No mês de setembro deste ano, foi notificado um surto na região de Guaratinguetá, no Estado de São Paulo. Como se tratava de uma aparente doença vesicular, o material foi enviado para análise diferencial no LAPA (Laboratório de Análises de Patologia Animal) em Recife, laboratório de referência do assunto no Brasil. O resultado desta análise constatou que não se tratava de febre aftosa sendo, desta forma, o material enviado em outubro para o Instituto Biológico em São Paulo, onde foi isolado o orthopoxvírus.
O vírus isolado em São Paulo está associado com a varíola bovina. Esta é uma doença que causa lesões cutâneas, ao contrário da febre aftosa, que acomete a mucosa. A varíola bovina é um parapoxvírus comum, "aparentado" com os vírus causadores do ectima contagioso e da estomatite papular bovina. A varíola (cowpox) é causada pelo orthopoxvirus, sendo muitas vezes confundida com a pseudovaríola (pseudocowpox), causada pelo parapoxvirus (o mesmo agente do ectima em caprinos e ovinos). Nos bovinos, a pseudovaríola e a varíola são clinicamente parecidas. Já no homem, pode-se fazer o diagnóstico diferencial pelo aspecto das lesões, sendo que a pseudovaríola se caracteriza por nódulos e a varíola por pústulas e vesículas.
A varíola bovina é uma enfermidade comum em todo o mundo. As lesões causadas pelo vírus ficam geralmente confinadas aos tetos e úbere das vacas. Caraterizam-se inicialmente por pequena pápula de 2 a 3 mm de diâmetro, seguida de formação de crostas e disseminação circular da lesão. Com cerca de 10 dias, apresenta aspecto crostoso em forma de anel. Ocasionalmente, as lesões podem acometer a região medial da coxa e o escroto (no macho). Uma pessoa que tenha manipulado animais infectados com as vesículas pode também contrair a doença. Ocasionalmente, os ordenhadores podem apresentar vesículas nas mãos e ante-braço. Por isso, os surtos de varíola bovina tornam-se ainda um problema de saúde pública.
A varíola bovina é uma doença que se caracteriza por surtos rápidos (cerca de três meses), o animal ou indivíduo acometido elimina o vírus somente nos primeiros dias podendo, neste período, apresentar febre. A doença está intimamente associada com a imunidade. Animais ou pessoas imuno-deprimidas apresentam um acometimento mais severo e vice-versa. As situações de estresse, altas temperaturas, desconforto e doenças em geral favorecem a disseminação da doença. A varíola é autolimitante (a própria doença já estimula a imunidade no animal) e, por isso, não existem vacinas.
Não existe um tratamento específico, sendo prescrito apenas a limpeza, higiene e desinfecção das regiões afetadas. Quando ocorrem infeções secundárias, deve-se optar pelo tratamento com antibiótico.
A doença é comum em gado de leite e rara em gado de corte. O principal problema das lesões no teto é o aumento da incidência de mastite. Os diagnósticos diferenciais mais importantes são: mamilite herpética bovina e papilomatose. A transmissão ocorre por contágio direto, através dos utensílios utilizados durante a ordenha e através do ordenhador. Desta forma, as medidas de controle envolvem uma rotina de ordenha higiênica e organizada, utilização de pré e pós-dipping de boa qualidade, ênfase na limpeza do equipamento de ordenha e, se possível, utilização de luvas pelos ordenhadores. Além disso, deve-se controlar os roedores, principal transmissor do vírus, e intensificar as medidas de biosegurança.
Aparentemente, o surto foi restrito à região do Vale do Paraíba e sul de Minas. Mas é de suma importância difundir as informações associadas a este vírus que é pouco conhecido, mas que comumente acomete os bovinos no Brasil.
Figura 1- Tetos acometidos com a varíola bovina
Fonte: MilkPoint
Onde saber mais:
SILVA, P.L. DA; COELHO, H.E.; VIANA, F.C.; LUCIO, W.F.; RIBEIRO, S.C. DE A.; OLIVEIRA, P.R. Surto de variola bovina no municipio de Prata, Minas Gerais Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinaria e Zootecnia (Brazil), v.38, n.3, p.323-330, 1986.
DAMASO, C.R.; ESPOSITO, J.J.; CONDIT, R.C.; MOUSSATCHE, N. An emergent poxvirus from humans and cattle in Rio de Janeiro State: Cantagalo virus may derive from Brazilian smallpox vaccine. Virology, v.25; n.277(2), p.439-49, 2000.