Princípios básicos
Afinal, a demanda nutricional de ovelhas e cabras pode ser atendida utilizando-se apenas a pastagem como fonte de alimento, e ainda permitir que bons índices produtivos sejam alcançados? A resposta para esta pergunta depende de alguns fatores que atuam em conjunto dentro do sistema de produção: tamanho/porte dos animais; disponibilidade de forragem ao longo do ano, em quantidade e qualidade; e do planejamento forrageiro, em que devem ser consideradas as áreas potencialmente utilizadas como pastagens e o rebanho que dependerá destas áreas para se alimentar. Além disso, devemos lembrar que a categoria "matrizes" é aquela que passa por diversas mudanças fisiológicas dentro do sistema de produção, que são caracterizadas pelas fases de mantença, reprodução, gestação e, por fim, a fase de lactação.
Em geral, os sistemas em que as pastagens são utilizadas como única fonte de alimento para os animais são destinados a produção de cordeiros e cabritos para corte. Apesar de passarem pelas mesmas mudanças fisiológicas, ovelhas e cabras destinadas para a produção de carne apresentam demanda nutricional menor do que aquelas destinadas para a produção de leite. Ovelhas e cabras leiteiras têm elevadas necessidades de ingestão de proteína, minerais e, principalmente, energia durante a lactação, que são dificilmente atendidas pela ingestão exclusiva de forragem.
Um fator que pode comprometer a eficiência produtiva dos sistemas de produção em pastagens é o porte das matrizes. Animais de grande porte não são recomendados para os sistemas em que a pastagem é a única fonte de alimento, pois o elevado desenvolvimento corporal determina o aumento das necessidades nutricionais. A quantidade e a qualidade da forragem em oferta na pastagem, principalmente daquelas formadas por gramíneas ou espécies nativas são, geralmente, insuficientes para atender a demanda nutricional de animais de grande porte, o que pode diminuir a eficiência do sistema produção. Portanto, o fornecimento de suplementos (volumosos ou concentrados de alta qualidade) poderá ser necessário para que estes animais tenham bom desempenho produtivo nos sistemas em pastagem, principalmente nas fases de gestação e lactação. Por outro lado, matrizes de pequeno e médio porte apresentam menores demandas nutricionais nestas fases, que podem ser atendidas pela pastagem.
A disponibilidade de forragem em quantidade e qualidade ao longo do ano é necessária para que a pastagem seja única fonte alimento para os animais. Essa condição limita a utilização destes sistemas em regiões do Brasil em que é possível produzir pastagens de verão e de inverno, como a Região Sul, ou em propriedades que usam sistemas de irrigação durante as épocas de seca nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. É importante ressaltar que as pastagens deverão ser corretamente adubadas e bem manejadas, mantendo-se a massa de forragem verde e a massa de folhas elevadas para garantir a ingestão de forragem de boa qualidade pelos animais. Na Tabela 1 são apresentadas algumas referências gerais de manejo de pastagens para ovinos, que também podem ser utilizadas para caprinos.
Além do manejo correto das pastagens já estabelecidas na propriedade, outra forma de melhorar a qualidade da forragem disponível para os animais é introduzir leguminosas na pastagem. Leguminosas forrageiras de inverno como trevos branco (Trifolium repens), vermelho (Trifolium pratense) e vesiculoso (Trifolium vesiculosum), e o cornichão (Lotus corniculatus), e espécies de verão como amendoim forrageiro (Arachis pintoi) e leucena (Leucaena leucocephala) tem sido recomendadas para ovinos e caprinos, e podem ser implantadas em consórcio com gramíneas ou em áreas reservadas, na forma de "bancos de proteína" para os animais (Stivari et al., 2011). Devido ao alto teor de proteína, ao baixo teor de fibra e a elevada digestibilidade, as leguminosas apresentam alta qualidade e são importantes fontes de nutrientes, principalmente nas fases de elevada demanda nutricional (terço final de gestação e lactação).
Fases de Mantença e Reprodução
A fase de mantença tem início a partir do desmame dos cordeiros/cabritos e se estende até o início da estação reprodutiva. Nessa fase a lactação é interrompida (período de secagem), e as matrizes deverão recuperar o peso e a condição corporal que foram perdidas no período de lactação. No entanto, se as matrizes foram bem alimentadas na fase de lactação, a recuperação do peso e da condição corporal ocorre em curto prazo, e o ganho de peso na fase de mantença é baixo. Portanto, a demanda nutricional é baixa nessa fase e o consumo de matéria seca (MS) varia entre 0,8 a 2 kg/animal/dia para ovelhas, e entre 0,6 a 1,6 kg/animal/dia para cabras (Tabela 2). Pastagens de média qualidade são indicadas para atender as necessidades nutricionais de matrizes em mantença, com ofertas que variam de 2,4 a 6,0 kg MS/animal/dia para ovelhas, e 1,7 a 4,8 kg MS/animal/dia para cabras (Tabela 2).
Comparada a fase de mantença, o consumo de MS e a necessidade de ingestão de energia aumentam em 10% para cabras e ovelhas, enquanto a necessidade de ingestão de proteína aumenta em 10% para cabras e 17,4% para ovelhas na fase de reprodução (NRC, 2007). Além disso, as matrizes devem manter o escore de condição corporal entre 3 e 3,5 pontos (em escala de 5 pontos) para alcançar o máximo desempenho reprodutivo (Robinson et al., 2002). Ganhos de peso diário que variam entre 20 a 90 g/animal/dia são esperados, pois geralmente os animais iniciam o período reprodutivo com escore de condição corporal entre 2,5 a 3,0 pontos. O consumo de MS neste período varia de 0,9 a 2,2 kg/animal/dia para ovelhas e 0,6 a 1,7 kg/animal/dia para cabras (Tabela 2). Pastagens de alta qualidade (com elevada massa de folhas) são recomendadas para animais em reprodução, com ofertas de forragem que variam entre 3,6 e 8,8 kg MS/animal/dia para ovelhas, e 2,4 a 6,8 kg MS/animal/dia para cabras (Tabela 2).
A oferta de forragem pode ser estimada a partir do peso corporal médio (PCM) das matrizes do rebanho (Tabela 3). Equações desenvolvidas com base no NRC (2007) e nos conceitos de Hodgson (1990) podem ser utilizadas para estimar a oferta de forragem que deve estar disponível na pastagem para atender adequadamente a demanda nutricional das matrizes nas fases de mantença e de reprodução. Conforme Hodgson (1990), a oferta de forragem deve ser três a quatro vezes superior ao potencial de consumo de MS dos animais em pastejo. As referências de manejo de pastagens (Tabela 1) e as equações de estimativa de oferta de forragem (Tabela 3) podem ser utilizadas para elaborar o planejamento forrageiro com maior precisão, o que permite a gestão mais eficiente do sistema de produção.
Embora seja possível atender a demanda nutricional de matrizes em mantença e reprodução utilizando pastagens de média e alta qualidade, é necessário que os animais tenham acesso irrestrito a bebedouros com água de boa qualidade e a suplementação mineral (contendo macro e microminerais). O fornecimento de suplementos minerais que contém microminerais é importante na fase de reprodução, pois a deficiência destes nutrientes (principalmente de cobre, iodo, zinco, selênio e manganês) prejudica o desempenho reprodutivo das matrizes, resultando na diminuição das taxas de concepção e prenhez (Rosa, 2003).
Referências bibliográficas
CARVALHO, P.C.F. Manejando pastagens para ovinos. In: NETO, O.A.P. et al. (Eds.) Práticas em ovinocultura - ferramentas para o sucesso. Porto Alegre: SENAR-RS, 2004. p.15-28.
HODGSON J. Grazing management: science into practice. New York: John Wiley & Sons, 1990. 203p.
NATIONAL RESEARCH COUNCIL - NRC. Nutrient requirements of small ruminants: sheep, goats, cervids and new world camelids. Washington: National Academy Press, 2007. 362p.
ROBINSON, J.J.; ROOKE, J.A.; McEVOY, T.G. Nutrition for conception and pregnancy. In: FREER, M.; DOVE, H. (Eds.). Sheep Nutrition. Wallingford: CAB International, 2002. p.189-211.
ROSA, I.V. [1993]. Deficiências minerais e desempenho reprodutivo de ruminantes. Circular Técnica 23. Campo Grande: Embrapa Gado de Corte, 1993. Disponível em:
STIVARI, T.S.S.; MONTEIRO, A.L.G.; PAULA, E.F.E. et al. Leguminosas na alimentação de ovinos: possibilidades de uso e resposta animal. PUBVET, v.5, n.32, p.1-20, 2011.
- Sergio Rodrigo Fernandes, Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias da UFPR;
- Luciana Helena Kowalski, Médica Veterinária, profissional autônoma;
- Cláudio José Araújo da Silva, Pós-doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias da UFPR.