam de 60 a 80% (Esslemont, 1992; Ferguson and Galligan, 1993; Hospes et al., 2005). Na prática, a taxa de detecção de cio é menor que 60% na maioria dos rebanhos.
Becker et al. (2005) declararam que a detecção visual por uma pessoa responsável e cuidadosa resultava na melhor taxa de detecção de cio, porém em grande rebanhos com alta de produção de leite é necessário o emprego de ferramentas auxiliares automáticas para obtenção de melhores taxas de detecção de cio.
A vocalização de algumas fêmeas mamíferas contém informações sobre sua condição reprodutiva. Semple e McComb (2000) encontraram que o macho de algumas espécies de macacos são capazes de diferenciar o estágio do ciclo estral da fêmea pela vocalização. Nos elefantes é observado aumento da vocalização na estação de acasalamento (Leong et al., 2003).
Existem poucos trabalhos sobre vocalização em bovinos. Alguns autores tentaram descrever a vocalização qualitativamente (Liebenberg et al., 1977; Hall et al., 1988; Laube et al., 1988) ou classificar metodologicamente diferentes formas de vocalização (Kiley, 1972; Jahns et al., 1997; Ikeda e Ishii, 2001). Kiley (1972) identificou 6 diferentes berros.
Além disso foi investigada a função comunicativa da vocalização dos bovinos, como por exemplo no mútuo reconhecimento entre mãe e cria (Barfield et al., 1994; Marchant-Forde et al., 2002).
Foi sugerido que a comportamento vocal dos bovinos pode ser utilizado como indicador da sua condição fisiológica e mental (Watts e Stookey, 2000; Manteuffel et al., 2004). Watts e Stookey (2000) levantaram a suspeitada de que a vocalização dos bovinos contém informação sobre idade, sexo, condição de dominância e fase do ciclo estral.
O objetivo deste estudo foi verificar se ocorriam mudanças na vocalização durante o estro, para a partir dessas informações desenvolver uma ferramenta para detectar cio, que sozinho ou em conjunto com outros procedimentos pudesse aumentar a taxa de detecção de cio nas fazendas.
Material e Métodos
Foram usadas dez novilhas holandesas de 18 a 22 meses de idade, alojadas individualmente dentro de um mesmo barração, sob as mesmas condições e alimentadas com dieta total 2 vezes por dia. Para as gravações da vocalização as novilhas eram separadas 15 metros umas das outras, nos momentos em que não estavam sendo feitas gravações as novilhas tinham contato visual e vocal.
Para indução do estro as novilhas foram tratadas com prostaglandina no dia 12 do ciclo estral (dia 0 = dia do último cio observado).
A observação visual do cio foi realizada diariamente às 08:00 e às 15:00 horas, a partir do dia 11. O comportamento sexual, o edema da vulva e a secreção de muco era classificada em como fraca, média e forte.
Para determinar a concentração plasmática de progesterona foram colhidas amostras de sangue por cinco dias a partir de 11 dias.
As gravações de vocalização começaram no dia 11 às 08:00 horas e terminaram no dia 16 às 08:00 horas. Os berros foram gravados e analisados continuamente durante este período. A vocalização foi gravada por um sistema de radio microfone (Evolution Wireless Series EW 112 G2, Sennheiser, Wedemark/Hannover, Germany). O sistema de gravação sem fio consistia de um microfone, um transmissor e o receptador estacionário. O microfone era fixado no pescoço da novilha próximo à cabeça.
Resultados
Duas estruturas diferentes de vocalização foram detectadas. A primeira era um som harmônico que foi chamado de "moo". A segunda estrutura era não harmônica, que foi chamada de grito.
A figura 1 mostra o sonograma típico da gravação da vocalização de uma das novilhas do estudo.
Figura 1. O berro da novilha é formado por 3 partes: começo harmônico, meio não-harmônico e final harmônico.
Todas as novilhas vocalizaram durante o período. O número de vocalizações foi consideravelmente diferente entre as novilhas, variando de 36 a 835 vocalizações por novilhas durante o período de gravação (dia 11 a 16 após o cio).
Em 8 novilhas o estro foi confirmado 2 dias após a aplicação de PGF2α, em uma novilha 1 dia após e em outra 3 dias após.
Foi detectado aumento da taxa de vocalização um dia antes da detecção do cio. No dia do cio a taxa aumentou de 70 para 171 vocalizações. A taxa de vocalização aumentou 84% do dia -2 até o dia 0 (dia do estro) e aproximadamente 59% do dia -1 até o dia 0. Após o estro a taxa de vocalização caiu 79%.
Figura 2. Média do número de vocalizações por hora (barras) e numero de novilhas detectadas visualmente em cio (x ED) durante o período de gravação de todas as novilhas.
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Futuras investigações serão necessárias para desenvolver um método prático para detectar cio baseado mas alterações de vocalização durante o estro. Possíveis influências da idade, número de lactações e produção de leite deverão ser consideradas. Um dos principais problemas poderá ser a grande variação individual existente.
Como os resultados deste experimento são baseados somente na vocalização de novilhas estabuladas individualmente, será necessário determinar se as alterações foram causadas por estresse social (falta de contado com as companheiras) ou se as alterações são expressões relacionadas com o comportamento de estro (biologicamente destinada a atrair o macho).
Este estudo mostra que apesar de parecer simples, a detecção de cio ainda desperta o interesse de muitos pesquisadores que procuram uma solução prática e eficiente para este grande problema do manejo reprodutivo.