Em uma série de artigos anteriores publicados na seção "Radares Técnicos em Bem-Estar e Comportamento Animal" pudemos entender o que é o estresse, seu mecanismo de ação e algumas de suas conseqüências na produção animal. Nessa seção sobre Sanidade, iremos discutir alguns dos aspectos relacionados ao estresse térmico infringido à fêmea gestante que influenciam diretamente na saúde de cordeiros e cabritos, aumentando a susceptibilidade às doenças, diminuindo o vigor e peso ao nascimento e aumentando a mortalidade perinatal.
Mortalidade Perinatal
O período de maior vulnerabilidade na vida animal ocorre antes e imediatamente após o nascimento, período caracterizado como perinatal. Define-se como mortalidade perinatal de ovinos e caprinos as mortes que ocorrem entre os 60 dias de gestação e os 28 dias após o parto (NÓBREGA Jr. et al., 2005).
Nesse contexto, aproximadamente metade do total de mortes que acometem cordeiros ocorrem no dia do nascimento, enquanto que a taxa de mortalidade cai significativamente ao longo da primeira semana de vida (DWYER, 2008). Apesar de poucos trabalhos apresentarem dados sobre a mortalidade de cabritos recém nascidos, reconhece-se no complexo inanição/hipotermia e nas distocias os principais fatores associados a mortalidade perinatal (MEDEIROS et al., 2005).
Muitos fatores exercem influência sobre a mortalidade neonatal, incluindo as causas nutricionais (falha na ingestão de colostro), infecciosas e parasitárias, fatores ambientais e presença de predadores (TURINO & MATTOS, 2008).
No entanto, fatores inerentes a fêmea gestante podem exercer influência sobre a natalidade e viabilidade dos recém nascidos, como é o caso do estresse térmico durante o período gestacional.
Estresse Térmico
Em regiões tropicais e sub-tropicais, as variações na luminosidade e na temperatura ambiental podem ser apontadas como os principais fatores que influenciam a produção animal, atuando no controle da atividade reprodutiva e na disponibilidade de alimento, e em muitas situações, expondo os animais a condições de estresse.
A exposição de ovelhas a temperaturas elevadas resulta em redução na ingestão de matéria seca, queda do peso corpóreo, diminuição no ganho de peso diário e bloqueio dos processos reprodutivos, de acordo com Marai et al. (2007). Segundo os mesmos autores, em situações de estresse térmico o organismo animal responde de forma a dissipar o calor através da evaporação de água corpórea pelo sistema respiratório e pele, embora a cobertura lanosa presente em diversas raças dificulte tal processo de transpiração.
Quando os sistemas corpóreos falham em eliminar o excesso de calor ocorre o aumento da temperatura retal e início de drásticas alterações na fisiologia animal, caracterizadas por perturbações no metabolismo de proteínas, energia, sais minerais, reações enzimáticas e secreções hormonais.
O conjunto de alterações metabólicas ocorridas durante o estresse térmico são especialmente prejudiciais às fêmeas gestantes. O estresse causado pela exposição de fêmeas prenhes a altas temperaturas ambientais resulta em queda nas taxas de fertilização e aumento da mortalidade embrionária, segundo revisões de Brown et al., (1977).
O estresse térmico também pode interferir no desenvolvimento de cordeiros e cabritos, sendo que em condições de altas temperaturas ocorre diminuição do peso ao nascimento (BELL et al., 1989). Acredita-se que a razão para esse déficit de crescimento esteja diretamente relacionada a alterações no fluxo sangüíneo materno na tentativa de dissipar o excesso de calor, situação que dificulta a adequada perfusão placentária, reduzindo a quantidade de nutrientes para o feto. O estresse térmico também diminui o tempo de mamada dos cordeiros neonatos, favorecendo que o mesmo entre em inanição e hipoglicemia.
A Tabela-1 ilustra as principais alterações hemodinâmicas que ocorrem na fêmea gestante em situação de estresse térmico. De uma forma geral, o tamanho da placenta e sua capacidade de transferir nutrientes para a circulação fetal é que determinam a trajetória de crescimento do concepto (WALLACE et al., 2005). Nesse contexto, sob condições de estresse térmico (temperaturas ambientais em torno de 40°C) observa-se a queda significativa no fluxo sanguíneo placentário, e por conseqüência, uma menor quantidade de nutrientes e oxigênio chegam ao organismo fetal.
Tabela-1: Avaliação de características hemodinâmicas (pressão sanguínea no cordão umbilical, concentração de oxigênio, glicose e insulina na circulação materna e fetal) em ovelhas gestantes submetidas experimentalmente ao estresse térmico.
Em virtude das alterações hemodinâmicas ocorridas na fêmea gestante em condições de estresse térmico, o tamanho da placenta e dos anexos placentários (estruturas chamadas de cotilédones, responsáveis pelas trocas gasosas e de nutrientes entre a circulação materna e fetal), bem como o desenvolvimento dos diferentes órgãos vitais que compõe o concepto ficam comprometidos, situação que pode induzir a abortos, fetos natimortos (morte logo após o parto) ou parição de produtos subdesenvolvidos em relação ao tamanho médio de cada raça.
Konyali et al., (2007) apontam que o peso de cabritos Saanem ao nascimento encontra-se diretamente relacionado ao número de cotilédones e ao peso da placenta, conclusões que ratificam a dependência da saúde placentária para o pleno desenvolvimento dos fetos caprinos.
Tabela-2: Peso e comprimento fetal ao nascimento, peso da placenta e anexos placentários, e peso das vísceras oriundas de fetos gerados por ovelhas Suffolk mantidas em uma zona de conforto térmico (temperaturas em torno de 20°C) ou sob estresse térmico (temperatura ambiental de 40°C) durante a metade e o terço final da gestação.
A tolerância ao calor difere não apenas entre as diferentes raças de ovinos e caprinos. Mesmo em lotes homogêneos de animais de uma mesma raça podemos identificar grupos mais resistentes às variações ambientais. Segundo Quessada et al., (2001) a identificação de animais com maior resistência ao calor pode ser utilizada como ferramenta para o melhoramento genético animal, expressando a adaptabilidade ao clima da região.
Em virtude do exposto, conclui-se que o estresse térmico acarreta diversas alterações na fisiologia da fêmea prenhe, alterações essas que podem comprometer a produção de cordeiros e cabritos, alicerces da exploração animal. Em virtude da gravidade do problema, o produtor rural deve ficar atento aos prejuízos acarretados pelo estresse térmico e atuar de forma a garantir o conforto térmico dos seus animais.
Diversas medidas podem ser tomadas para amenizar o efeito da temperatura sobre a produção animal, incluindo o uso de sombreamento natural ou artificial, planejamento racional das instalações de manejo de forma a garantir uma plena circulação de ar, menor irradiação solar e, por conseqüência, maior conforto térmico.
Informações complementares sobre as estratégias a serem adotadas para garantir maior conforto térmico aos animais podem ser obtidas no artigo "Modificações Ambientais para o Clima Tropical" (RASLAN & TEODORO, 2007 - Radares Técnicos em Bem-Estar e Comportamento Animal).
Referências
BEEL, A.W.; McBRIDE, B.W.; SLEPETIS, R. et al. Chronic heat stress and prenatal development in sheep: I. Conceptus growth and maternal plasma hormones and metabolites. Journal of Animal Science, v. 67, p.3289-3299, 1989.
BROWN, D.E.; HARRISON, P.C.; HINDS, F.C. et al. Heat stress effects on fetal development during late gestation in the ewe. Journal of Animal Science, v.44, n.3, p.442-446, 1977.
CARROLL, J.A.; FORSBERG, N.E. Influence of stress and nutrition on cattle immunity. Veterinary Clinics - Food Animal Practice, v.23, p. 105-149, 2007.
DWYER, C.M. The welfare of the neonatal lamb. Small Ruminant Research, v.76, p.31-41, 2008.
KONYALI, A.; TÖLÜ, C.; DAS, G. et al. Factors affecting placental traits and relationships of placental traits with neonatal behaviour in goat. Animal Reproduction Science, v.97, p.394-401, 2007.
MARAI, I.F.M.; EL-DARAWANY, A.A.; FADIEL, A. Physiological traits as affected by heat stress in sheep - A review. Small Ruminant Research, v.71, p. 1-12, 2007.
MEDEIROS, J.M.; DANTAS, S.V.; RIET-CORREA, F. Mortalidade perinatal em cabritos. Pesquisa Veterinária Brasileira, p. 8-22, 2005.
NÓBREGA Jr., J.E.; RIET-CORREA, F.; NÓBREGA, R.S. et al. Mortalidade perinatal de cordeiros no semi-árido da Paraíba. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.25, n. 3, p. 171-178, 2005.
QUESSADA, M.; McMANAUS, C.; COUTO, F.A.D. Tolerância ao calor de duas raças
de ovinos deslanados no Distrito Federal. Revista Brasileira de Zootecnia, v.30, n.3, p.1021-1026, 2001.
RASLAN, L.S.A.; TEODORO, S.M. Modificações ambientais para o clima tropical, 2007. Radar Técnico em Bem-Estar e Comportamento Animal. Disponível em: www.farmpoint.com.br. Acesso em 23/03/2009.
TURINO, V.F.; MATTOS, M.C.C. Diminuição da mortalidade de cordeiros: passo inicial para aumento da lucratividade. Radar Técnico em Sanidade Animal. Disponível em: www.farmpoint.com.br. Acesso em 23/03/2009.
WALLACE, J.M.; REGNAULT, T.R.H; LIMESAND, S.W. et al. Investigating the causes of low birth weight in contrasting ovine paradigms. The Journal of Physiology, v.565, n.1, p.19-26, 2005.