Autor do artigo:
Tarcísio Maranin, Médico Veterinário pelo Centro Universitário de Jaguariúna
A bovinocultura é responsável pela maioria dos clones produzidos comercialmente no Brasil. Estima-se que existam aproximadamente 1.500 animais nascidos pela técnica de Transferência Nuclear de Células Somáticas (TNCS) por todo mundo, e em especial, na América do Norte, Japão, Nova Zelândia, Europa, Ásia e América do Sul (HEYMAN, 2005).
A clonagem ou técnica de transferência nuclear (TN) é uma biotecnia que permite a geração de um organismo geneticamente idêntico ao outro. Para sua execução, retira-se o núcleo de uma célula embrionária ou somática de interesse, e após o mesmo é transferido para um óocito previamente enucleado (CAMPBELL et al.; 1996). Os partos dos clones são frequentemente sujeitos a assistência veterinária, especialmente em virtude do fato de que em muitos casos, não ocorre a sinalização fisiológica do parto na matriz, o que contribui para a ocorrência de um grande número de partos cesáreos, a fim de minimizar a ocorrência de problemas de saúde à matriz e especialmente ao neonato (KOMNINOU, 2008).
Em receptoras prenhas de clone, é comum que a gestação se prolongue. Isto ocorre devido à redução dos níveis de cortisol, que passa a ser insuficiente para o sistema IGF (fator crescimento insulina-dependente), ocasionando alterações no processo normal do desenvolvimento do parto (MATSUZAKI & 2 SHIGA, 2002). Em função disto, mesmo que o feto atinja o final do estágio de maturação, a matriz receptora não sinaliza o parto através de sinais fisiológicos, pois não apresenta a dilatação de cérvix. Nestes casos, o feto pode apresentar sinais de sofrimento fetal, razão pela qual, a cirurgia cesariana passa a ser recomendada (HILL et al.; 1999).
As principais alterações fisiológicas caracterizadas como complicações do período neonatal são observadas nas primeiras horas de vida do clone, entre o parto até 24 horas, e ocorrem, na maioria dos casos, devido a distúrbios de adaptação neonatal que envolvem os sistemas circulatórios e cardiovasculares (MARCHESE, 2014). Deficiências nestes sistemas podem desencadear hipóxia por alterações na circulação uteroplacentária ou por distúrbios do cordão umbilical (SIRISTATIDIS et al.; 2003) e a maioria das perdas gestacionais de clones está associada a estas falhas (WELLS,1999); (HILL et al.; 1999); (BUCZINSKI et al.; 2009). Uma circulação fetal ineficiente pode levar ao quadro de hipoxemia e hipóxia tecidual no clone. Esta ocorrência pode se desenvolver muito precocemente, ainda no parto, e desencadear um estado de sofrimento fetal, que neste caso, será provocado por deficiência placentária (KOMNINOU, 2008).
Nas gestações de conceptos clonados, os placentônios apresentam variados números e tamanhos (MIGLINO et al.; 2007) e na grande maioria dos casos, são maiores em tamanhos e menores em quantidade. Esta alteração acarreta um menor fluxo sanguíneo ao concepto e assim, uma menor passagem de oxigênio, ocasionando sofrimento fetal do clone no pré-parto (BATCHERLDER et al.; 2007). Quando os distúrbios fisiológicos atingem o sistema respiratório, é possível utilizar várias manobras para provocar o início dos movimentos necessários à manutenção deste sistema, a fim de evitar hipóxia e acidose, preservando a vida do clone. Uma destas manobras consiste em estimular os termos receptores localizados na pele do animal, derramando 5 litros (em média) de água a 5°C sobre a cabeça do neonato imediatamente após o nascimento.
Nos casos que as manobras não são suficientes, a respiração espontânea pode ser rapidamente estimulada por administração intravenosa na dosagem de 10 a 400 mg de cloridrato de doxapram (KUMAR, 2009). Estes procedimentos auxiliam o processo de troca gasosa do neonato, diminuindo as complicações ocasionadas pela acidose lática de causa respiratória (BLUEL et al.; 2010), ainda preocupante em clones neonato.
A análise da concentração de lactato plasmático, um metabólico bioquímico, após o parto, pode servir como um importante indicador da ocorrência de hipóxia no clone recém-nascido, uma vez que essa molécula é considerada um marcador de perfusão tecidual. Bioquimicamente, o aumento do lactato refletiria uma intensa metabolização das reservas energéticas, causada especialmente pelo aumento da atividade simpática, derivada do estresse adaptativo ao nascimento (STEINHARDT, 1995).
Ainda que a produção de lactato ocorra em todos os tecidos, o lactato plasmático representa de forma mais efetiva o derivado dos músculos, cérebro, hemácias e intestino. Entretanto, é importante salientar que há circunstâncias onde seus valores estarão elevados e ainda assim, dissociados a hipoperfusão tecidual (SILVA et al.; 2001), tal como na ocorrência de hipoglicemia ou sepse. Os resultados obtidos após a leitura dos níveis plasmáticos do lactato dos 12 clones estão apresentados na figura 1.
Estudos demostram que o lactato também é produzido pela placenta e distribuído na circulação materna e fetal, contribuindo para o aumento do “carbono” no crescimento fetal (pela metabolização da glicose), o que é bastante positivo, especialmente em função do fato de que a taxa respiratória fetal impõe necessidades de mínimas necessárias de fontes carbono ao feto (HAY et al.;1988).
Conclusão
Nesta pesquisa, foi possível constatar que os níveis plasmáticos de lactato nos indivíduos clones da raça Gir foram superiores aos observados nos indivíduos da raça Nelore, tanto no T=0h como nas próximas 48h após o nascimento. Havendo uma alteração significativa nos níveis de lactato no pós-parto (0h), faz-se necessário a introdução imediata de protocolos médicos que visem impedir o desenvolvimento da acidose respiratória ao longo das próximas horas de vida do clone, diminuindo as perdas relacionadas a este importante quadro metabólico que entre outros fatores, desencadeia hipóxia tecidual e que pode ser fatal.
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