Tem sido observado, principalmente em sistemas de criação terceirizados, que mais de 50% dos bezerros recebidos apresentam concentrações séricas de anticorpos abaixo do desejável, menor que 10 mg/dL nos primeiros dias de vida. Alguns criadores tem utilizado a suplementação como meio de fortalecer o sistema imunológico do animal contra patógenos do ambiente. Porém, tradicionalmente, contam com o uso de antibióticos para reduzir o efeito das doenças em seus bezerros.
Em 2007, nos EUA, 57,5% dos animais jovens receberam sucedâneo com inclusão de antibióticos como clortetraciclina ou oxitetraciclina/neomicina (Figura 1), e tratamentos rigorosos contra doenças respiratórias e diarréias com um ou mais preparados com antibióticos (USDA, 2008).
O uso indiscriminado destas substâncias como promotoras de crescimento, é muito criticado atualmente, principalmente pela possibilidade de contribuir para o fortalecimento dos patógenos contra importantes medicamentos antimicrobianos. É importante notar a diferença entre oferecer antibióticos para aumentar o crescimento e a eficiência alimentar (subterapêutico) e aquele para o tratamento de doenças. Em muitos países, o uso como subterapêutico foi eliminado. Outros, incluindo os EUA, estão considerando restrições significativas, mas produtores resistem e enfrentam dificuldades com a perda da importante ferramenta.
Assumindo que a disponibilidade de antibióticos para tratamentos subterapêuticos será limitada no futuro, alimentos alternativos se fazem necessários. E neste contexto, pesquisadores vem procurando novos métodos de alimentação e alternativas aos antibióticos para reduzir os principais distúrbios que acometem os bezerros.
Então, qual é a estratégia razoável nesta tentativa? Bem, primeiro é importante considerar que existem dois tipos primários de infecções em bezerros jovens, entérico e respiratório, sendo o primeiro o de maior ocorrência. Considerando estas doenças, a fonte mais comum é a infecção entérica, responsável por 56,5% das causas de morte em 2007 nos EUA (USDA, 2008). Este também é o local que permite intervenções dietéticas de forma mais efetiva. Assim, o foco deverá ser a adoção de práticas alimentares que minimizem o risco de doenças entéricas.
Com certeza, uma nutrição adequada é essencial para o bom desempenho e a saúde do bezerro. A formulação de dietas que forneçam quantidades suficientes de proteína (degradável e não-degradável no rúmen), energia (gorduras e carboidratos), vitaminas, minerais e água, é essencial. Entretanto, neste novo contexto serão tratados neste radar técnico estratégias "não nutricionais" ou "extra nutricionais". Este conceito deve ser incorporado em adição ao adequado programa de alimentação, fundamental para o animal jovem.
Compostos que nutrem, e possuem ao mesmo tempo um efeito "não nutricional" no animal podem ser chamados de "nutracêuticos" ou "alimento funcional". O termo "nutracêutico" foi criado para descrever produtos introduzidos no mercado e oferecidos para a prevenção ou tratamentos de doenças como suplementos dietéticos. Existem muitas classes de "nutracêuticos" disponíveis. Entretanto, limitaremos a aqueles produtos ou compostos que podem ter alguma utilidade na redução dos efeitos de doenças em bezerros. Podemos separá-los em:
- Proteína funcional
Proteína antimicrobiana vinculada ao ferro (lactoferrina, transferrina)
Imunoglobulina
- Probióticos
- Imuno-estimulantes
- Oligossacarídeos
- Leveduras e culturas de leveduras
- Outros
Outras classes ainda podem ser listadas, mas estas não tem efeitos no que diz respeito ao controle de doenças entéricas. Para alcançar o objetivo de reduzir doenças entéricas os compostos devem possuir as seguintes características:
- Suportar processamentos, estocagem e manuseio de alimentos para animais
- Não degradar em temperaturas típicas de estocagem e de fornecimento ao animal
- Sobreviver no rúmen e/ou no abomaso do animal (rúmen se oferecido como alimento seco e abomaso se oferecido no leite ou sucedâneo)
- Não ser degradado por enzimas intestinais
- Agir no trato intestinal
Proteína Funcional
Muitos nutricionistas consideram as proteínas como simples fonte de aminoácidos. Esta visão tradicional assume que proteínas são consumidas, degradadas, digeridas por enzimas intestinais a compostos de aminoácidos, sendo então absorvidas na corrente sanguínea. Porém, algumas proteínas funcionais possuem a capacidade de manter atividade biológica após serem consumidas pelos animais, apresentando habilidade de causar respostas fisiológicas nos mesmos.
As proteínas funcionais podem resistir parcialmente a digestão ou fragmentos de proteínas funcionais podem ser produzidos durante a digestão de proteínas. Existem várias classes de proteínas funcionais que agem na redução do desafio microbiano causado no animal, incluindo proteínas ligantes ao ferro, imunoglobulinas, bacteriocinas, entre outras.
O método de coleta e processamento de proteínas funcionais é extremamente importante para a manutenção de sua funcionalidade. No passado, fatores como temperatura e tempo de secagem de fontes de proteína não eram considerados. Atualmente, processamentos mais adequados resultaram em fontes de proteína com maior digestibilidade. Mais recentemente, a tecnologia de spray-drying, que se utiliza de menores temperaturas e tempo de secagem de material, foram introduzidas na indústria, permitindo a manutenção de proteínas bioativas.
O ferro é um nutriente essencial para o crescimento; porém, sua forma livre pode promover a produção de radicais livres, resultando em dano dos tecidos. Assim, o organismo se utiliza de diferentes tipos de proteínas carregadoras para transportar ferro, além de reduzir o risco de dano nos tecidos. O ferro é também um nutriente essencial para diferentes espécies de bactérias, de forma que sua redução pode resultar em crescimento bacteriano prejudicado. Assim, pesquisas com dois diferentes compostos ligantes ao ferro, Lactoferrina e Transferrina, tem sido realizadas para determinar se podem contribuir para a melhoria do sistema imune do animal, sendo então substitutos aos antibióticos.
A Lactoferrina é uma glicoproteína vinculada ao ferro encontrada no leite. Sua atividade antimicrobiana pode ser especialmente efetiva contra patógenos entéricos, principalmente contra E. coli. A Transferrina é uma proteína ligante ao ferro presente no sangue que possui o mesmo efeito da Lactoferrina. Esta proteína pode reduzir em até 50% o crescimento de patógenos, incluindo Salmonella typhimurium e E. coli.
Outra proteína funcional é a imunoglobulina. Para entender o papel destas proteínas na substituição de antibióticos, é importante saber que o intestino é o maior órgão imunológico do corpo. Tradicionalmente, o único anticorpo considerado importante para o intestino é o IgA, o qual é produzido por células da parede intestinal. Mas, recentemente algumas pesquisas apontam para um importante papel do IgG no controle de doenças entéricas. As principais fontes de IgG para o intestino são IgG proveniente do sangue para o intestino e IgG proveniente de consumo de alimentos ricos nestes compostos como o colostro, sangue ou ovos.
Muitos dos patógenos que infectam bezerros são entéricos, causando danos no intestino e sinais da doença: desidratação e diarréia. As imunoglobulinas no intestino podem auxiliar os bezerros a criar uma resposta imune efetiva quando se ligam a sítios de ligação de patógenos. Assim, o movimento de IgG da circulação para o lúmen intestinal pode ser uma das maneiras de fornecer imunidade em resposta aos patógenos que infectam bezerros através da rota oral-fecal.
Pesquisas demonstraram que os anticorpos circulantes obtidos através de imunidade passiva (consumo de colostro) tem um importante papel na redução de doenças clínicas e que o movimento de anticorpos da circulação para o lúmen intestinal é importante nesta resposta. Estas pesquisas mostraram que:
- O Ig no intestino tem um papel importante na resistência do intestino contra microrganismos que infectam bezerros por via oral, como o rotavírus.
- Ig são suficientemente resistentes à digestão para permitir resposta imune. Estudos comprovam a resistência de IgG a degradação proteolítica no intestino.
- A principal fonte de IgG no intestino de bezerros recém nascidos é para a circulação de IgG que são absorvidas após a ingestão de colostro nas primeiras 24 horas.
- Maiores concentrações de IgG no soro normalmente levam a maiores concentrações de IgG no lúmen do intestino.
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Várias pesquisas também tem sido conduzidas para avaliar o efeito da suplementação de Ig através do fornecimento de plasma liofilizado. Este suplemento contém ao redor de 78% de proteína bruta e 16% de IgG. Os resultados de pesquisas com este suplemento ainda são bastante variáveis em relação ao desempenho animal e a saúde dos animais. Entretanto, alguns resultados mostram grande redução nas taxas de morbidade e mortalidade, assim como na freqüência de diarréia dos bezerros.
Probióticos
Probióticos são microrganismos vivos, que administrados em quantidades certas, conferem benefícios à saúde do hospedeiro. O equilíbrio entre absorção (nutriente, íons), secreção (íons, IgA) e capacidade de barrar patógenos e macromoléculas do epitélio digestivo são conhecidos como controle homeostático intestinal. O intestino, particularmente o intestino grosso, é habitado por uma população diversificada de bactérias que contribuem para muitas destas funções de homeostase. Quando o controle homeostático é perturbado, inflamações crônicas, diarréias e doenças ocorrem. Portanto, para manter a saúde é importante uma flora bacteriana intestinal normal.
Abe et al. (1995) relataram melhoras no desempenho de bezerros, diminuição de diarréia, e melhoras no crescimento, com a inclusão de probióticos (Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium pseudolongum). Outros pesquisadores sugerem que probióticos podem reduzir a proliferação de patógenos como E. coli 0157:H7.
Os probióticos são geralmente mal utilizados nos sistemas de produção. Uma vez que são compostos por bactérias vivas, estes compostos devem ser armazenados e manuseados de forma adequada. A mesma forma, a data de validade destes produtos deve ser respeitada para que seus efeitos possam ser observados. Finalmente, é importante lembrar que probióticos são bactérias, portanto, com a inclusão de probióticos e medicamentos no sucedâneo, o probiótico perde a sua finalidade.
Imuno Estimulantes
Uma nova abordagem para aumentar a resistência de animais a doenças é aumentar a resposta imune do animal. Este método é chamado de "imunoterapia" ou "imunomodulação". Os imuno estimulantes, quando administrados (normalmente por injeção) funcionarão como estimulante não especifico do sistema imune, preparando o animal para o desafio de uma infecção entérica.
Partes da parede de células de levedura, especificamente a fração de β-glucan da parede da célula, são estimulantes do sistema imune em muitas espécies de animais, incluindo humanos. A adição de β-glucan, por exemplo, inibe o crescimento de Mycobacterium tuberculosis in vitro. Pesquisadores demonstram que a estimulação imune ocorre principalmente no local dos macrófagos do intestino. Embora a resistência a doenças tenham sido observadas em porcos alimentados com β-glucan.
O papel do β-glucan no desempenho de bezerros tem sido demonstrado, entretanto, a natureza exata das respostas e formulação (composição de β-glucan preparação e presença de aditivos como acido ascórbico) não foram especificadas.
Oligossacarídeos
Oligossacarídeos são carboidratos que não são absorvidos ou digeridos no intestino delgado de humanos e animais, e chegam inalterados no cólon. No cólon, são rapidamente fermentados pela microflora intestinal, resultando em aumento no número de microrganismos benéficos e reprimindo o número de bactérias patogênicas.
Na natureza, os principais oligossacarídeos encontrados são frutoligossacarídeos, mananoligossacrideos, galactoligossacarideos, glucoligossacarideos. Outros são produzidos quimicamente e são utilizados como "alimento funcional" ou prébiotico. Estes oligossacarídeos estão disponíveis para a inclusão em sucedâneos ou dietas com concentrado. Quando adicionado ao sucedâneo, pode reduzir o crescimento de patógenos entéricos e promover o crescimento de bactérias benéficas.
Referência
Quigley, J. Dietary approaches to keeping calves healthy. Proceedings of "Dairy Calves and Heifers - Integrating biology and management. A conference for dairy producers and their advisors" January, 2005, New York.
USDA - Dairy 2007. Part I: Reference of Dairy Cattle Health and Management Practices in the United States, 2007.
Comentários
A utilização de proteínas funcionais, oligossacarídeos e probióticos como alternativas aos antibióticos, na dieta de animais jovens, pode reduzir os custos com sanidade, principalmente medicamentos, melhorar desempenho animal e consequentemente diminui o custo final do bezerro desaleitado. Entretanto, para maximizar a resposta destes compostos, é importante lembrar que cada categoria de produto possui requerimentos especiais de processamento, estocagem e manejo. Além disso, para que sejam eficientes devem ser incluídos em programas adequados de manejo e alimentação de bezerros. É sempre bom lembrar que aditivos não substituem manejo e alimentação adequados.