A segurança alimentar é um tema cada vez mais relevante e que tem recebido destaque internacional devido à crescente busca por uma melhor qualidade de vida e conscientização dos consumidores quanto ao direito de adquirir produtos seguros à saúde. No artigo desse mês iremos apresentar as principais normas, legislações e órgãos responsáveis pelo controle de resíduos de medicamentos veterinários nos produtos de origem animal destinados ao consumo humano.
O uso de medicamentos veterinários para promover o crescimento, controlar endo e ectoparasitas, tratar e prevenir enfermidades pode deixar resíduos potencialmente tóxicos e perigosos para a saúde humana nos produtos de origem animal (carne, leite, ovo, mel e seus derivados) quando são administrados de maneira indevida, sem respeitar as indicações da bula e os períodos de carência. Portanto, é necessário estabelecer “regras” de segurança quanto à venda e uso desses produtos com objetivo de garantir a saúde animal, mas especialmente a qualidade do alimento e a saúde do consumidor.
Apesar desse tema ter recebido destaque nos últimos anos, a preocupação dos órgãos e agências de saúde pública em estabelecer normas para garantia da qualidade dos alimentos consumidos pela população humana mundial é antiga. Em 1963 foi criada a Comissão do Codex Alimentarius Mundi, um programa conjunto entre a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). O Codex Alimentarius tem como finalidade proteger a saúde da população, assegurando práticas equitativas no comércio regional e internacional de alimentos, fomentando e coordenando todos os trabalhos que se realizam em normalização. Para atingir esses objetivos, os países membros elaboram normas, diretrizes e recomendações que sirvam como orientação para a sua ação regulatória de requisitos, parâmetros e práticas que reduzam os riscos advindos do consumo de alimentos. As normas, diretrizes e práticas estabelecidas pelo Codex Alimentarius estão disponíveis em: https://www.codexalimentarius.org/about-codex/en/.
O Brasil participa deste comitê desde 1980, quando foi criado o Comitê do Codex Alimentarius Brasil (CCAB), cuja finalidade é a participação nos comitês internacionais do Codex Alimentarius e a defesa dos interesses nacionais, bem como a utilização das Normas Codex como referência para a elaboração e atualização da legislação e regulamentação nacional de alimentos.
As legislações brasileiras que regulam os produtos de uso veterinário delegam competência ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) quanto à normatização do registro e a fiscalização destes produtos e dos estabelecimentos que os fabriquem, manipulem, fracionem, comercializem, importem ou exportem. (Decreto-Lei Nº467, de 13 de fevereiro de 1969; Decreto Nº 1662, de 06 de outubro de 1995; e, Portaria/MA Nº 301, de 19 de abril de 1996).
Por imposição de países importadores, o governo brasileiro criou em 1986 o Plano Nacional de Controle de Resíduos Biológicos em Produtos de Origem Animal (PNCRB) - Portaria n.º 51, de 6 de fevereiro de 1986, que em 1999 passou a ser chamado de Plano Nacional de Controle de Resíduos em Produtos de Origem Animal (PNCR) - Instrução Normativa nº 42, de 20 de dezembro de 1999 - e a partir de 2007 começou a ser chamado de Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC). Esse programa tem como objetivo a busca pela produtividade e qualidade dos alimentos de origem animal, destinados à exportação e consumo interno, conhecendo e evitando a violação dos Limites Máximos de Resíduos (LMR?s) de substâncias autorizadas para uso nos animais, bem como a ocorrência de quaisquer níveis de resíduos de compostos químicos de uso proibido no país. O programa completo, inclusive com as portarias e normas estão disponível na página do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (https://www.agricultura.gov.br/vegetal/qualidade-seguranca-alimentos-bebidas/alimentos/residuos-e-contaminantes).
Figura 1. Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em Produtos de Origem Animal (PNCRC/ANIMAL).
O Ministério da Saúde (MS), representado pela Agência de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (ANVISA) criou em 2003, o Programa Nacional de Análise de Resíduos de Medicamentos Veterinários em Alimentos Expostos ao Consumo (PAMVet), o qual foi previsto para ser implementado de forma escalonada no território nacional. Este programa prevê o controle de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal expostos ao consumo, porém apenas análises em amostras de leite.
Quais são os parâmetros analisados para determinar se um produto esta ou não dentro dos padrões aceitáveis?
O monitoramento das quantidades de resíduos de medicamentos presentes nos alimentos de origem animal consumidos nos diferentes países é realizado pelas agências reguladoras oficiais, sendo a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), FDA (Food and Drug Administration) e a EC (European Commission), as respectivas agências reguladoras do Brasil, Estados Unidos e Europa.
O Limite Máximo de Resíduos (LMR – expressa em mg/kg, mg/kg, mg/L ou mg/L) e a Ingestão Diária Aceitável (IDA – expressa em miligramas ou microgramas do produto por quilograma de peso corpóreo por dia) são os parâmetros considerados para a avaliação de exposição a produtos químicos. O LMR é conceituado como a concentração máxima que um medicamento pode estar contido em um alimento, após o período pré-estabelecido de carência (USO RESPONSÁVEL DE MEDICAMENTOS VETERINÁRIOS NA PRODUÇÃO ANIMAL X SEGURANÇA ALIMENTAR – PARTE I). Já o IDA, é a dose do medicamento a qual pode ser ingerida pelo homem, diariamente, no alimento, por toda a sua vida, sem causar dano à saúde do consumidor.
A competência para estabelecer limites máximos de resíduos (LMRs) em alimentos, seja de medicamentos veterinários, agrotóxicos, contaminantes e aditivos, é do Ministério da Saúde por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa. No caso de medicamentos veterinários esses limites nacionais ainda não foram definidos pelo setor saúde, e, portanto, vem-se utilizando no Plano Nacional de Controle de Resíduos em Produtos de Origem Animal (Instrução Normativa/MAA Nº 42, de 20 de dezembro de 1999), os níveis obtidos de referências internacionais (MERCOSUL, Codex Alimentarius, FDA/USA e União Européia).
A Resolução n? 53/2012, publicada em 03/10/2012 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a regulamentar em todo o Brasil, com base no padrão técnico definido pelos países que compõem o MERCOSUL, o limite de resíduos de medicamentos de uso veterinário presentes nos alimentos de origem animal. Essa nova resolução apresenta os últimos valores para ingestão diária admissível e limites máximos de resíduos para medicamentos veterinários em alimentos de origem animal e a metodologia analítica para análise e quantificação desses resíduos (disponível em: https://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?data=03/10/2012&jornal=1&pagina=47&totalArquivos=140).
Quais são os produtos monitorados pelo PNCCRC/ Animal?
Os primeiros programas de monitoramento de resíduos de produtos veterinários na carne foram o PNCRC/Bovinos, PNCRC/Aves e PNCRC/Suínos, além dos programas para os demais produtos de origem animal (PNCRC/Leite, PNCRC/Mel, PNCRC/Ovos e PNCRC/Pescado). Em 2012 foram incorporados ao Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em Produtos de Origem Animal o PNCRC/Equinos e PNCRC/Avestruz. Somente em maio desse ano, com a nova Instrução Normativa (Instrução Normativa SDA N° 17, de 31 de maio de 2013 – disponível em: https://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/CRC/IN%2017-2013(FINAL).pdf) é que a carne de ovinos e caprinos passou a fazer parte desse programa de monitoramento de resíduos e contaminantes.
Como são escolhidas as amostras que serão analisadas?
Mesmo sendo estabelecido pelo Codex Alimentarius, padrões de mensuração de resíduos de medicamentos a partir de LMR e IDA, alguns países utilizam os padrões Codex de forma limitada, o que dificulta o comércio internacional de produtos de origem animal entre países importadores e exportadores. Segundo Reeves (2007), somente com um acordo mundial sobre a aplicação de medidas fitossanitárias Codex Padrões de Referência para a proteção da saúde humana contra riscos de origem alimentar serão resolvidas as disputas comerciais. O mesmo autor sugere ainda que seja avaliada pelas autoridades a segurança alimentar humana a partir da gestão dos riscos de resíduos de medicamentos no local de injeção para melhoria do comércio internacional de carne.
Como são coletadas as amostras para análise do PNCRC/ Animal?
Com o objetivo de verificar a frequência, os níveis e a distribuição dos resíduos e contaminantes em produtos de origem animal são coletadas aleatoriamente em estabelecimentos registrados sob a égide do Serviço de Inspeção Federal - SIF.
As amostras de tecidos animais, bem como de produtos de origem animal são coletadas conforme normativas específicas que estabelecem, para cada espécie animal, os tecidos e as respectivas quantidades a serem amostradas, além das substâncias a serem monitoradas e respectivos limites de tolerância a serem considerados.
Essas análises relativas ao Subprograma de Monitoramento do PNCRB deverão ser realizadas em laboratórios oficiais e credenciados pertencentes à Rede Nacional de Laboratórios Agropecuários do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária. A lista de laboratórios credenciados esta disponível no site do Ministério: https://www.agricultura.gov.br/vegetal/laboratorios/laboratorios-por-area-de-analise/residuos-e-contaminantes-em-alimentos
Os resultados do monitoramento do ano passado (2012) já estão disponíveis para consulta na Instrução Normativa SDA N.º 07, de 27 de março de 2013, disponível em: https://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/CRC/Instru%C3%A7%C3%A3o%20
Normativa%207%20-%202013%20Resultados%20PNCRC%202012.pdf. Lembrando que no ano passado as carnes de ovinos e caprinos ainda não faziam parte desse monitoramento.
Considerações finais
A inclusão das carnes caprina e ovina no Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em Produtos de Origem Animal a partir desse ano (2013) é um fator importante que garantirá maior confiança ao consumidor. No entanto, é importante a conscientização do produtor quanto ao seu papel dentro da cadeia produtiva e em relação à segurança alimentar do seu produto, respeitando as dosagens indicadas nas bulas, bem como o prazo de carência dos medicamentos, especialmente os antiparasitários, utilizados indiscriminadamente nos rebanhos de ovinos e caprinos, para controle de parasitoses.
No artigo do mês que vem iremos apresentar os principais efeitos para saúde do consumidor da presença resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal.
* Outros autores: Livia Cristina Vale Fidalgo Saraiva