A recria de novilhas leiteiras no Brasil, sob o ponto de vista dos produtores, ainda não é vantajosa, pois esses animais ainda não estão produzindo leite. Essa visão entre os criadores de gado de leite aumenta o período de recria até o primeiro parto e o número de novilhas nas fazendas, diminuindo seu potencial de produção (Weber et al., 2002). Assim, é importante determinar ganhos de peso satisfatórios para obtenção do desenvolvimento ideal desses animais e redução da idade ao primeiro parto, melhorando a rentabilidade da atividade leiteira.
Dessa forma, é notória a necessidade de investimentos em alimentação nessa categoria animal, o que contraria os objetivos de produtores que destinam o maior investimento em alimentação às vacas que estão produzindo leite.
Assim, uma solução possível a este problema seria a utilização de alimentos alternativos, com preços reduzidos, o que poderia permitir um desenvolvimento adequado das novilhas, principalmente nos períodos críticos do ano, quando há escassez de forragem de boa qualidade ou quando há necessidade de reservar volumosos mais nobres, como a silagem de milho, para animais que estão produzindo leite.
Entre os diversos resíduos, a casca de café, proveniente do beneficiamento do grão pelo método via seca (Caielli, 1984), por sua disponibilidade em diferentes estados brasileiros (Anuário Estatístico do Brasil, 2000) e por sua composição químico-bromatológica favorável, pode ser utilizada de diferentes formas na alimentação de bovinos.
Souza (2003) avaliou o consumo e o desempenho de novilhas leiteiras alimentadas com dietas contendo diferentes níveis de casca de café (0,0; 8,75; 17,5 e 26,25% da MS, correspondente a 0,0; 3,5; 7,0 e 10,5% de casca de café na MS da dieta total, respectivamente) em substituição ao milho no concentrado. Esse autor verificou que o ganho de peso decresceu linearmente com a inclusão de casca de café e estimou redução de 6,94 g/unidade de casca de café adicionada.
No maior nível de substituição, houve redução da ingestão de nutrientes digestíveis totais (NDT), da digestibilidade dos nutrientes e da síntese de proteína microbiana, o que diminuiu o desempenho dos animais. Mesmo com a redução do desempenho, esse autor observou ganho de 857 g/dia, relativamente significativo para novilhas.
Entretanto, as informações com relação à utilização da casca de café na nutrição de ruminantes fica voltada especialmente em substituição ao milho do concentrado, isso tanto para vacas em lactação como para animais em recria. E a utilização da casca de café como volumoso? Como seria o consumo e o desempenho animal? Pode realmente reduzir os custos de produção de novilhas em relação a alimentação?
Na tentativa de responder estas questões foi feito um experimento com novilhas leiteiras, onde os dados podem ser encontrados em Teixeira (2005) dissertação de mestrado e em Teixeira et al. (2007), e aqui segue parte dos resultados encontrados nestes trabalhos para tentarmos mostrar o potencial de utilização da casca de café como volumoso.
Material e métodos
O experimento foi desenvolvido na Unidade de Ensino, Pesquisa e Extensão em gado de leite (UEPE-GL) da Universidade Federal de Viçosa. Foram utilizadas 24 novilhas holandesas, puras e mestiças, com 10 meses de idade e peso médio inicial de 180 kg, distribuídas em delineamento de blocos casualizados com seis repetições, em que cada animal compôs uma unidade experimental e as repetições foram formadas de acordo com o peso inicial dos animais.
Os tratamentos consistiram de quatro níveis de casca de café (0,0; 10,7; 20,7 e 30,7% na matéria natural) em substituição à silagem de milho, o que resultou em níveis médios de 0,0; 7,0; 14,0 e 21,0%, respectivamente, na MS total das dietas. O volumoso foi fornecido à vontade, permitindo-se sobras de até 10% da MS. O concentrado foi fornecido na proporção de 2,0 kg/animal/dia para atender às exigências de ganhos de 800 g/dia, segundo o NRC (2001). As dietas foram fornecidas na forma de mistura completa, duas vezes por dia (metade às 8h30 e metade às 16h30), misturada no momento do fornecimento.
A composição do concentrado é descrita na Tabela 1 e a do concentrado, da silagem de milho, da casca de café e das dietas encontra-se na Tabela 2.
O experimento constou de 21 dias de adaptação às dietas e de três períodos experimentais de 28 dias, perfazendo um total de 84 dias de experimento para a coleta de dados e avaliação do desenvolvimento dos animais. No período de adaptação, os animais foram tratados contra endo e ectoparasitas e receberam vitamina ADE injetável. No início e no final do experimento e a cada período de 28 dias, após jejum de sólidos de 12 horas, os animais foram pesados individualmente e medidos quanto ao perímetro torácico e à altura de cernelha e de garupa.
Tabela 1. Proporção dos ingredientes no concentrado, expressa em percentagem da matéria natural.
¹ Sal comum (80,80 %);
Sulfato de zinco (7,02 %);
Sulfato de ferro (5,46 %);
Sulfato de manganês (5,04 %);
Sulfato de cobre (1,62 %);
Sulfato de cobalto (0,016 %);
Iodato de potássio (0,017 %);
Selenito de sódio (0,026 %).
Tabela 2. Teores médios de alguns itens selecionados do concentrado, silagem de milho, casca de café e das dietas experimentais.
¹ Valores em percentagem da MS;
² Valores em percentagem do nitrogênio total;
³ Valores estimados pelo NRC (2001);
¹ Rate in percentage of DM;
² Rate in percentage of the total nitrogen;
³ Estimated values in NRC (2001).
A economicidade das dietas foi avaliada levando-se em conta os dados de consumo dos alimentos na matéria natural e de ganho de peso (R$ 3,3/kg). Onde o preço da casca de café (R$ 0,037/kg MS) foi estimado em 20% do preço da silagem de milho (R$ 0,187/kg MS). O nível máximo estimado de casca de café nas dietas, em função do preço que torna economicamente viável a sua utilização, foi calculado de acordo com o saldo por arroba produzida (R$/@) para os diferentes níveis de casca de café.
Onde, a partir do custo zero até o custo de 100% da casca de café em relação ao preço da silagem de milho, obtiveram-se equações de regressão e destas os pontos de máximos, ou seja, o nível máximo de casca de café a ser utilizado com base na matéria seca total das dietas.
Resultados e discussão
Verificou-se aumento linear (P<0,05) dos consumos diários de MS, MO, PB e FDN (em kg/dia) e dos consumos de MS, MO, FDN, CT e CNF (em % PV). Não houve efeito dos níveis de casca de café sobre os consumos diários de MN, EE, CT, CNF e NDT, expressos em kg/dia (Tabela 3).
O consumo de MS aumentou aproximadamente 20 e 15 g (em kg/dia e em % do PV, respectivamente) a cada unidade de casca adicionada à dieta (% da MS). Em estudos, tem-se observado que a inclusão de resíduos do beneficiamento do grão de café, como a casca e a polpa, na dieta de bovinos, pode reduzir o consumo de MS, provavelmente em virtude da presença de compostos fenólicos neste resíduo (Barcelos et al., 2001), o que não foi verificado neste trabalho.
Os resultados obtidos neste estudo estão de acordo com os encontrados em outras pesquisas com bovinos e ovinos no Brasil, nas quais não se tem detectado efeitos negativos da presença de compostos fenólicos como cafeína e taninos na casca de café sobre o consumo de MS e as funções fisiológicas dos animais (Carvalho et al., 1995; Barcelos et al., 1997a; Souza et al., 2002).
O aumento do consumo de MS nos maiores níveis de casca de café nas dietas pode estar relacionado ao aumento na taxa de passagem. Ao substituir a silagem de milho pela casca de café in natura, pode ter ocorrido redução no tamanho de partículas nas dietas ocasionando aumento na taxa de passagem. Segundo Lechner-Doll et al. (1991), a taxa de passagem no rúmen aumenta com a redução no tamanho de partículas.
Tabela 3. Médias, coeficiente de variação (CV), equações de regressão (ER), e coeficiente de determinação (r²) ajustadas para os consumos médios diários de alguns itens selecionados em função dos níveis de casca de café nas dietas (NC).
1. Ŷ = 5,78464 + 0,0193667*NC;
2. Ŷ = 13,83674;
3. Ŷ = 5,0522 + 0,019223*NC;
4. Ŷ = 0,725276 + 0,00319598*NC;
5. Ŷ = 0,12286;
6. Ŷ = 4,94266;
7. Ŷ = 2,55975 + 0,0102949*NC;
8. Ŷ = 2,28592;
9. Ŷ = 3,6831;
10. Ŷ = 2,57714 + 0,0150466*NC;
11. Ŷ = 2,25195 + 0,0142146*NC;
12. Ŷ = 1,12577 + 0,00769704*NC;
13. Ŷ = 2,12562 + 0,011749*NC;
14. Ŷ = 1,00286 + 0,00406067*NC;
15. Ŷ = 1,6990
* Significativo a 5% de probabilidade pelo teste F;
a kg/dia;
b Valores observados.
O aumento dos níveis de substituição da silagem de milho pela casca de café provocou redução linear (P<0,05) nos teores de NDTobs, que apresentaram decréscimo de 0,191 unidades percentuais por unidade de casca adicionada (Ŷ = 63,6460 - 0,191061*NC, em que NC é o nível de casca de café na dieta).
A redução na digestibilidade dos nutrientes, associada à maior ingestão de componentes fibrosos com a inclusão de casca de café, pode ter contribuído para a redução no teor de NDT, o que pode explicar o aumento no consumo de MS na tentativa de ajustar a demanda de energia (Teixeira, et al., 2007).
Verificou-se efeito linear (P<0,05) dos níveis de casca de café sobre o ganho médio diário e sobre a conversão alimentar, estimando-se redução de 5,51 g e acréscimo de 56,68 g/unidade de casca adicionada, respectivamente (Tabela 4). Apesar da análise de variância ter acusado comportamento linear nos ganhos de peso diários, verificou-se pequena redução no ganho de peso até o nível de 14% de casca de café, com redução mais acentuada no nível de 21% de inclusão deste resíduo.
Tabela 4. Médias, coeficiente de variação (CV), equações de regressão (ER) e coeficiente de determinação (r²) ajustadas para o peso vivo (PV) inicial e final, ganhos de peso total no período (GPT), por período experimental e diário (GMD), conversão alimentar (CA), ganhos médios diários de altura de cernelha (AC), altura de garupa (AG) e circunferência torácica (CT) em função dos níveis de casca de café nas dietas (NC).
1. Ŷ = 1,008952;
2. Ŷ = 1,00918 - 0,00565091*NC;
3. Ŷ = 1,001488;
4. Ŷ = 1,06308 - 0,00551424*NC;
5. Ŷ = 5,46435 + 0,0566849*NC;
6. Ŷ = 0,11;
7. Ŷ = 0,11;
8. Ŷ = 0,220933 - 0,00138584*NC.
* Significativo a 5% de probabilidade pelo teste F.
Não houve efeito da substituição da silagem pela casca de café sobre a velocidade de crescimento em altura de cernelha e garupa, expressos em cm/dia. O ganho de perímetro torácico em cm/dia diminuiu linearmente (P<0,05) conforme aumentaram os níveis de substituição. O desenvolvimento em altura de cernelha e a altura de garupa provavelmente foram similares entre os animais, haja vista o maior consumo de MS nos maiores níveis de casca de café nas dietas.
Este incremento no consumo, apesar de não dar suporte para manutenção do ganho de peso nos animais, proporcionou crescimento em altura de cernelha e garupa similar entre as novilhas.
Na tabela 5 observa-se o valor de produção, o qual foi obtido multiplicando o ganho de peso médio diário pelo custo do kg de peso vivo e a redução verificada ocorreu devido à redução no ganho de peso médio diário a medida que se aumentou a utilização da casca de café nas dietas. Os gastos totais com alimentação por animal/dia foram gradativamente reduzidos à medida que se substituiu a silagem de milho pela casca de café.
Os gastos com alimentação por quilo de peso vivo produzido e por arroba produzida aumentaram com a inclusão de casca nas dietas, sendo que para o nível de 7% houve uma redução nos gastos por quilo e por arroba produzida, quando a casca de café teve seu valor estimado em 20% do preço da silagem de milho.
Com a redução no gasto total com alimentação por quilo e arroba produzida no nível de 7% de casca de café nas dietas, obteve-se um maior saldo com alimentação por quilo, arroba e animal produzido neste nível de casca. Estes dados podem ser confirmados quando se analisa o saldo por arroba relativo, onde estima o valor de 100 para o nível de 0% de casca de café, obtendo-se um valor de 104 para o nível de 7% de casca de café (Tabela 5).
Encontra-se na Tabela 6 o nível máximo de casca de café nas dietas em percentagem da MS que em função do preço torna-se economicamente viável a substituição pela silagem de milho de acordo com o os ganhos de peso obtidos no presente estudo.
Ao analisar os dados de ganhos de peso deste experimento, relacionando-os com o ganho por arroba produzida, encontrou-se 6 equações de regressão de acordo com o custo da casca de café em percentagem do custo da silagem de milho (Teixeira, 2005). A partir dessas equações de regressão calculou-se o ponto de máximo de cada equação determinando um nível máximo estimado de 7,86% e de 2,60 % de inclusão da casca de café, quando o custo da casca de café é zero e 100 % em relação ao custo da silagem de milho.
Tabela 5. Valores de produção, gastos totais com as dietas, saldo com alimentação e saldo por arroba relativo em função dos níveis de casca de café nas dietas.
¹ Baseado no preço de venda da MS da silagem; ² Preço médio de janeiro a dezembro de 2006 em Minas s Gerais. Fonte Scot consultoria, dados corrigido pelo IGP DI de nov 2006.
Tabela 6. Nível máximo de casca de café nas dietas em função do preço (preço da casca de café em % do preço da silagem de milho na MS) que torna economicamente viável a utilização da casca de café de acordo com os ganhos obtidos no experimento.
Conclusão
A economicidade calculada com a utilização das dietas demonstra um nível ideal máximo próximo de 7% de substituição da silagem pela casca de café, contudo, até o nível de 14% de substituição observa-se pouca diferença em relação ao ganho de peso e ao retorno econômico, possibilitando seu uso até estes níveis.
Referências
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