Antes é necessário entender alguns processos iniciais (de forma simples) que antecedem a ordenha.
Síntese do leite em ovelhas
Antes das ovelhas começarem a produzir o leite, há o crescimento e desenvolvimento mamário (ductos e alvéolos mamários) sob ação de alguns hormônios. Quando a glândula mamária está pronta, acontece a lactogênese, ou seja, a produção de leite propriamente dita, intermediada também por outros hormônios da hipófise que vão estimular as células secretoras de leite (Marnet, 1997).
Entretanto, uma vez que o leite é produzido, é necessário ordenhá-lo, caso contrário, o comprimento da lactação será prejudicado. O acúmulo de leite na glândula irá cessar os mecanismos celulares de secreção por dois motivos:
1º) A pressão interna do úbere sobre os alvéolos secretores podem destruir as células alveolares, impedir a transferência de leite dos alvéolos para a cisterna do úbere e diminuir a passagem passiva de elementos (sais minerais, proteína e vitaminas) do sangue para o leite.
2º) Com o acúmulo do leite, ocorre o aumento da concentração de peptídeos FIL (feedback inibidor da lactação) nos alvéolos ocorrendo assim, a inibição da síntese da lactose.
Figura 1 - Regiões e tecidos que compõem o úbere (Ribeiro, 1997)
Portanto, fica clara a importância de realizar ordenhas completas, sem deixar leite residual no úbere. Mas em ovinos, a participação da ovelha neste processo é fundamental, pois entre as ordenhas, o leite é parcialmente descarregado na cisterna (parte mais baixa do úbere), uma grande quantidade fica retido nos alvéolos e nos canais alveolares (galactóforos), (parte mais alta do úbere).
O leite alveolar possui maior teor de gordura do que o leite cisternal, pois os glóbulos de gordura possuem diâmetro maior do que os dos ductos que levam o leite dos alvéolos à cisterna. Em vacas e cabras isto não acontece. Para que este leite seja extraído, ele precisa ser expelido dos alvéolos pela pressão aplicada sobre a parede alveolar através das células mioepiteliais. Estas células se contraem espontaneamente, mas a ejeção do leite só será efetiva se for sincronizada com a liberação do hormônio ocitocina.
Figura2 - Seqüência de diagramas: grupos de alvéolos, células mioepiteliais e células secretoras de leite, respectivamente
Otimizando a ejeção do leite, ele vai descer para a cisterna aumentando a pressão cisternal e facilitará a sua saída para o cordeiro, durante a amamentação, ou para a ordenhadeira, durante a ordenha mecânica. Somente se todos estes processos ocorrerem é que vamos observar efeito da seleção genética e da alimentação e assim, o potencial de produção das ovelhas.
Estes mecanismos são controlados pelo sistema nervoso central, portando funciona como um modulador de resposta de estímulo do úbere. Isto significa que se houver cachorros latindo ou rondando próximo da ordenha, pessoas estranhas na sala de ordenha, troca repentina de ordenhador, cordeiros balindo nas proximidades, aplicação de medicamentos injetáveis, casqueamento ou barulho de tosquia na sala de ordenha podem inibir a liberação de leite e, portanto, a ejeção do leite alveolar.
Por outro lado, outros fatores podem facilitar a ejeção do leite, como permitir que os animais vejam o ordenhador (conhecido delas) antes dele começar a ordenha, ligar a bomba de vácuo enquanto as ovelhas entram nos canzis já abastecidos de concentrado, realizar a ordenha sem fazer muito barulho, são alguns exemplos.
Ejeção do leite
Em vacas leiteiras, a ejeção do leite geralmente acontece durante a massagem do úbere nos primeiros minutos da ordenha, mas nas ovelhas isto tem que acontecer durante os 2 a 3 minutos que duram a ordenha. Portanto, é necessário cuidado na seleção dos animais para ordenha mecânica (Marnet, 1997).
A ejeção do leite em ovelhas pode ser observada facilmente. Como há uma marcante separação entre o leite alveolar e cisternal, observa-se pelo menos 2 picos de ejeção de leite, o primeiro representa o leite da cisterna e o segundo o dos alvéolos, mas este último só ocorrerá se não houver estímulos contrários, já comentados anteriormente. Um terceiro pico pode ser observado no momento da esgota, este leite representa o leite que está armazenado nas "bolsas" formadas abaixo da linha das tetas. Quando a ejeção do leite é incompleta, a massagem no úbere feita pelo ordenhador pode estimular a ejeção do leite alveolar.
Com a mecanização das ordenhas, tornou-se importante selecionar ovelhas para "habilidade de ordenha" para melhorar a eficiência das máquinas e evitar sobre-ordenha, prejudicando a integridade das tetas e úbere e até mesmo induzir à mastite.
O leite de ovelha é utilizado principalmente para a produção de queijos, portanto a qualidade do leite é importante. Quando há a ordenha incompleta das ovelhas, na realidade está sendo ordenhado apenas o leite cisternal, o qual é pobre em gordura (1 a 3%), pois cerca de 70% da gordura fica retida na fração alveolar do leite, além de prejudicar a persistência da lactação (Labussière, 1988).
Existem uma boa correlação entre o leite cisternal e a produção de leite. Este volume representa cerca de 38% do leite total. O leite alveolar é de cerca de 34% e os 28% restantes representam o leite residual, portanto, a esgota é obrigatória em ovelhas, pois pode representar quase 1/3 da produção. Vale lembrar que este leite residual está relacionado com a morfologia do úbere e não a um problema de ejeção do leite. Programas de seleção para morfologia mamária podem diminuir a quantidade de leite residual (Marnet, 1997).
A seleção apenas para produção de leite resultam em úberes com maiores "bolsas" abaixo da linha das tetas e estas ficam ainda mais horizontais, dificultando a colocação das teteiras e a esgota completa do úbere, podendo comprometer a saúde do úbere com a constante "queda" das teteiras durante a ordenha, aumentando o risco de contaminação por microrganismos. A seleção para ovelhas de leite deve visar a produção e morfologia do úbere, visando úberes com tetas inseridas na posição o mais vertical possível.
Figura 3 - Ângulos de inserção das tetas em vacas, cabras e ovelhas
Figura 4 - Comparação de duas conformações de duas raças leiteiras de ovelhas, Manchega (espanhola) e Lacaune (francesa). Fonte: (Rovai 1999)
Figura 5 - Comparação de úberes antes e depois da ordenha. Linhas pontilhadas marcam a linha de inserção das tetas
Manejo de ovelhas em ordenha
Ovelhas para produção de leite são criadas como vacas de leite, geralmente criadas intensivamente e os cordeiros são desmamados logo após a ingestão do colostro e então são alimentados artificialmente. Em alguns sistemas, pode-se amamentar o cordeiro até a desmama, para só então começar a ordenha.
De acordo com Labussiére (1988), quanto mais as ovelhas amamentarem seus cordeiros, mais dificuldade elas terão para se adaptar à ordenha mecânica e para liberar a ocitocina durante a ordenha e de acordo com a raça, observa-se queda de produção de 23 a 35%. Segundo o mesmo autor, apenas com a redução na freqüência de ordenhas completas (com esgota do úbere) a queda pode ser de 20 a 25%.
No sistema misto de produção de leite, a produção não diminui até a desmama, pois como os cordeiros têm acesso às mães diariamente, após a ordenha, ocorrem freqüentes esgotas do úbere durante o dia, no entanto, a ordenha mecânica deste período não é muito eficiente, pois há falhas na liberação da ocitocina e, portanto, apenas o leite cisternal é ordenhado.
A proximidade dos cordeiros aos canzis da sala de ordenha permite a restauração do reflexo de ejeção do leite, demonstrando a necessidade do "efeito cordeiro" no sistema misto, influenciado principalmente pelo sistema olfatório o visual das ovelhas. Deste modo, consegue-se ordenhar o leite cisternal e alveolar, recuperando um leite com suas características normais.
Ordenha mecânica
A ordenha mecânica deve ser estimulante o suficiente para assegurar a ejeção do leite durante o curto tempo de ordenha. A regulagem do equipamento é também muito importante. Experimentos mostraram que a sucção dos cordeiros representa uma pulsação de 180 ppm (pulsos por minuto), mas comparando diversas taxas não observou-se diferenças com pulsações maiores do que 120 ppm. Abaixo de 60 ppm observa-se drenagem incompleta do úbere e abaixo de 50 dificuldade de drenar o leite das tetas.
Estudos sobre a liberação da ocitocina e a taxa de pulsação mostraram que abaixo de 120 ppm o estimulo para liberação da ocitocina é muito fraco e as teteiras caem com mais freqüência. Apesar de a pressão de vácuo utilizada para ovelhas variar de 36 a 53 kPa (kilo Pascal) dependendo do grau de inserção e comprimento das tetas, mas recomenda-se 36 kPa, pois geralmente a conformação de úbere dos rebanhos é desuniforme e considerando o peso dos conjuntos de ordenha, maiores pressões de vácuo podem causar graves danos às tetas, com prolapso de esfíncter e uma possível mastite.
Considerações finais
O leite de ovelhas apresenta uma certa variação entre raças, mas sempre dentro de um padrão normal. O leite é armazenado em duas câmaras distintas, onde apresentam concentrações de sólidos diferentes, principalmente gordura, sendo maior nos alvéolos. Portanto, quando por algum problema há retenção de leite nas ovelhas, o leite que for ordenhado será de pior qualidade quando comparado com um leite "normal". A nutrição e a seleção de caracteres mamários são importantes em um sistema de produção de leite, mas sem um manejo adequado pode-se colocar a perder todo o investimento para melhorar o sistema e o produto que será obtido será inadequado para o seu principal fim, que é a produção de queijos e derivados de qualidade.
Bibliografia consultada
RIBEIRO, S.D.A. Caprinoculltura, criação racional de caprinos. Ed. Nobel. 1997.
LABUSSIÈRE J. 1988. Review of physiological and anatomical factors influencing the milking ability of ewes and the organization of milking. Livestock Production Science, 18, 253-274
MARNET, P.G. Ewe management for improved milk yield and quality. Pages 10-16 in Proc. 3th Great Lakes Dairy Sheep Symp., Univ. Wisc.-Madison, Dept. Anim. Sci. and Univ. of Vermont, Cntr. Sustainable Agric. 1997.