São vários os aspectos relacionados à preferência pela planta forrageira dos ovinos em pastejo. Essencialmente comportamental, a preferência é a resposta seletiva do ovino por diferentes plantas.1 Existe uma complementaridade entre as diferentes bases teóricas do processo de pastejo: experiência de pastejo, dispersão espacial da forragem, estímulos sensoriais e conseqüências pós-digestivas.2
A seletividade é uma característica marcante do hábito alimentar do ovino, que não se limita apenas à escolha preferencial de uma planta ou outra, havendo também seleção de plantas dentro de uma mesma espécie e partes de uma mesma planta, que poderá ter algumas partes preteridas pelo animal. Como conseqüência, há casos em que determinado sistema de produção não se mostre eficiente, mesmo com uma disponibilidade satisfatória de forragem, devendo-se, nesse caso, atribuir o fato à preferência do animal.
Ovinos lanados e deslanados apresentam características distintas e importantes em relação ao hábito alimentar nas pastagens, e que são fundamentais na escolha das forrageiras e das raças a serem utilizadas no sistema de produção proposto.
Ovinos lanados têm preferência por espécies forrageiras de porte baixo, enquanto os ovinos deslanados tendem a apresentar um comportamento inverso, revelando maior ingestão de espécies arbustivas, inclusive leguminosas, provavelmente em razão da composição do próprio ambiente em que evoluíram.
Em condições de campo, ovinos lanados pastejam em lotes, dificilmente sendo observados animais pastejando isoladamente. Por sua vez, o ovino deslanado apresenta comportamento um pouco diferente, pois explora mais o pasto, caminha mais na busca e na seleção do alimento e, também, revela uma tendência mais independente, formando pequenos grupos dentro da pastagem ou mesmo pastejando isoladamente.3
A velocidade de passagem da forrageira pelo trato digestivo do ovino possui relação direta com a sua digestibilidade, e o valor nutritivo da forrageira refere-se especificamente à composição química do alimento.
A avaliação do valor nutritivo da planta forrageira tem grande importância na regulação do consumo de matéria seca pelo ovino, que por sua vez, é um ponto determinante na obtenção dos nutrientes necessários para a mantença e produção do animal. Contudo, as características morfológicas da gramínea forrageira também influenciam o consumo dos ovinos. Pastagens formadas por plantas forrageiras altamente digestíveis e "palatáveis", porém produzindo reduzidas quantidades de massa seca, contribuem pouco para a produção de carne e leite por unidade de área.
O ambiente de pastejo caracteriza-se pela heterogeneidade espaço-temporal da distribuição de forragem. A complexidade desta distribuição impõe ao animal em pastejo o desafio de obter uma dieta de alta qualidade e quantidade suficiente às suas necessidades, devendo-se entender necessidades dentro da perspectiva do animal e não na expectativa do homem.2
Considerando que o ovino despende parte do seu tempo diário para consumo do alimento e parte para ruminação e descanso, deve-se providenciar para o mesmo, uma pastagem cuja densidade de vegetação seja tal que permita ao animal consumir toda a massa seca que necessita dentro do período de consumo diário, que normalmente é em torno de 8 horas. Portanto, se o volume e a distribuição da vegetação na pastagem não forem adequados, o animal não consegue ingerir, dentro do referido período, todo o alimento necessário, conforme suas exigências nutritivas.
As variações na produção e na qualidade da forragem produzida, ao longo do ano, dentro das estações ou em rebrotações específicas, bem como a resposta da planta a práticas de manejo, aliadas aos aspectos comportamentais e suas variações entre diferentes raças de ovinos, fundamentaram a elaboração e condução do projeto de pesquisa "Interface planta-animal em diferentes pastagens de Panicum maximum jacq. visando a preferência com ovinos."
Executado na Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de Itapetininga e no Instituto de Zootecnia de Nova Odessa, ambos vinculados à APTA -Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, respectivamente localizados nas regiões Sudoeste e Centro Sul do Estado de São Paulo, permitiu o estudo dos aspectos quantitativos (acúmulo de forragem, composição botânica, altura do relvado pré e pós pastejo, porcentagem de lâminas foliares, densidade populacional de perfilhos) e qualitativos (composição química e digestibilidade) de quatro cultivares de Panicum maximum Jacq. (Aruana, Áries, Atlas e Massai) associados à preferência de ovinos por estes cultivares.
O Panicum maximum Jacq. cv. Aruana tem sido utilizado com sucesso na ovinocultura, por causa, provavelmente, da presença de colmos finos, boa relação folha:colmo e da alta persistência sob pastejo.
Áries, Atlas e Massai são cultivares de Panicum maximum recentemente lançados no mercado e, por apresentarem alta produção de massa seca e hábito de crescimento ereto, mostram-se como opções promissoras para formação de pastagens para ovinos.
Desde 1995, o Instituto de Zootecnia de Nova Odessa vem obtendo bons resultados com o capim-Aruana, em sistema de pastejo com ovinos. Esse capim apresenta produção em torno de 14.000 kg ha ano de MS, com 15% de proteína bruta e 71% de digestibilidade "in vitro" da matéria seca4. O sucesso de seu uso com ovinos deve-se à boa aceitabilidade pelos animais, à alta persistência sob pastejo severo e à rápida rebrotação após a desfolhação, atribuída às numerosas gemas basais6, além das características de produção e composição.
O cultivar Áries é um híbrido F1 apomítico (LSC2 x Aruana), obtido do cruzamento de dois acessos de Panicum maximum, e apresenta alta exigência em fertilidade do solo, boa tolerância à seca e ao frio. Essa gramínea é de ciclo perene, com hábito de crescimento cespitoso, grande potencial de perfilhamento, colmos delgados, folhas estreitas de coloração verde clara e sem pilosidade.7
O cultivar Atlas é uma gramínea híbrida apomítica obtida através do cruzamento LST1 x K-68 (Introdução da Costa do Marfim), de ciclo perene, com plantas de 1,5 a 2,0 m de altura, com excelente perfilhamento e boa produção de forragem, que apresenta boa qualidade nutricional. Suas folhas apresentam baixa pilosidade e sem cerosidade7. Outro estudo8 com o Atlas relatou que este cultivar apresentou um acúmulo de 12,2 Mg MS ha ano (8,5 Mg MS ha ano durante o verão e 3,7 Mg MS ha ano no inverno).
O Massai faz parte de uma coleção de 426 acessos de Panicum maximum, trazida da Costa do Marfim, África, em 1982. Após dois anos de estudos da coleção completa, foram selecionados 25 exemplares (entre eles o Massai), julgados pelos pesquisadores da Embrapa Gado de Corte como plantas promissoras. Entre os 426 acessos, o Massai mostrou-se o mais tolerante à baixa fertilidade, adapta-se bem em solos com baixos níveis de fósforo e áreas com grande concentração de alumínio. É um capim que se adapta às condições de solo do Brasil Central. Além disso, seu sistema radicular é privilegiado. Suas raízes profundas captam água e nutrientes com facilidade.9
O capim-Massai8 produziu 30 Mg MS ha ano seguidos dos capins Mombaça, Tanzânia e Tobiatã que acumularam 20 Mg MS ha ano. O cultivar Massai foi o que apresentou a maior participação de material morto e os menores valores nutritivos (com maiores conteúdos de fibra em detergente neutro e menores digestibilidade e teores de proteína bruta) quando comparado com Tanzânia e Mombaça.10
O capim-Áries e o capim-Massai possuem características morfológicas e de desenvolvimento semelhantes às do capim-Aruana e por isso tem-se a expectativa de que estes cultivares também possam ser uma opção interessante na produção de ovinos. Já o capim-Atlas apresenta dinâmica de crescimento vegetativo semelhante à do capim-Tanzânia, já utilizado e recomendado pelos pesquisadores do núcleo de estudos com ovinos do Instituto de Zootecnia em Nova Odessa.
Os experimentos foram conduzidos com a mesma metodologia, usando as raças Ile de France e Santa Inês, em duas regiões com características climáticas distintas, a saber:
1.Raça Ile de France; Região Sudoeste: Município de Itapetininga - SP (23035´ de latitude Sul, 48003´ de longitude Oeste e altitude média de 670 m), com solo classificado como Latossolo Vermelho Escuro orto (LE). A região apresenta clima do tipo tropical de altitude sujeito a ventos sul e sudoeste com geadas fracas e nítidas estações de água (outubro a março) e de seca (abril a setembro) e temperaturas médias anual de 20,9oC, mínima de 16oC e máxima de 25,7oC e precipitação pluvial média anual de 1368 mm.
2.Raça Santa Inês; Município de Nova Odessa - SP (22042´ de latitude Sul, 47018´ de longitude Oeste, altitude de 550 m), com solo classificado como Argissolo Vermelho-Amarelo. A precipitação pluvial média anual no município é de 1270 mm, com ocorrência de 30% entre os meses de maio e setembro, apresentando o mês mais frio do ano temperatura inferior a 18oC.
O delineamento experimental foi em blocos completos casualizados, com quatro tratamentos (cultivares) e quatro repetições em cada local. As parcelas experimentais medirão 100 m2 (10m x 10m). A Figura abaixo representa a área experimental.
Figura 1.Croquis da área experimental para os dois locais de execução.
Após o estabelecimento dos capins foi feito um rebaixamento dos mesmos para início das avaliações.
As avaliações foram feitas em seis ciclos de pastejo ao longo de um ano experimental (dois ciclos no verão, dois ciclos no outono, um ciclo no inverno e um na primavera), sendo que cada ciclo teve cerca de 28 dias de rebrotação (no período das águas) e cerca de 42 dias de rebrotação (nas secas), de acordo com a velocidade de crescimento dos capins ao longo das estações do ano.
Para avaliação da preferência dos ovinos pelos capins foi utilizado um lote de animais que entrou seqüencialmente em cada bloco onde tiveram livre escolha de pastejar qualquer uma das parcelas (cultivares) em ensaio tipo cafeteria. Os blocos foram delimitados por cercas fixas. O lote de animais constou de 6 borregas (selecionadas de um grupo de 20 animais com comportamento normal de pastejo), com peso médio de 30 kg. O lote entrou em cada bloco permanecendo por um período de duas horas/por apenas um dia (8:00 as 10:00 horas). As anotações iniciaram-se após trinta minutos da entrada dos animais em cada bloco. A cada 5 minutos foram anotadas (por um observador) as parcelas em que os animais pastejaram. Durante duas horas de pastejo (da permanência dos animais em cada bloco) também foi utilizada uma câmera filmadora para registro do comportamento alimentar dos ovinos. Os animais de observação (preferência) permaneceram em um pasto reserva de Brachiaria decumbens, em Itapetininga e Pensacola (Paspalum notatum Fluegge var. saurae Parodi) em Nova Odessa quando não estejam sendo utilizados nos piquetes experimentais.
Outro lote de animais foi usado, após as duas horas de observações de preferência, para rebaixamento dos capins de cada bloco até a altura de 10 - 15 cm. Quando algum capim não fora rebaixado pelos animais até esta altura, foi feito rebaixamento mecânico. O lote de rebaixamento conteve tantos animais quantos foram necessários para rebaixar os capins de cada bloco em um dia, de acordo com a avaliação da quantidade de forragem ofertada quantificada antes da entrada dos animais do lote de observação.
Durante os ciclos de pastejo foram feitas as seguintes avaliações: Massa de forragem pré-pastejo e pós-pastejo; Composição botânica; Densidade populacional de perfilhos; Altura do dossel forrageiro; Acúmulo de forragem (AF) e taxa diária de acúmulo de forragem (TDAF) e Valor nutritivo dos capins.
Os resultados foram submetidos à análise de variância segundo o procedimento GLM do pacote estatístico SAS (Statistical Analysis System) (SAS Institute, 1999) versão 8.02 para Windows. As médias foram obtidas através do "LSMEANS" e comparadas através do teste de Tukey a 10%.
Como conclusão geral do projeto desenvolvido na UPD de Itapetininga constatou-se que as maiores preferências dos ovinos lanados (Ile de France) foram pelo Áries e o Altas e a menor pelo Massai, ficando o Aruana com preferência intermediária. O Massai apresentou as menores quantidades de massa de forragem pré e pós-pastejo e as menores alturas de entrada e saída dos ovinos, apesar da sua menor preferência pelos ovinos, sugerindo não ser bem adaptado à região Sudoeste do Estado de São Paulo.
No experimento executado no Instituto de Zootecnia as observações realizadas permitiram concluir basicamente que as maiores preferências dos ovinos deslanados (Santa Inês) foram pelo Aruana e o Áries e a menor pelo Massai, ficando o Atlas com preferência intermediária. O Massai apresentou a menor quantidade de massa de forragem pré-pastejo e uma das maiores quantidades no pós-pastejo, confirmando sua menor preferência pelos ovinos. O Atlas apresentou as maiores altura e massa no pré-pastejo e a maior massa no pós-pastejo, coincidindo com sua aceitação apenas mediana.
As pastagens tropicais apresentam alto potencial de produção de massa seca e, com medidas de manejo para equacionar a oferta de forragem e o valor nutritivo, é possível oferecer ao animal alimento de boa qualidade suprindo, assim, as exigências do animal, resultando em boa produção por área.
Para a efetiva exploração da ovinocultura de forma mais intensiva, buscando máxima lucratividade e produtividade elevada é fundamental conhecer as características da forragem oferecida aos animais e conciliar esse conhecimento com a escolha da raça ovina e as condições edafoclimáticas locais, antevendo assim a viabilidade econômica para o sistema de produção proposto.
Referências bibliográficas:
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4-GERDES, L. Introdução de uma mistura de três espécies forrageiras de inverno em pastagem irrigada de capim-Aruana. Piracicaba, 2003, 73p. Tese (Doutorado) - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo.
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