Classicamente o período de transição compreende as 3 semanas imediatamente pré-parto e as 3-4 semanas pós-parto, e é um período crítico para toda e qualquer vaca leiteira. O stress fisiológico a que esses animais são submetidos no final da gestação e no início da lactação é muito grande. Diversas são as mudanças hormonais que ocorrem para preparar as vacas para uma nova parição. Dessa forma, se não estiverem muito bem preparadas para suportar esse desafio, podem sofrer grandes problemas, que irão resultar em saúde comprometida e quebra na produção de leite, gerando prejuízos significativos aos produtores de leite.
No Período de Transição a vaca passa de um estado gestante, não lactante, para um estado em que a gestação já se encerrou, e a produção de leite está em ritmo crescente. Nesse período, diversas e profundas alterações ocorrem no metabolismo animal para dar suporte a essa mudança de status fisiológico, sendo as mais significativas a redução no consumo de alimentos e a inversão entre demanda e suprimento de energia. Isso impõe uma grande dificuldade à vaca no início da lactação, uma vez que ela não consegue consumir o que precisa para atender à demanda energética, gerando uma condição de balanço energético negativo (BEN). Com isso a vaca precisa mobilizar suas reservas adiposas para utilizar a gordura armazenada como fonte de energia. Dependendo da magnitude dessa mobilização, a vaca pode ter dificuldades para metabolizar essa gordura no fígado, e isso pode levar à ocorrência de distúrbios metabólicos importantes, como cetose e fígado gorduroso.
Para minimizar os efeitos desses distúrbios, e prevenir a sua ocorrência, é preciso entender o funcionamento do fígado, e como a gordura é metabolizada. Os lipídios são a forma de armazenar a gordura no tecido adiposo. Um lipídio é composto por uma molécula de glicerol e três moléculas de ácido graxo. A mobilização das reservas gordurosas tem início com a lipólise, liberando-se o glicerol e os ácidos graxos, que entram na corrente sanguínea em forma livre (ácidos graxos livres, ou não esterificados – AGNE). No início da lactação estima-se que os AGNE respondam pela produção de 40% da gordura do leite.
Dessa forma, a concentração de AGNE no sangue aumenta na mesma proporção da intensidade do BEN. Quanto mais intenso o déficit energético, maior a necessidade de mobilizar reservas, e maior a liberação de AGNE no sangue. Esses AGNE chegam ao fígado para serem oxidados a fim de se produzir energia para atender à demanda da lactação. Se a quantidade de AGNE que chegam ao fígado não for muito elevada, não há problemas, o órgão é capaz de oxidar quase que integralmente o pool de AGNE que chega pela corrente sanguínea.
No entanto, a capacidade de metabolização desses compostos pelo fígado é limitada, e se a quantidade de AGNE for muito grande (mobilização excessiva de reservas, indicando BEN pronunciado) o fígado pode ficar saturado, e aí começam os problemas. Num primeiro momento, o excesso de AGNE que não pode ser oxidado pela rota normal, passa a dar origem a compostos chamados de corpos cetônicos (CC). Se os CC forem produzidos em pequenas quantidades, também não há problemas, eles podem ser utilizados por diferentes tecidos como fonte de energia. Os principais corpos cetônicos são a acetona, o acetoacetato e o -hidroxi-butirato. Porém, se a produção de CC no fígado for muito intensa, esses compostos passarão a se acumular na corrente sanguínea, causando redução ainda maior no consumo de alimentos, com consequente queda na produção de leite. Se o acúmulo de CC na corrente sanguínea for muito elevado, o animal poderá sofrer danos neurológicos, que podem levá-lo à morte.
Pelo exposto até agora fica evidente que o metabolismo de gorduras, especialmente os processos relacionados ao fígado, têm profundos impactos na saúde das vacas, e isso é decisivo no desempenho no início da lactação. Basicamente, a origem de tudo é a queda no consumo de alimentos que ocorre antes do parto. Quanto maior essa queda, pior para a vaca, pois ela terá que mobilizar mais gordura. Animais que chegam ao período seco muito gordos (ECC excessiva) normalmente têm o consumo ainda mais deprimido, o que agrava a situação.
Logicamente esses eventos serão tão mais importantes quanto mais produtiva for a vaca, pois o volume de leite produzido determina a intensidade do BEN no início da lactação. Porém, independente do nível de produção das vacas, é fundamental estar atento a esse tipo de problema, pois o diagnóstico precoce garante uma boa chance de recuperar animais doentes. De qualquer forma, a chave para minimizar esses problemas é prevenir. E a prevenção passas obrigatoriamente por práticas de manejo que reduzam a queda no consumo de alimentos pré-parto.
Como maximizar o desempenho pós-parto
Eu entendo que nas primeiras 3 semanas pós-parto, que ainda compreendem o chamado período de transição, temos que focar mais na sanidade das vacas, do que em maximizar a produção de leite. Se dermos a elas as condições adequadas para se recuperarem do parto de forma, maximizando o consumo de alimentos com menor stress metabólico, poderão expressar todo o seu potencial produtivo, sofrerão menos com os distúrbios metabólicos e, muito provavelmente, apresentarão ótimos índices reprodutivos.
Para que as vacas iniciem bem a nova lactação, um aspecto muito importante do manejo é tentar minimizar os efeitos da redução de consumo iniciada nos dias que antecedem o parto. A ideia é compensar de alguma forma essa queda na ingestão de alimentos de forma que a ingestão de nutrientes, especialmente energia, não seja tão prejudicada. Uma estratégia lógica é aumentar a oferta de concentrados, especialmente fontes de carboidratos não fibrosos (CNF), como milho, sorgo, polpa cítrica, etc. Mas o ideal é oferecer volumosos de altíssima qualidade, com alta digestibilidade, de forma que a ingestão de energia seja elevada, sem impor à vaca riscos significativos de sofrer de acidose, por exemplo. Aumentar um pouco a oferta de CNF junto com um volumoso de alta digestibilidade é a melhor alternativa. O objetivo nessa fase é manter o teor de energia da dieta das vacas entre 1,41 - 1,45 Mcal/kg ELL, se o lote for composto por vacas e novilhas. Se for um lote só com vacas adultas, que normalmente apresentam consumo mais elevado, a recomendação é manter a energia em 1,35 a 1,39 Mcal/kg ELL.
O foco do manejo das vacas nos primeiros 20-30 dias de lactação deve ser no conforto e na sanidade. Não importa o sistema de produção – pasto ou confinamento – as vacas recém-paridas precisam ser tratadas “a pão-de-ló”. O conforto nas instalações onde irão ficar é fundamental. Manter a saúde do rúmen também, de forma que as dietas dessas vacas devem ser menos agressivas do que as do lote de alta produção. Costumo trabalhar e recomendar o uso de pelo menos 28% de FDN na dieta (em base matéria seca) dessa categoria, prestando muita atenção à fibra fisicamente efetivo da dieta. Se o volumoso for silagem de milho, é altamente recomendável inserir alguma fonte de fibra longa – feno, bagaço de cana, etc. – para estimular a mastigação, pois a fração fibrosa da silagem de milho pode ser de alta digestibilidade, com pouca efetividade física para estimular a mastigação. Como sabemos, a produção de saliva é totalmente dependente da atividade de mastigação, e a saliva é o principal agente controlador do pH ruminal. Como regra geral costumo acrescentar cerca de 1 kg de MS de uma boa fonte de fibra longa nas dietas à base de silagem de milho.
Outro ponto importante é o agrupamento das vacas. Se a separação entre primíparas e multíparas for possível, certamente haverá um benefício em termos de consumo, pois vacas de primeira cria via de regra são dominadas pelas mais velhas, de forma que vacas primíparas geralmente não conseguem ingerir todo o alimento que necessitam. No que se refere à alimentação, há algumas particularidades no manejo dessa fase, que merecem uma reflexão mais aprofundada.
Assim, para garantir às vacas uma transição tranquila para uma nova lactação, é preciso estar atentos aos pontos chaves do manejo de vacas secas:
- Oferecer conforto às vacas. Elas precisam de sombra e água fresca. Os estudos mais recentes sobre o tema recomendam manter espaço em cocho mínimo de 75 cm para vacas grandes nessa fase.
- Minimizar a queda no consumo de matéria seca pré-parto. Para isso é fundamental oferecer volumosos de alta qualidade e formular corretamente as dietas.
- Monitorar de perto o ECC. O ideal é que as vacas cheguem ao parto com ECC entre 3,25 e 3,5. Vacas parindo muito magras ou muito gordas têm muito mais chances de ter problemas ao parto e no início da lactação.
- Aumentar a densidade energética das dietas das vacas em transição, adequando o valor para cada fase . Isso ajuda a compensar a queda no consumo, e a adaptar as vacas às dietas do início da lactação.