A partir do início do milênio, vivemos um período de forte crescimento no consumo de lácteos no Brasil (e de outros itens também, evidentemente). Adaptando a expressão de Pero Vaz de Caminha, “em se produzindo, tudo vende”.
O forte estímulo ao consumo, fruto do aumento da renda média da população, fez com que nosso mercado crescesse quase 70% ou 14,6 bilhões de litros entre 2000 e 2014. Isso é mais do que a produção total da Argentina e do Uruguai juntos, e provavelmente o terceiro maior crescimento de volume entre todos os países do mundo no período, atrás da Índia e da China. O resultado foi que nosso consumo per capita, que ficava na casa dos 120 kg/pessoa/ano, subiu a quase 180 kg no ano passado, embora ainda não tenhamos os dados do IBGE para 2014 (referentes à produção total).
Esse ano, porém, apresenta um cenário diferente. A produção inspecionada diminuiu 1% no primeiro trimestre em relação ao ano anterior, após já ter caído 0,2% no último trimestre de 2014. São, portanto, 6 meses de retração, e nada indica que o segundo trimestre deste ano tenha apresentado alguma mudança (gráfico 1).
Gráfico 1. Produção inspecionada de leite
Fonte: IBGE
Se estivéssemos lá pelo final da década passada, a análise pura e e simples dessa oferta anêmica indicaria quase que certamente uma forte elevação de preços no mercado interno, ainda mais considerando que temos 28% de tarifa externa comum, que nos protege em relação à entrada de leite de fora do Mercosul.
Mas não foi o que ocorreu. Apesar de 6 meses ou mais de retração na oferta – algo muito pouco normal em se tratando da produção de leite no Brasil após a desregulamentação do mercado em 1990 – os preços encontram-se em patamar inferior ao dos últimos 4 anos, se considerada a inflação. Isso vale para o leite ao produtor e para os preços de atacado e varejo para o UHT e queijo. Apenas o leite em pó apresenta um cenário um pouco distinto, com preços não tão baixos ao consumidor, situação que vem sendo corrigida rapidamente pela entrada de leite importado do Uruguai e da Argentina. O gráfico 2 mostra os preços relativos da inflação geral e dos lácteos, de acordo com o IPCA, do IBGE. Percebe-se que, após os anos de 2013 e parte de 2014, que foram relativamente bons de preços dos lácteos no varejo, tivemos forte correção e os lácteos voltaram a se aproximar da curva de inflação, tendo como base janeiro de 2011 (índice 100).
Gráfico 2. IPCA e inflação de leite e derivados (janeiro de 2011 = 100)
Fonte: IBGE; Elaboração: MilkPoint Inteligência
Os gráficos 3, 4, 5 e 6 mostram os preços ao produtor, preços de varejo do leite UHT, queijos e leite em pó fracionado, de 2011 até agora.
Gráfico 3 – Preços pagos ao produtor (em R$/L) – 2011 a 2015
Fonte: CEPEA; deflacionado pelo IGP-DI
Gráfico 4 – Preços de Leite UHT no varejo da cidade de São Paulo
Fonte: MilkPoint Mercado, a partir de dados da FIPE
Gráfico 5 – Preços de queijo muçarela no varejo da cidade de São Paulo
Fonte: MilkPoint Mercado, a partir de dados da FIPE
Gráfico 6 – Preços de leite em pó (embalagem de 400g) no varejo da cidade de São Paulo
Fonte: MilkPoint Inteligência, a partir de dados da FIPE
Temos, então, um cenário de pouca oferta e preços relativamente baixos para a época (e, segundo nossa percepção e de muitos agentes de mercado, com pouca possibilidade de mudança de rumo).
Há, claro, a balança comercial, que neste ano está contribuindo para que voltemos a ter um déficit digno dos anos anteriores a 2014, já que, no ano passado, praticamente terminamos no zero a zero, quando comparamos exportações e importações.
O gráfico 7, abaixo, mostra o tamanho do rombo. O déficit na balança comercial de lácteos acumulado até maio é de 283 milhões de litros, ou cerca de 3% da captação formal projetada para o período.
Gráfico 7 – Saldo da balança comercial de lácteos (em equivalente-leite)
Fonte: MDIC; Elaboração: MilkPoint Inteligência
Mesmo com as importações, o problema é mais embaixo. Em outras épocas esse volume seria escoado no mercado sem grandes problemas, Mas não mais, ou não agora.
Se projetarmos que a produção inspecionada não crescerá neste ano, e ainda considerando estoques de entrada e saída (arbitrariamente determinados com base na percepção de mercado), bem como uma projeção de exportações e importações, teremos, quando consideramos somente a produção formal, a pior taxa de crescimento dos últimos 7 anos, com pouco mais de 0,5% (tabela 1). E, isso, em ano de preços baixos.
Tabela 1. Dinâmica de expansão do mercado brasileiro
Fonte: MilkPoint Mercado
A crise de consumo, enfim, chegou aos lácteos. Com 2 anos de desempenho muito fraco da economia, em algum momento a conjuntura nos afetaria. E há, sem dúvida, setores muito mais afetados do que os lácteos, bem como países em que os produtores estão sofrendo muito mais a queda de preços que assola o mercado internacional. De qualquer forma, é um cenário novo, e desconfortável.
Encontro de Laticínios e Interleite Brasil
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, que será realizado no dia 03 de agosto em Uberlândia/MG, em que discutiremos temas como as tendências de mercado para o restante de 2015 e 2016; panorama do consumo, Europa no pós-cotas de produção; inovação; otimização das rotas de coleta de leite e gestão da cadeia de suprimentos. para ver a programação e se inscrever.
Na seqüência, teremos o Interleite Brasil (dias 4 e 5 de agosto), a décima quinta edição do evento. Nesse ano, teremos um debate inicial muito alinhado com este texto e depois palestras técnicas com especialistas nacionais e internacionais cuidadosamente selecionados e exemplos de fazendas do programa Educampo que possuem índices econômicos de destaque.
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