Ao longo de várias décadas, notadamente na segunda metade do século XX, universidades e centros de pesquisa no Brasil no mundo dedicaram esforços para entender e aperfeiçoar o controle sobre o processo de pastejo. Apesar disso, para o grande público, inclusive boa parte dos diretamente envolvidos no setor produtivo, muitos dos aspectos relacionados ao manejo ainda são obscuros, desconhecidos ou de entendimento duvidoso.
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Decidindo sobre a frequência de pastejo
A decisão sobre a duração do intervalo entre pastejos tem sido um dos pontos mais controversos e discutidos em relação ao manejo do pastejo por muitos anos. Isso ocorreu não apenas em função das diferentes recomendações existentes para um mesmo cultivar ou espécie forrageira, fruto de enfoques diferentes nas pesquisas, mas principalmente em razão da discussão secundária sobre qual método de pastejo seria o melhor: lotação intermitente ("pastejo rotativo") ou lotação contínua ("pastejo contínuo).
Mais recentemente, resultados das pesquisas indicam que a discussão entre rotativo ou contínuo tem importância secundária e perdeu sua relevância.
O que tem ficado cada vez mais evidente é que cada método tem suas vantagens e desvantagens, e consequentemente, situações em que serão mais ou menos adequados.
Na lotação continua, que por definição é a que dá ao rebanho acesso irrestrito à toda área da pastagem por um longo período de tempo (uma determinada época do ano ou o ano todo), os animais podem ser mais seletivos no pastejo. A frequência e intensidade em que irão pastejar cada área da pastagem é normalmente o resultado da taxa de lotação praticada. Se a taxa de lotação for baixa, isso gera um pasto mais desuniforme, além de não garantir períodos conhecidos de descanso nas diferentes áreas e porções da pastagem. É importante compreender que a lotação continua é um método de pastejo no qual idealmente deveriam se estabelecer variáveis de monitoramento (por exemplo, a altura do pasto) que deveriam permanecer sempre numa faixa ótima para plantas e animais, o que se consegue variando a taxa de lotação.
Em contraste com essa proposta, o que normalmente se denomina no Brasil como sendo pastejo contínuo, é uma situação em que lotes de animais são alocados a áreas de pasto, sem que haja qualquer monitoramento ou controle do processo de desfolhação, com óbvios prejuízos ao sistema, frequentemente incluindo baixos ganhos por animal e por área, além de comprometer a estabilidade do pasto, ora com excesso, ora com falta de forragem. Sistemas assim são caracterizados por baixa profissionalização e baixa viabilidade.
Quando corretamente conduzidos, no entanto, sistemas de produção que incluem a lotação contínua podem ser altamente produtivos, com potenciais vantagens em relação ao rotativo, incluindo menor necessidade de investimento em infraestrutura e menos trabalho no manejo dos animais, já que não necessita da troca constante de piquetes.
A lotação intermitente, rotativa, ou como é mais comumente denominada no país, pastejo rotacionado (curiosidade: "rotacionado" é uma palavra que não existe), é o método de pastejo que tem sido mais preconizado na atualidade. Para muitos, é considerado sinônimo de intensificação dos sistemas de produção, apesar disso não ser uma verdade absoluta.
O pastejo rotativo é definido pelo fato de que duas ou mais subdivisões das áreas de pastagens, normalmente chamadas piquetes, são alternadas em períodos de ocupação e de descanso, para a rebrotação das plantas. Além da alternância de ocupação e descanso, a principal diferença da lotação rotativa em relação à contínua é o fato de que na rotativa o período de descanso é conhecido e garantido pelo ciclo de pastejo (dias de ocupação + dias de descanso). Na contínua, a frequência com que uma planta ou uma porção do pasto é desfolhada é desconhecida e depende de uma série de fatores, dentre eles o hábito de pastejo dos animais e a taxa de lotação.
Assim como pode ocorrer com a lotação contínua, a rotativa também pode levar à degradação da pastagem por sobre ou subpastejo (Figura 1), o que por vezes tem sido observado no Brasil em função da associação de adubações com a subdivisão das pastagens em "módulos rotacionados”, sem a correta adequação no número de animais para promover o consumo da maior quantidade de forragem acumulada. O pastejo rotativo por si só, não significa intensificação e nem é garantia de melhor manejo da pastagem.
Figura 1. Relação entre oferta de forragem, desempenho animal e a faixa ótima de manejo do pastejo (Adaptado de Mott, 1973).
Quando bem conduzidos, sistemas que adotam lotação intermitente normalmente apresentam maior produtividade (produto animal por área), melhor eficiência de colheita da forragem produzida, melhor manejo dos animais em função das constantes mudanças de piquete, e melhor distribuição de fezes e urina, podendo melhorar a homogeneidade do pasto.
Até recentemente, as recomendações de manejo para lotação intermitente se baseavam em períodos fixos (ou pouco variáveis) de descanso para cada espécie ou cultivar forrageiro (Tabela 1) que, no máximo, variavam entre o período das "águas" e das “secas”. Mais recentemente, critérios baseados na condição do pasto, tem sido propostos com o intuito de padronizar o processo sob o ponto de vista de que o pasto deve ser pastejado sempre que estiver "pronto" (ou seja, com uma determinada altura, área foliar ou grau de interceptação de luz).
Tabela 1. Períodos de descanso tradicionalmente recomendados para algumas das principais espécies de gramíneas forrageiras em uso no Brasil.
Decidindo sobre a intensidade de pastejo
A intensidade de pastejo tem grande impacto sobre produtividade tanto do animal como da pastagem. Para o animal, a intensidade de pastejo determina a quantidade de nutrientes que poderão ser ingeridos, o que determina o seu desempenho produtivo.
Pastejos mais intensos (mais próximos do nível do solo), irão forçar os animais a consumirem maior quantidade de folhas mais velhas e colmos, estruturas com menor concentração de nutrientes e de menor digestibilidade do que as folhas mais novas e os colmos tenros presentes na parte superior da vegetação. Por outro lado, pastejos lenientes (leves), com resíduo mais alto, irão permitir aos animais escolher mais o que consumir (normalmente mais folhas), o que favorece seu desempenho produtivo.
Para a planta forrageira, pastejos mais baixos normalmente resultam em menor quantidade residual de folhas, causando a eliminação de mais pontos de crescimento (meristemas), reduzindo o desenvolvimento radicular, e diminuindo a velocidade de rebrotação da pastagem.
Pastejos com resíduo mais alto, permitem que grande quantidade de meristemas e folhas sobrem após o pastejo, levando a uma recuperação mais rápida da pastagem. No entanto, no médio e longo prazos, em situações extremas, o resíduo de pastejo alto pode causar o envelhecimento e morte excessivos de folhas e colmos não consumidos, com consequente perda de valor nutritivo e prejuízo ao crescimento da pastagem, em função da menor eficiência fisiológica das folhas velhas. O subpastejo também pode levar à degradação das pastagens por favorecer a seletividade dos animais por determinadas espécies, que sendo pastejadas de forma mais frequente, acabam sendo eliminadas, favorecendo outras, de menor aceitabilidade, a dominarem o estande.
Novas abordagens na determinação do manejo do pastejo
Pesquisas desenvolvidas no Brasil nos últimos anos tem proposto um novo enfoque para o manejo do pastejo. Segundo esse novo enfoque, a frequência de pastejo deixa de ser um fator a ser determinado a priori, e passa a ser variável, mudando em função da velocidade de crescimento da pastagem. O fundamento biológico dessa proposta é o fato de que a combinação de fatores ambientais, como CO2, N, água, radiação solar, e temperatura, alteram a taxa de crescimento e desenvolvimento das pastagens, fazendo com que num mesmo intervalo de tempo, em épocas diferentes do ano, a condição estrutural e a produtividade das pastagens sejam diferentes. Assim, o que se busca agora, é uma condição da pastagem (e não mais o calendário) que sirva de indicativo para se iniciar o pastejo num piquete. Essa condição representa o momento a partir do qual não seria mais vantajoso manter o descanso do pasto, pois a partir dali a forragem acumulada seria essencialmente composta de colmos e folhas em envelhecimento (senescência).
De acordo com essa abordagem, é necessário considerar a velocidade de crescimento das plantas, ajustando o momento de entrada dos animais e início do pastejo ao desenvolvimento à condição estrutural da comunidade de plantas, e usando não mais o intervalo de tempo, mas sim uma característica da vegetação, como a altura (a mais comumente usada), como referência de início e fim do pastejo (Tabela 2).
A adoção dessa estratégia de manejo com base na velocidade de desenvolvimento das planta tem demonstrado que não apenas a produtividade de forragem tende a aumentar, como o seu aproveitamento pelo animal, gerando melhores resultados nos sistemas de produção.
Manejo do pastejo, significa portanto exercer controle e monitoramento sobre o processo de colheita da forragem pelos animais. Diferentemente do que se acreditou por muito tempo, intensificar não quer dizer piquetear a área nem aumentar as doses de fertilizante apenas. Requer envolvimento pessoal, desenvolvimento de habilidades e critérios, e tomada de decisão rápida e eficiente, com vistas a otimizar o bom uso daquilo que se produz.
Tabela 2. Alturas de referência para manejo de algumas espécies forrageiras