Importância dos sistemas de identificação e registro de animais
Os principais fóruns nacionais de discussão sobre as cadeias produtivas de ovinos e caprinos apontam para a necessidade de políticas voltadas a implantação de programas de melhoramento genético concretos, a exploração da biotecnologia, a capacitação tecnológica e gerencial e a readequação das políticas sanitárias baseadas no controle efetivo sobre a movimentação de animais.
As discussões que permeiam acerca do mercado informal, com particular ênfase em relação à movimentação e ao abate clandestino de animais, e ainda, a crescente demanda por parte dos consumidores sobre políticas de segurança de alimentos integrada e abrangente, nos remetem a necessidade de avaliação criteriosa sobre os tradicionais sistemas de identificação de ovinos e caprinos empregados no país.
Episódios de repercussão internacional como os casos de encefalopatia espongiforme bovina (BSE) na Europa, peste suína clássica na Holanda (1997), febre aftosa e influenza aviaria em inúmeras regiões do mundo recentemente trouxeram insegurança para o poder público, indústria alimentícia e, em especial, aos consumidores. Evidenciaram ainda que os sistemas de identificação animal utilizados em vários países não são suficientes para suportar rastreabilidade efetiva.
Os sistemas de identificação tradicionalmente utilizados em ovinos e caprinos (brincos, colares, tatuagens) são pouco confiáveis, havendo a necessidade de implementação de novas tecnologias para este fim (PINNA et al., 2006). A perda ou troca de brincos entre animais, dificuldade de visualização à distância, problemas na leitura devido à abrasão dos caracteres e sujeiras (MACHADO & NANTES, 2004) e identificação incorreta do verdadeiro número do animal, são alguns dos principais fatores associados a esses sistemas (PINNA et al., 2006).
A falta de controle sobre a movimentação de animais, resultante do crescimento dos rebanhos, e as possíveis fraudes decorrentes de falhas associadas aos sistemas de identificação, levaram a União Européia a partir da década de 90 a implementação de projetos direcionados a avaliação de dispositivos eletrônicos, visando estabelecer sistema de identificação comum a todos os animais. Tal ação se concretizou após a publicação do regulamento da comunidade européia (CE 21/2004) de que todos os animais destinados a recria, incluindo ovinos e caprinos, comercializados nos países membros da comunidade europeia ou destinados a outros países deveriam ser identificados propriamente, com sua movimentação rastreável (EC, 2004).
O mesmo regulamento prevê que brincos plásticos e identificação eletrônica são os únicos métodos amplamente reconhecidos pela comunidade europeia e estabelece o emprego de duplo sistema de identificação para animais de recria, sendo composto por brinco auricular e um segundo sistema, a ser escolhido por cada país membro. Caso a população de ovinos e caprinos do país membro da comunidade europeia seja superior a 600.000 animais, o segundo meio de identificação deve ser um dispositivo passível de radio frequência (EC, 2004).
Embora a ovinocaprinocultura brasileira não esteja inserida no contexto de exportação, cabe lembrar que atualmente detemos o oitavo maior rebanho de pequenos ruminantes, e notadamente, diante do favorecimento geográfico e climático, cumpre apostar que o país poderá figurar entre os produtores mundiais e vislumbrar exportações em cenário futuro. A atividade vive momento favorável e a sua expansão deve ter como uma das prerrogativas a implementação de sistemas de identificação seguros, capazes de permitir efetivo controle sobre o trânsito de animais e que possibilitem a gestão coordenada entre os diferentes elos da cadeia produtiva.
A implantação de sistema de identificação e registro com base na identificação eletrônica não se justifica somente para a adequação às exigências de mercados importadores, e sim, deve ser vista como forma de operacionalização dos sistemas de manejo e aumento de eficiência produtiva tão almejada e necessária frente à competitividade exigida pelo mercado.
De acordo com BARCOS (2001), os dispositivos de identificação animal devem ser convenientes, de fácil aplicação e leitura, apresentarem retenção efetiva ao longo da vida dos animais, além de não produzirem nenhum efeito adverso para a saúde e/ou apresentarem risco a saúde humana pela contaminação da carcaça. Também devem ser isentos de fraudes e apresentar relação benefício-custo favorável. Mais recentemente, tem sido exigido dos sistemas de identificação animal acesso a novas áreas, incluindo bem estar animal, segurança do alimento e melhoria da eficiência de produção animal (STANFORD et al., 2001).
A identificação individual de animais constitui-se no ponto chave para todo e qualquer processo de produção e, por conseguinte, para a adoção de um processo de rastreabilidade (BASS et al., 2008). O emprego da identificação eletrônica em ovinos e caprinos pode trazer eficiência aos processos produtivos uma vez que permite o acesso rápido a informações e a tomada de decisões com base em informações confiáveis. Esta perspectiva se concretiza com a utilização de softwares de gestão aptos a acomodar as operações demandadas.
A rastreabilidade de animais e de seus produtos é resultado de demanda e de exigência do processo de globalização, na qual a provisão de diferentes soluções tecnológicas se torna necessária. Os dispositivos intrarruminas têm provado ser um sistema de identificação seguro, efetivo e capaz de atender às demandas pertinentes a um sistema de identificação. No próximo artigo serão abordados alguns dos principais aspectos relacionados à utilização de bolus eletrônicos na identificação de ovinos e caprinos e suas aplicações.
Referências bibliográficas
BARCOS, L. O. Recent developments in animal identification and the traceability of animal products in international trade. Rev. Sci. tech. Off. int. Epiz., v.20, n. 2, p. 640-651, 2001.
BASS, P. D.; PENDEL, D. L.; MORRIS, D. L. Review: Sheep Traceability Systems in Selected Countries Outside of North America. The Professional Animal Scientist, v. 24, p. 302-307, 2008.
EC, (2004). Council regulation (EC) No 21/2004 of 17 December 2003 establishing a system for the identification and registration of ovine and caprine animals and amending Regulation (EC) No 1782/2003 and Directives 92/102/EEC and 64/432/EEC. Official Journal European Union L5:8.
MACHADO, J. G. de C. F., & NANTES, J. F. D. Identificação eletrônica de animais por radiofreqüência (RFID): perspectivas de uso na pecuária de corte. Revista Brasileira de Agrocomputação, v. 2, n. 1, p. 29-36, 2004.
PINNA, W. et al. Electronic identification of Sarda goats under extensive conditions in the island of Sardinia. Small Ruminant Research, v. 66, p. 286-290, 2006.
STANFORD, K., STITT, J., KELLAR, J. A. Traceability in cattle and small ruminants in Canada. Rev. Sci. tech. Off. int. Epiz, v. 20, n. 2, p. 510 -522, 2001.