O leite de cabra caracteriza-se como um produto diferenciado, convergindo propriedades nutricionais e funcionais. Comparado ao leite de vaca, apresenta maior proporção de ácidos graxos de pequena e média cadeia (6 a 14 carbonos) e menor proporção de caseína αs1, que resultam em maior digestibilidade.
Além disso, em função da menor proporção de caseínas do tipo αs1 e da configuração das lactalbuminas, o leite de cabra é uma alternativa alimentar para indivíduos que desenvolvem intolerância e reações alérgicas ao consumo de leite de vaca. Estas características têm sido associados à maior aceitação e consumo do leite
Porém, não só as características nutricionais devem ser postas em questão no que diz respeito a qualidade do leite de cabra. A procura pelo produto "leite de qualidade" vem aumentando a cada dia em todas as bacias leiteiras caprinas do país e os produtores, para atender às indústrias e aos consumidores, além do preço competitivo, precisam enfrentar o desafio de manter e garantir a qualidade microbiológica do leite de cabra desde sua produção na propriedade.
Existem vários fatores que alteram a qualidade do leite e comprometem a segurança e o rendimento dos produtos lácteos destinados ao consumo humano, o que exige do produtor conhecer e adotar boas práticas para sua produção. A qualidade higiênico-sanitária do leite é um dos principais fatores e, pode ser influenciada pelo estado sanitário do rebanho, pela higiene do ordenhador, pela higiene e condições das instalações e dos equipamentos utilizados durante a ordenha, pelos aspectos sanitários do local de ordenha e pelas condições de transporte e armazenamento.
Práticas realizadas dentro da propriedade podem assegurar que o leite de cabra seja produzido por animais saudáveis sob condições aceitáveis e em equilíbrio com o meio ambiente. Desde a produção da matéria prima até o consumo, todos os produtos lácteos devem ser submetidos a uma combinação de medidas de controle. Juntas, essas medidas, que podem ser chamadas de Boas Práticas Agropecuárias (BPAs) e Boas Práticas de Fabricação (BPFs), podem dar um nível apropriado de proteção à saúde dos animais e do consumidor.
Produtores, fornecedores de insumos, transportadores, fabricantes de produtos lácteos e alimentos, distribuidores e comerciantes devem fazer parte de um sistema de gerenciamento integrado que garanta a segurança e qualidade alimentar.
O papel dos produtores de leite de cabra é assegurar que boas práticas agropecuárias, higiênicas e animais sejam empregadas na propriedade. O foco deve ser a prevenção dos problemas, incluindo as doenças antes que elas ocorram. Assim, as BPAs poderão contribuir para assegurar que o leite de cabra e seus derivados estejam livres de contaminantes, seguros e apropriados para consumo.
Para atingir o mercado de alimentos seguros, os produtores de leite de cabra precisam aplicar as Boas Práticas Agropecuárias em algumas áreas tais como: saúde animal, higiene da produção de leite, alimentação animal incluindo água, bem-estar animal, instalações, meio ambiente e um acompanhamento técnico.
A escrituração zootécnica é uma das primeiras ferramentas para que as Boas Práticas na produção de leite de cabra sejam aplicadas. Através da identificação e do controle de cada animal do rebanho pode-se monitorar eventos tais como compra e venda dos animais, saída dos animais para exposições, reincidivas de doenças, partos, movimentação de animais, que poderão facilitar a implantação e manutenção de um programa sanitário eficiente na propriedade.
Nas propriedades produtoras de leite de cabra a prestação de serviços de assistência técnica e gerencial deve ser realizada sempre por técnico especializado (médico-veterinário, agrônomo, zootecnista), monitorando o manejo dos rebanhos, a ordenha e prestando orientações quanto as BPAs e ao controle de qualidade do leite. É imprescindível o acompanhamento de análises do leite desde a ordenha até a plataforma de recepção em períodos pré-estabelecidos com o objetivo de avaliar a qualidade do leite.
A inspeção e o exame clínico dos animais é fundamental, não permitindo ordenhar fêmeas no período final de gestação, em fase de colostro e que apresente algum sinal característico de enfermidade. Animais encontrados com problemas e submetidos a tratamentos com antibióticos ou quimioterápicos deverão ser isolados e o leite destes animais deverá ser descartado para assegurar a ausência de resíduos no leite. Deve-se sempre observar o período de carência dos produtos em geral aplicados verificando os prazos de retirada do leite para consumo.
A qualidade do leite de cabra está ligada diretamente, dentre outros fatores sanitários, nutricionais e ambientais, com a inflamação da glândula mamária devido a invasão de agentes patogênicos. A mastite, é considerada a principal doença que afeta os rebanhos caprinos leiteiros do mundo, e aquela que proporciona as maiores perdas econômicas na exploração da atividade. Para o controle da doença, é importante que exista um programa para o diagnóstico e monitoramento constante na propriedade rural.
Destaca-se a seguir algumas medidas que podem ser tomada para o controle da mastite caprina e diretamente, para obtenção de leite com qualidade:
- tratamento imediato de todos os casos clínicos, por meio do teste da caneca telada ou de fundo preto (retirada dos 3 primeiros jatos de leite);
- funcionamento adequado do sistema de ordenha, seja ela manual, através da higiene dos ordenhadores, ou mecânica através do bom funcionamento da ordenhadeira;
- correto manejo de ordenha com ênfase na desinfeção dos tetos após a ordenha;
- descarte de cabras com mastite crônica;
- boa higiene e conforto na área de permanência dos animais. A correta desinfecção dos tetos, antes e após a ordenha, pode prevenir a entrada de novas infecções no rebanho e também a disseminação da doença.
A estocagem do leite de cabra poderá ser realizada mediante congelamento e com manutenção da temperatura a - 18°C e esta temperatura deverá ser atingida no menor tempo possível ou em refrigeração até temperatura igual ou inferior a 4°C num período de tempo não superior a 2 horas após o término da ordenha.
Práticas de bem-estar animal devem ser incorporadas na maioria dos esquemas das propriedades que queiram produzir leite de cabra de qualidade e seguro. Boas Práticas Agropecuárias para garantir o bem-estar animal geralmente envolvem cinco pontos principais:
- assegurar que os animais sejam livres de sede, fome e má nutrição;
- assegurar que os animais estejam livres de desconforto;
- assegurar que os animais estejam livres de dor; injúria e doenças;
- manejadores devem tratar os animais de maneira apropriada e estarem comprometidos com os mesmos;
- os animais devem ter espaço suficiente para que possam exercer suas atividades normais, de por exemplo, dormir, se reproduzir e se alimentar.
Além de todos os aspectos já discutidos, a saúde e produtividade animal, acompanhada da qualidade e segurança do leite produzido, dependem da qualidade e manejo da água e do alimento oferecido. A qualidade do leite de cabra também pode ser afetada, por exemplo, pela qualidade da água usada na sala de ordenha e para lavar o equipamento de ordenha e a sala de leite. Se a água é contaminada, os agentes podem causar perda na qualidade e segurança do leite produzido.
A chave para a produção de leite de cabra com qualidade é a sustentabilidade, desde a propriedade até sua comercialização. Se todos os elos da cadeia produtiva estiverem em consonância, o produto final estará dentro dos padrões de Segurança Alimentar.