No entanto, ao confrontar o volume de abates inspecionados com o volume total, verifica-se um nível de informalidade na produção doméstica de carne ovina de aproximadamente 93,2%, considerando que no ano de 2009 uma quantidade ínfima de 334.685 ovinos foram abatidos sob inspeção federal.
Essa presença tão marcante do mercado informal dentro da cadeia ovina está associada historicamente ao propósito para o qual a atividade era desenvolvida até então nas regiões Nordeste e Sul (principais pólos da ovinocultura nacional), ou seja, subsistência e lã.
Como uma atividade essencialmente de subsistência no nordeste do país, a ovinocultura se prestava, e ainda se presta, à manutenção das famílias rurais por meio do autoconsumo e, comercialmente, à venda esporádica de animais para pequenos açougues e comércios locais.
Por sua vez, a ovinocultura sulista, até recentemente focada principalmente na produção de lã, tinha na carne ovina um subproduto de menor valor que, por um lado era destinado ao consumo familiar (autoconsumo) e à venda para canais de distribuição informais e para frigoríficos de menor porte com inspeção estadual.
Além disso, até a última década o setor de processamento existente se caracterizava por apresentar baixo nível tecnológico, sanitário e comercial, com o surgimento de plantas frigoríficas especializadas com inspeção federal apenas a partir do ano de 2002. Adicionalmente, o setor varejista predominante até então era baseado em açougues, pequenos comércios, mercados de bairro e feiras livres, atendendo a um perfil de consumidor de menor exigência, tanto nas pequenas cidades quanto nos grandes centros urbanos, como ilustrado na Figura 1.
Figura 1 - Configuração da rede agroindustrial da carne ovina e suas subcadeias.
No entanto, durante a presente década iniciou-se um processo de formalização da cadeia produtiva, com a implantação de sistemas de produção mais tecnificados, de frigoríficos "SIFados" e de canais de distribuição mais sofisticados que, juntos, buscam fornecer um produto de melhor qualidade a um público mais exigente, evidenciando, a partir de então, a presença de duas subcadeias dentro do sistema agroindustrial da carne ovina no Brasil (Figura 1).
Apesar da existência clara de dois segmentos dentro da cadeia produtiva, é irrefutável a presença quase que absoluta do mercado informal, composto pelos abates destinados ao consumo próprio (autoconsumo) e ao comércio (abates clandestinos).
Em geral, a economia informal pode ser definida como as atividades econômicas que não são registradas, taxadas ou reguladas, mas que produzem para mercados legais. Nesse sentido, os mercados de produtos alimentares, por sua própria natureza, são caracterizados pela informalidade no processamento, industrialização, distribuição e comercialização, sendo o resultado, principalmente, de hábitos e tradições historicamente consolidadas.
Em função da ausência de dados confiáveis a respeito da produção de couro ovino no país, a Tabela 1 apresenta a estimativa de informalidade a partir da confrontação dos dados de abate inspecionado (SIF) com os dados de exportação de couro ovino (em suas diversas apresentações, isto é, wet blue, crust, pré-curtido e preparado), tendo como base os principais estados exportadores que, por sua vez, se encontram na região Nordeste do país.
Tabela 1 - Estimativa de informalidade dentro da cadeia produtiva da carne ovina.
Apesar da região Nordeste possuir 9 estados e um rebanho ovino que perfaz cerca de 7,75 milhões de cabeças (56% do efeito nacional), apenas a Bahia e o Ceará possuem plantas especializadas com inspeção federal. Assim, em função de Pernambuco e Piauí não possuírem frigoríficos "SIFados" ativos para o abate de ovinos, o nível de informalidade nesses estados é considerado 100%, sendo ambos, grandes produtores e exportadores de couro.
Analisando os dados, é possível observar que o menor índice de informalidade foi obtido no Ceará em 2005 com 86,37% e na Bahia em 2008 com 92,89%, evidenciando mais uma vez as considerações já realizadas em outras oportunidades. Focando em valores regionais, os níveis de informalidade não foram inferiores a 96,18%, considerando apenas 4 dos 9 estados que compõem a região, sugerindo que os valores reais ainda são superiores. Em geral, a média do período entre 2004 e 2009 fechou em 97,75%.
Na cadeia da ovinocultura de corte, a informalidade é o resultado da combinação de diversos elementos envolvendo:
a) hábitos e tradições associados à produção, comercialização e consumo de carne ovina tanto no meio rural quanto no urbano;
b) ao perfil qualitativo dos produtos (animais de abate) gerados pelos sistemas tradicionais de produção que não atendem às exigências por qualidade e segurança sanitária do mercado formal, o que acaba se constituindo em uma barreira à entrada;
c) a reduzida produtividade e, logo, baixa escala de produção da ovinocultura pouco tecnificada que não supre a escala dos frigoríficos inspeccionados (SIF), que, em média, possuem uma capacidade de abate instalada que varia de 800 a 2.000 cabeças mês;
d) aos trâmites e processos operacionais e logísticos (informação, documentação, transporte, distância, etc.) necessários para a venda formal de animais por parte de pequenos produtores;
e) a sonegação fiscal por parte das empresas frigoríficas, mesmo aquelas sob fiscalização do SIF.
Apesar do nível de tecnificação e formalização da cadeia produtiva da carne ovina se manter crescente ao longo dos últimos anos, o mercado informal sempre irá existir, em maior ou menor grau, sendo necessário direcionar os esforços para as iniciativas produtivas e empresariais formais, que se preocupem com qualidade de produto, desenvolvimento de negócios, abertura de campo de trabalho e estímulo da demanda urbana, resultando, por fim, em desenvolvimento e fortalecimento vertical e horizontal do sistema agroindustrial da carne ovina, concebendo a atividade como um segmento legítimo do agronegócio brasileiro.
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