A estrutura produtiva da Nova Zelândia é marcadamente similar à estrutura produtiva do Rio Grande do Sul. Suas duas ilhas principais – a ilha norte e a ilha sul - apresentam grande similaridade com as duas metades – sul e norte – do RS. A começar pelas respectivas áreas. Mas, acima de tudo, no que diz respeito ao padrão fundiário e de especialização produtiva.
A ilha sul é marcada por propriedades maiores voltadas preferencialmente à bovinocultura de corte e à ovinocultura. Na ilha norte, as propriedades são significativamente menores e a principal atividade agropecuária é a bovinocultura de leite. A produção vinícola também é expressiva e apresenta polos nas duas ilhas. A atividade turística disputa expressão econômica com a agroindústria e se beneficia da preservação ambiental associada a uma produção agropecuária baseada no pastoreio e na agricultura permanente. A principal diferença entre as economias neozelandesa e a gaúcha encontra-se no produto per capita: o nosso é aproximadamente um terço do neozelandês. Qual o segredo da produtividade extraordinária da Nova Zelândia?
Como não poderia deixar de ser, são inúmeras as determinações desta diferença, a começar pelos níveis educacionais, capital social, qualidade das políticas públicas e familiaridade com a fronteira tecnológica nos mais distintos setores produtivos. Não obstante, há uma diferença que se deriva exclusivamente da menor resistência a inovações tipicamente schumpeterianas, baseadas mais no desapego a preconceitos e ao senso comum do que em desenvolvimentos científicos tecnológicos. Mais exatamente, a Nova Zelândia vem buscando diluir custos das duas bovinoculturas – de corte e de leite - através da integração crescente das mesmas.
Segundo o Relatório Final do “Dairy Beef Integration Projetc”, a bovinocultura de corte neozelandesa encontra-se cada vez mais associada à bovinocultura de leite e o principal beneficiado da integração é o produtor de carne, que passa a ocupar toda a área útil com a engorda e terminação de machos (bois), dispensando de forma crescente a presença de matrizes (vacas de corte).
A integração também gera vantagem econômica para o bovinocultor de leite, na medida em que o bezerro macho da vaca leiteira ganha novo preço no mercado e complementa (muitas vezes de forma significativa) a renda rural. Não obstante, a principal preocupação do produtor de leite é com a sanidade da vaca leiteira. O que o leva a privilegiar o cruzamento com raças que, mesmo gerando uma carcaça relativamente menor, são consistentes com a capacidade de gestação de fêmeas de estatura relativamente menor (como as fêmeas das raças Jersey e Kiwi-Cross).
Na busca pelo desenvolvimento de padrões de integração capazes de gerar o maior benefício possível para as duas bovinoculturas, o governo neozelandês patrocinou um amplo conjunto de pesquisas sobre cruzamentos seguros e eficazes na produção de carne de qualidade. A maior parte destes estudos encontram-se disponíveis na internet. Mas não basta acessar os resultados da pesquisa neozelandesa (ou norte-americana, ou canadense, onde o dairy beef também ganha expressão crescente!). O fundamental é se apropriar do padrão de produção das pesquisas e testes, replicando-os para a nossa realidade. Afinal, ao contrário do padrão neozelandês (em que o leite é avaliado pela massa sólida e não pelo volume líquido, o que leva ao privilegiamento do gado Jersey e suas cruzas), as vacas leiteiras nacionais são, como regra geral, de raças (holandês, zebuínos) capazes de receber cobertura de touros de grande carcaça (como o Angus, por exemplo).
Além disso – e ainda mais importante!! – é preciso entender que a experiência neozelandesa de integração das duas pecuárias é muito mais vasta do que a produção de “dairy beef”, invadindo áreas tão distintas como a produção e melhoramento de forrageiras a pasto, desenvolvimento de novas cruzas e raças, conquista e consolidação de mercado para carnes diferenciadas (em termos de teor de gordura, colesterol, ômega 3, etc.), sistemas de irrigação, complementação alimentar, sistemas industriais para ordenha, refrigeração e transporte de leite e carne, assistência técnico-veterinária, etc.
E isto na exata medida em que a “integração” neozelandesa é macroeconômica. A integração pecuária à qual a literatura neozelandesa se refere é a integração de políticas públicas, sistemas logísticos e agentes mercantis com vistas à diluição de custos do sistema agroindustrial como um todo.
Não se trata de combinar produções distintas (agrícola, pecuária, silvicultora, etc.) num mesmo estabelecimento agropecuário. Também não se trata de transformar o produtor rural num agente contratualmente associado à empresa ou cooperativa beneficiadora. Nem, tampouco, se trata de operar em sistemas “limbo”, com raças bovinas capazes de gerar leite & carne. Trata-se de uma integração que se realiza no plano macro sem negar a diferença e a especialização dos produtores no plano micro. O produtor de leite não produz carne, e o produtor de carne não produz leite. Nem qualquer um dos dois perde sua autonomia para vender o seu produto onde, quando e para quem quiser. Pelo contrário: os dois produtores têm seus graus de liberdade ampliado, na medida em que passam a contar com um número maior de produtos (o bezerro macho, no caso do produtor de leite) e/ou uma ampliação da gama de fornecedores (de bezerros para cria, engorda e terminação, no caso do produtor de carne). A integração de que falamos está baseada no aproveitamento inteligente e original do que, atualmente, é considerado subproduto, no limite do “descarte” da pecuária leiteira.
Nossa intenção, como "I Seminário de Integração das Bovinoculturas de Corte e Leite do Rio Grande do Sul" é dar início à criação de uma expertise similar no Rio Grande do Sul. O ponto de partida natural parece ser a apropriação dos conhecimentos acumulados na Nova Zelândia. Para tanto, estamos trazendo pesquisadores e produtores nacionais e da Nova Zelândia para uma troca de experiências. Mas o objetivo último do seminário é criar as bases, plantar a semente, de um projeto gaúcho de integração das duas bovinoculturas.