No Brasil, a maioria dos acidentes ofídicos envolvendo humanos e animais são causados por serpentes do gênero Bothrops. Estas serpentes habitam preferencialmente locais úmidos (matas e áreas cultivadas), locais de proliferação de roedores (silos, armazéns, salas de preparo de rações) ou lugares pouco habitados, sem transito intenso de humanos.
As serpentes, que apresentam hábitos predominantemente noturnos, se alimentam preferencialmente de roedores e atacam subitamente sua presas, inoculando grande quantidade de veneno na picada. Em virtude desses hábitos alimentares, os acidentes botrópicos ocorrem justamente nos locais de elevada densidade de roedores, como em galpões, armazéns e salas de rações.
Uma maior incidência de acidentes ofídicos é atribuída a espécie canina, provavelmente pelo maior número de notificações e relatos de casos publicados na literatura especializada. Já os acidentes envolvendo animais de produção geralmente são superestimados, já que no Brasil é muito comum a prática de se atribuir a acidentes ofídicos as mortes de etiologia desconhecida ou causadas por outros agentes (TOKARNIA & PEIXOTO, 2006).
Por essa razão, existem poucas informações disponíveis a respeito da real incidência dos ataques em ovinos no país. No entanto, em relação a mortalidade, estima-se que entre 8 a 16 % dos animais atacados venham a óbito. Segundo Tokarnia et al., (2008), os ovinos representam uma das espécies mais sensíveis ao veneno Botrópico, sendo que uma única picada da espécie B. Jararaca pode inocular quantidade de veneno suficiente para matar um animal de 65 kg. Por essa razão, animais adultos ou com maior porte físico apresentam uma maior resistência ao veneno em relação aos animais jovens e cordeiros, que frequentemente veem a óbito (MENDEZ & RIET-CORREA, 2007).
Particularidades do gênero Botrops
De uma forma geral, as serpentes do gênero Bothrops se caracterizam pelo formato triangular da cabeça, presença de fosseta loreal (órgãos pares, localizados entre os olhos e as narinas, responsáveis pela detecção do calor do corpo das presas), cauda lisa e presa inoculadora de veneno. O corpo varia de acordo com cada espécie, que em geral apresenta desenhos em formas geométricas, em cores que variam do verde ao negro (Figura 1).
As cobras deste gênero possuem veneno com ação marcadamente proteolítica, levando a necrose, hemorragia, ação nefrotóxica e vasculotóxica.
Figura 1 - Detalhe da serpente Jararaca. Cabeça com formato triangular e corpo escamado com desenhos triangulares ao longo de todo o corpo do animal.
Sinais clínicos
De uma forma geral, os animais são atacados na região dos membros ou no abdômen, apresentando pronunciado edema no local da picada, dor intensa (alguns animais emitem gemidos de dor), formação de hematomas e hemorragia. Logo após os acidentes, instala-se prostração, inapetência e anorexia. Como alterações sistêmicas se observam problemas de coagulação sanguínea (diátese hemorrágica, coagulação intravascular disseminada, hematúria), alterações hemodinâmicas (queda na pressão arterial), insuficiência renal aguda e choque. A musculatura no local da picada pode sofrer intensa necrose em virtude do efeito miotóxico do veneno.
A contaminação bacteriana no local da picada deve ser considerada como um agravante à condição geral do animal e também deve ser contemplada durante o estabelecimento da terapêutica.
Figura 2 - Acidente ofídico em ovino. Animal picado na região interdigital, apresentando hemorragia local (A), edema e dor intensa que impedem o apoio do membro acometido (B). Foto gentilmente cedida pelo CDP-UFBA.
Diagnóstico
O diagnóstico de qualquer acidente ofídico é baseado na observação dos sinais clínicos manifestos pelos animais agredidos (incluindo a marca dos dentes no local da picada) e do reconhecimento da serpente agressora. A identificação da espécie envolvida é de suma importância não apenas para orientar o tratamento dos animais atacados, como também para orientar pecuaristas e veterinários quanto ao prognóstico, e possíveis medidas que podem ser implementadas para redução na ocorrência dos ataques.
Como principais diagnósticos diferenciais do acidente ofídico destacam-se as enfermidades infecciosas que causam dor e edema local, como é o caso do carbúnculo sintomático, além das picadas de abelhas ou outros insetos.
Tratamento
O animal picado por serpente deve ser estabulado em ambiente tranquilo e com movimentação restrita. O tratamento deve ser realizado com soro antiofídico específico, destacando-se, dessa maneira, a importância da identificação da serpente responsável pelo acidente. A quantidade de soro a ser administrada deve seguir a recomendação da indústria fabricante, priorizando-se, no entanto, o atendimento dos animais jovens e borregos em virtude da maior susceptibilidade ao veneno.
Como tratamento de suporte, preconiza-se a fluidoterapia de choque utilizando-se solução fisiológica ou ringer com lacatato, e a administração de antibiótico de amplo espectro como a enrofloxacina (Flobiotic® 500mL), essenciais para a prevenção de infecções bacterianas secundárias à picada. A transfusão sanguínea pode ser considerada para os quadros associados à hemorragia intensa.
Para garantir a melhora no estado geral dos animais, podem ser utilizados antiinflamatórios não esteroidais ou diuréticos, importantes para a redução na dor, inflamação e edema inflamatório, respectivamente.
Referências Bibliográficas
MÉNDEZ M.C., RIET-CORREA F. Envenenamento botrópico. In: RIET-CORREA F., SCHILD, A.L., LEMOS, R.A.A., BORGES, J.R.J. Doenças de Ruminantes e Eqüideos. Ed. 3. Palotti, Santa Maria, v.2, p.31- 38, 2007.
SANTOS, M.M.B., MELO, M.M., JACOME, D.O., FERREIRA, K.M., HABERMEHL, G.G. Avaliação das lesões locais de cães envenenados experimentalmente com Bothrops alternatus após diferentes tratamentos. Arquivo Brasileiro Medicina Veterinária Zootecnia, v.55, n.5, 2003.
TOKARNIA, C.H., BRITO, M.DE F., MALAFAIA, P., PEIXOTO, P.V. Acidente ofídico em ovinos causado por Bothrops Jararaca. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.28, n.12, p.643-648, 2008.
TOKARNIA, C.H., PEIXOTO, P.V. A importância dos acidentes ofídicos como causa de mortes em bovinos no Brasil. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.26, n.2, p.55-68, 2006.