Ao mesmo tempo, o episódio enfraqueceu uma articulação de alguns superintendentes para manter uma velha prática dos partidos políticos de fazerem indicações para os cargos de superintendente federal do Ministério nos Estados. A Operação Carne Fraca revelou um suposto esquema de corrupção envolvendo fiscais agropecuários e executivos e funcionários de frigoríficos. E levou o Ministério da Agricultura a interditar três unidades frigoríficas e a exonerar 33 servidores do ministério.
O vice-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Agropecuários federais (Anffa Sindical), Marcos Lessa, disse ao Valor ter alertado o Ministério da Agricultura sobre uma reunião entre superintendentes federais do órgão que não são fiscais, em Fortaleza, em janeiro deste ano, para combinar uma ofensiva na tentativa de convencer o ministro Blairo Maggi a revogar ou adiar a vigência de um decreto presidencial, o 8.762/2016. Assinado ainda pela ex-presidente Dilma Rousseff na gestão da ministra Kátia Abreu, o decreto entra em vigor em 10 de maio próximo, e exige que os cargos de superintendentes federais de Agricultura sejam ocupados por servidores efetivos do quadro do ministério, com curso superior completo e estágio probatório na função de fiscal.
Segundo a Anffa Sindical, que representa a categoria dos 2,7 mil fiscais em atividade no país atualmente, dos 27 superintendentes federais, 15 não são servidores do ministério, ou seja, nem são concursados e muito menos profissionais ligados à área de medicina veterinária ou agronomia. Número maior, portanto, do que o de servidores (fiscais de carreira) que ocupam o cargo (10). Outros dois superintendentes são funcionários públicos cedidos por outros órgãos federais.
"Com toda a certeza essa operação policial terá desdobramentos no modelo de indicações políticas, e não é surpresa para ninguém que muito das irregularidades achadas são produto claro da influência política que há nas superintendências regionais do Ministério", disse Lessa. "Dói porque arranha nossa categoria, mas pelo menos nosso pleito por meritocracia ganha voz."
A Anffa, que fará uma manifestação hoje em Brasília, quer que haja outros critérios para escolha dos superintendentes, além dos listados pelo decreto, como mandato de dois anos prorrogável por mais dois, prova de seleção e que o escolhido apresente projeto de gestão à frente da regional. Mas Lessa avaliou, contudo, que o ministério não deve acatar as medidas no curto prazo. O ministro Maggi disse ao Valor que não chegou a ser procurado pelos superintendentes, e que não fará nenhuma alteração no decreto.
O desgaste que o Brasil, um dos maiores exportadores de alimentos, sofre com embargos às carnes também já pressiona o governo a acelerar e finalmente desengavetar a publicação do novo Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa), que vem sendo discutido há 16 anos pelo Ministério da Agricultura.
A revisão da lei que rege o regulamento, de 1950, e está para ser publicada dia 29 deste mês, em cerimônia com o presidente Michel Temer, nunca saiu por conta de um cabo de guerra entre empresas e fiscais em torno de um melhor texto. Em tese, na visão dos fiscais, o novo Riispoa mantém a necessidade de endurecer a fiscalização e o controle para coibir justamente fraudes na fabricação de carnes, lácteos, ovos, pescado e mel.
O Valor apurou que técnicos da defesa agropecuária do ministério até fizeram recomendações nesse sentido. Mas sob pressão das indústrias, que intensificaram a defesa por mudanças mais brandas no regulamento, o ministério acabou entregando à Casa Civil uma versão modificada com pontos que diminuem alguns controles de inspeção, como autorização de uso de contêineres em substituição a câmaras frias, fim do carimbo sobre carcaças e autorização para fábricas processarem mel produzido em local sem inspeção.
Os episódios revelados pela Carne Fraca refletem uma realidade recorrente nos últimos anos, que levou a outras denúncias de fraudes em alimentos. Um exemplo é a operação Leite Compen$ado, do Ministério Público Federal, que investiga fraude na produção de leite desde 2013. E a Semilla, da PF, que revelou, em 2015, esquema entre fiscais e empresas de sementes e defensivos, para abrandar ou cancelar multas.
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As informações são do jornal Valor Econômico.
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