A ovinocultura de leite ainda está engatinhando no Brasil, com alguns casos de sucesso, inspirando e encorajando vários outros empreendimentos mais novos em busca de um mercado em que a concorrência direta praticamente não existe. No entanto, existem poucos estudos em regiões tropicais sobre o assunto e ainda menos no Brasil, tornando necessários mais estudos não só sobre técnicas de manejo, nutrição, produção e sanidade, mas também sobre tecnologias de processamento do leite para produtos do paladar do brasileiro.
A realidade de quem quer iniciar a produção de leite de ovelha hoje é de um rebanho pequeno, mestiço e praticamente experimental, para aprender na prática com poucos animais e depois, se der certo, investir em algo mais profissional. E assim, produzem pouca quantidade de leite por dia, sendo necessário juntar leite de alguns dias de ordenha para acumularem um volume suficiente para a produção de queijos, por exemplo.
Já no caso dos produtores de maiores escalas, estes se deparam com a estacionalidade reprodutiva de algumas raças, o que vai refletir diretamente na estacionalidade de produção, mesmo com um manejo eficiente, pois as ovelhas de leite, em geral, apresentam lactação de 5 a 8 meses, e assim precisam congelar o leite para utilizá-lo em um momento em que a produção está menor e regularizar o fornecimento de leite para o seu processamento e continuar abastecendo o mercado.
Mas como um produto final de qualidade depende de matéria-prima de qualidade, este congelamento precisa ser bem realizado e neste momento, o congelamento pode ou não comprometer a qualidade do produto final, colocando a perder a chance de entrar no mercado com um produto de alto valor agregado.
As primeiras tentativas de congelar leite para estocá-lo datam da década de 30, mas as pesquisas nesta área começaram somente durante a Segunda Guerra Mundial (KATSIARI et al., 2002). Em 1957, alguns autores publicaram uma revisão completa sobre o processamento e estabilidade de leite e creme de leite bovino congelado (SAMUELSSON et al., 1957) e de acordo com eles, o principal defeito do leite congelado, geralmente está relacionado com um ou mais dos seguintes fatores:
- separação da gordura;
- floculação da proteína;
- desenvolvimento de sabor desagradável;
- desenvolvimento de bactérias após o descongelamento do leite.
Estas mudanças na qualidade do leite, não apenas afetam a vida de prateleira do produto, mas também o rendimento e qualidade dos produtos derivados do leite, como queijos e iogurtes (WENDOFF, 2001).
Pouca informação tem sido divulgada (ANIFANTAKIS et al., 1980; GIANGIACOMO & MESSINA, 1991; YOUNG, 1987;) sobre os efeitos do congelamento e armazenamento por período prolongado sobre as características físico-químicas, microbiológicas e estabilidade física do leite ovino (KATSIARI et al., 2002). Sabe-se que estes efeitos estão relacionados com a taxa de congelamento (congelamento rápido ou lento), temperatura de armazenagem, espessura do bloco de leite congelado (fino ou grosso) e duração da armazenagem.
O leite de ovelha é principalmente usado para a fabricação de queijos devido ao seu alto teor de gordura e teor de sólidos totais e cerca de 70% de todo o leite ovino produzido no mundo é utilizado na produção de queijos (MANN, 1988).
A preservação do leite pelo congelamento tem sido pesquisada nos últimos anos, e muitos trabalhos estiveram focados no desenvolvimento de métodos pelos quais o leite de vaca poderia ser mantido armazenado por um período maior de tempo sem afetar a sua estabilidade e qualidade (MUIR, 1984). Segundo o mesmo autor, o congelamento pode ter efeitos adversos sobre a gordura do leite, destruindo os glóbulos de gordura, resultando na sua separação. Além do mais, os ácidos graxos insaturados do leite congelado são rapidamente oxidados e degradados, causando um sabor desagradável de oxidação (sabor de ranço) (NEEDS, 1992). Outras mudanças no perfil dos ácidos graxos de leite congelado e descongelado podem ocorrer durante a fabricação de queijos (GARCIA-LOPEZ et al., 1994).
Leite ovino congelado no Brasil (UNESP/Botucatu/SP) em sacos de 1 litro
Leite ovino congelado nos EUA (Wisconsin) em sacos de 3 litros e detalhe do envase do leite
Zhang et al. (2005) investigaram os efeitos do congelamento sobre o rendimento queijeiro e composição do leite ovino e a influência da temperatura e tempo de congelamento sobre a composição dos ácidos graxos no leite e queijo e obtiveram os seguintes resultados:
De acordo com os dados publicados por Zhang et al. (2005), os diferentes tempos e as diferentes temperaturas não interferiram significativamente na qualidade do leite.
Devido à sazonalidade e baixo nível de produção, para permitir o abastecimento estável ou acumular leite suficiente para o seu processamento, o leite ovino crú pode ser congelado por algumas semanas ou meses (WENDOFF, 2001).
Portanto, o congelamento pode ser uma ferramenta de manutenção da freqüência de entrega de produtos no mercado, mas a qualidade higiênico-sanitária do leite a ser congelado deve ser máxima, ou de nada irá adiantar.
Mais pesquisas precisam ser feitas com leite de ovelhas com relação a sua estocagem, mas se for preciso congelá-lo, devemos mantê-lo congelado pelo menor tempo possível, para minimizar custos, riscos e manter um padrão de qualidade do produto final.
Bibliografia consultada:
Katsiari, M.C.; Voutsinas, L.P.; Kondyli, E. Manufacture of yoghurt from stored frozen sheep's Milk. Food Chemistry, v. 77, p. 413-420, 2002.
Samuelsson, E.G.; Thome, K.E.; Borgstrom, G.; Hjalmdahl, M. The manufacture and storage of frozen milk and cream - part I. A review. Dairy Science Abstracts, 19(11), p.875-890, 1957.
Wendoff,W.L. Freezing qualities of raw ovine milk for further processing. J. Dairy Sci. 84 (Suppl. E), E74-E78. 2001.
Anifantakis, E.; Kehagias, C.; Kotouza, E.; Kalatzopoulos, G. Frozen stability of sheep's milk under various conditions. Milchwissenschaft, v.35, p.80-82, 1980.
Giangiacomo, R.; Messina, G. Study on the freezing and preservation of ewe milk. Latte, v.16, p.314-323, 1991.
Young, P. Deep-frozen storage of ewe's milk. Sheep Dairy News, 4(3), p.41, 1987.
Mann, E.J. Ewes' and Goats' milk products: part 1. Dairy Int. v.53, p.11-12, 1988.
Muir, D.D., Reviews of the progress of dairy science: frozen concentrated milk. J. Dairy Res. v.51, p.649-664, 1984.
Needs, E.C. Effects of long-term deep-freeze storage on the condition of the fat in raw sheep's milk. J. Dairy Res. v.59, p.49-55, 1992.
Garcia-Lopez, S.; Echeverria, E.; Tsui, I.; Balch, B. Changes in the content of conjugated linoleic acid (CLA) in processed cheese during processing. Food Res. Int. v.27, p.61-64, 1994.
Zhang, R.H.; Mustafa, A.F.; Ng-Kwai-Hang, K.F.; Zhao, X. Effects of freezing on composition and fatty acid profiles of sheep milk and cheese. Small Ruminant Research, 2005.